Entrevista: Roberto Serra
Segundo o estudo dos físicos, a inversão da flecha termodinâmica do tempo ocorre em uma condição específica: apenas quando eles estabelecem uma correlação quântica entre um estado do núcleo dos átomos de carbono e de hidrogênio – o spin, uma propriedade magnética das partículas – antes de introduzir alterações significativas na temperatura dos componentes do sistema. Sem essa ligação quântica entre os spins dos dois elementos, o sistema se comporta de maneira tradicional e as partículas mais quentes aquecem as mais frias.
Geladeira quântica
A correlação quântica é uma associação similar, mas mais fraca do que o fenômeno conhecido como emaranhamento, um tipo de ligação tão estreita entre duas (ou mais) partículas que é impossível falar de uma sem mencionar a outra. Ainda assim, é forte o suficiente para que o núcleo de um elemento químico partilhe a informação sobre o estado de seu spin com o de outro elemento e vice-versa. Esse tipo de associação quântica é criado com o emprego de pulsos de rádio sobre os átomos de carbono e de hidrogênio.
O experimento pode ser comparado a uma geladeira quântica microscópica. Tudo que está dentro do refrigerador esfria, desde que o aparelho esteja conectado a uma fonte externa de eletricidade. “Para que um corpo frio aqueça um quente, é preciso abastecer o sistema com energia extra”, explica o físico Roberto Serra, da Universidade Federal do ABC (UFABC), um dos autores do trabalho, feito no âmbito do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia de Informação Quântica (INCT-IQ). No experimento, realizado em um laboratório do Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas (CBPF), no Rio de Janeiro, a energia extra é fornecida pela aplicação de distintos campos magnéticos sobre as moléculas de clorofórmio. Assim, é possível, de forma seletiva, tornar os núcleos dos átomos de hidrogênio mais quentes do que os de carbono. Essa preparação é feita de uma maneira especial que faz o calor fluir das partículas frias para as quentes.
O resultado do trabalho mexe com a delicada fronteira entre a termodinâmica clássica e a mecânica quântica. Conforme a segunda lei da termodinâmica, o passar do tempo leva, inexoravelmente, ao aumento da desordem, a uma maior entropia, no mundo macroscópico. Na natureza, a energia degenera. Por isso, espontaneamente, o café quente não esquenta na xícara. Ele esfria. Mas, no limite em que se consideram átomos e elétrons, fenômenos estranhos acontecem: a ordem das trocas de calor pode se inverter e a entropia do sistema pode diminuir, dando a impressão de que o tempo fluiu na direção do passado. “Nosso trabalho entra no domínio da termodinâmica de pequenos sistemas quânticos”, comenta Kaonan Micadei, primeiro autor do artigo e aluno de doutorado na UFABC.
A termodinâmica clássica não considera a existência de associações iniciais entre partículas como átomos e elétrons, como as criadas pela correlação ou emaranhamento quântico. Essa questão, no entanto, é importante e pode ajudar a entender como os microssistemas dissipam energia. “O experimento é fundamental para compreender fenômenos da termodinâmica ligados ao desenvolvimento da computação quântica”, comenta Ivan Santos Oliveira, do CBPF, outro coautor do estudo. “A experiência amplia o domínio de validade das leis da física”, avalia o físico teórico David Jennings, do Imperial College de Londres, Inglaterra, que não participou do estudo.
Processar informação gera aquecimento. Estima-se que entre 20% e 30% de toda energia elétrica produzida no mundo seja utilizada para resfriar os computadores. Limitar a dissipação de energia em máquinas quânticas é uma das motivações dos participantes do experimento. “Produzir um refrigerador quântico é uma etapa necessária para chegar a um dispositivo quântico mais complexo”, justifica Serra.
Projeto
Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia de Informação Quântica (nº 08/57856-6); Modalidade Projeto Temático; Pesquisador responsável Amir Caldeira (Unicamp); Investimento R$ 1.977,654,30 (para todo o projeto)
Artigo científico
MICADEI, K. et al. Reversing the thermodynamic arrow of time using quantum correlations. arXiv. On-line. 9 nov. 2017.