de Brasília
No dia em que internacionalmente se celebra o recurso reconhecido pela Organização das Nações Unidas (ONU) como um direito fundamental de todas as pessoas, o Fórum Mundial da Água se prepara para encerrar suas atividades. Amanhã (23/03) a carta final de intenções marcará o encerramento oficial do encontro que reuniu pessoas do mundo todo: especialistas técnicos, pesquisadores, políticos, ativistas, empresários, representantes de agências oficiais, curiosos, cidadãos.
Em meio a vistosos trajes africanos, cocares, ternos e gravatas, hijabs, chinelos e saltos, além de uma variedade de idiomas e de sotaques, foram discutidos em Brasília temas centrais sobre como tornar a água mais acessível à população mundial, produzindo alimentos e energia, sem sucumbir aos efeitos das mudanças climáticas e privilegiando o tema central: compartilhamento. As iniciativas envolvem desde a sociedade civil até entidades supranacionais, como a ONU.
Em um exemplo de cidadãos contribuindo para o conhecimento científico, a organização não governamental SOS Mata Atlântica lançou na quarta-feira (21/03) o relatório do projeto Observando os Rios. A iniciativa distribui kits de análise de água para voluntários dispersos pelo país, que monitoram a água de rios conforme uma série de quesitos e alimentam o banco de dados por meio de um aplicativo. “A avaliação dos parâmetros, que pode ser feita por qualquer pessoa, é comparável a análises especializadas feitas em laboratório”, afirma o biólogo Clemente Coelho Júnior, professor da Universidade Federal de Pernambuco que integrou a atividade em sua prática de ensino.
O monitoramento de 230 corpos d’água em 17 estados que abrigam Mata Atlântica, de março de 2017 a fevereiro de 2018, indicou que nenhum deles tinha qualidade ótima e apenas um foi classificado como péssimo. Três quartos dos rios analisados foram classificados como de qualidade regular, enquanto 20% receberam a etiqueta “ruim” e apenas 4% foram considerados bons. Segudo Coelho, está longe de ser uma situação confortável, mas representa uma melhoria em relação a anos anteriores. “Quando os problemas são detectados, é possível traçar estratégias para melhorar”, conta o biólogo, que introduziu o projeto em Pernambuco. A tarefa não é simples. “O rio Capibaribe, que monitoramos há pouco mais de dois anos, ainda não começou a ser requalificado”, diz ele sobre o poluído curso d’água que corta Recife.
A ecóloga Erika Pinto, pesquisadora do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam), contou que no processo para melhorar a qualidade de vida de famílias rurais logo ficou claro que era primordial fornecer acesso a fontes de água de qualidade. A experiência-piloto, que durou de 2012 a 2017, envolveu capacitar jovens locais para levantar dados básicos com os produtores rurais de modo a avaliar as melhores tecnologias para cada situação, como a captação de água da chuva.
A meteorologista Regina Alvalá, vice-diretora do Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden), também relatou a participação da sociedade local, em conjunto com estações meteorológicas, na coleta de dados que permitem mapear as necessidades de agricultores no semiárido nordestino. Por meio de um aplicativo de celular, os voluntários informavam sobre os tipos de cultivo em cada local, as dimensões da área plantada, o tipo de irrigação e de tratamento contra pragas e doenças. “Usamos a informação para alimentar modelos meteorológicos e prever quebras de produção agrícola devido à seca de maneira a minimizar os danos”, explicou. Na impossibilidade de fazer frente à falta de chuva, os dados podem servir para orientar pagamentos pelo programa Garantia-Safra, do governo, que fornece remuneração a quem plantou, mas não conseguiu produzir.
Estratégias que buscam novos recursos para conseguir água potável podem envolver engenharias específicas, como os sistemas de dessalinização para o semiárido apresentados pelo analista ambiental Henrique Veiga, do Ministério do Meio Ambiente. Em acordos de gestão compartilhada com governo e comunidades locais, o projeto prevê instalação de infraestruturas de filtragem por osmose reversa que permitem tornar a água salobra adequada para consumo. A gestão e operação ficam a cargo de habitantes das comunidades que recebem treinamento para isso. A meta é instalar 1,2 mil sistemas de dessalinização na região, dos quais 508 estão concluídos.
Outras soluções, baseadas na natureza, vêm recebendo atenção crescente e foram assunto central de relatório divulgado pela ONU durante o encontro. Um exemplo foi apresentado pelo pesquisador coreano Munhyun Ryu, do Instituto de Convergência K-Water, sobre o lago Sihwa, no oeste da Coreia do Sul. Construído como reservatório de água, acabou conhecido como “lago da morte” por sua poluição. O problema foi resolvido com a construção de uma área alagada que funciona como tratamento natural de águas residuais, com amplo monitoramento. Ele relata que hoje o turismo foi revitalizado na área, onde aves voltaram a fazer ninhos e projetos de educação e pesquisa científica passaram a se desenvolver.
Para o geólogo Ricardo Hirata, do Centro de Pesquisas de Águas Subterrâneas (Cepas) da Universidade de São Paulo (USP), é essencial ter uma visão completa e correta do ciclo hidrológico, levando em conta águas superficiais e subterrâneas – áreas de descarga, de recarga e de trânsito. governança é o que deve ligar todos os atores e permitir uma gestão integrada desses recursos hídricos, um dos grandes desafios destacados nas discussões.
O Fórum Mundial da Água se encerra nesta sexta-feira, com a apresentação de cartas de intenções. Começa em seguida o trabalho sobre essas decisões e diretrizes até o encontro, daqui a três anos, no Senegal, fórum que pretende transcender as fronteiras do país e se apresentar como africano.
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