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John Kincaid (à dir.), diretor do Centro de Estudos do Estado e Governo Local do Lafayette College, Estados Unidos e Paolo Dardanelli, professor de política comparada da Universidade de Kent, Reino UnidoArquivo PessoalO estudo “Why Centralisation and Decentralisation in Federations?”, coordenado por John Kincaid, diretor do Centro de Estudos do Estado e Governo Local do Lafayette College, nos Estados Unidos, e Paolo Dardanelli, professor de política comparada da Universidade de Kent, no Reino Unido, acaba de ter sua primeira etapa concluída, depois de dois anos avaliando o nível de descentralização em favor de governos subnacionais. Ao analisar a história dos sistemas federalistas na Austrália, Alemanha, Índia, Suíça, Canadá e nos Estados Unidos, o projeto resultou em duas constatações importantes: a tendência de concentração de poderes no governo central, no que diz respeito à criação de leis e regulamentos, e o movimento de descentralização nas áreas fiscal e administrativa.
Com escopo ampliado, a segunda etapa da pesquisa envolverá a análise do sistema federalista argentino, austríaco, brasileiro, mexicano, nigeriano, paquistanês e malaio. A ideia é medir o impacto de rupturas democráticas, ocorridas em todos esses países, no equilíbrio de poder dessas nações. Em visita ao Brasil para discutir o desenvolvimento dessa fase recém-iniciada da investigação, Kincaid e Dardanelli falaram sobre as hipóteses que norteiam o estudo e suas principais descobertas.
Com que concepção de federalismo vocês trabalham?
John Kincaid: Federalismo é uma forma de organização política na qual o governo central, estados e municípios compartilham o poder de administrar uma nação. Esses estados ou municípios possuem representações no governo central e podem apoiar suas decisões, mas também há áreas em que governam com autonomia. O federalismo é um sistema adaptável a grandes territórios, que possuem diferenças regionais expressivas, como é o caso do Brasil. Também faz sentido para territórios em que há grupos étnicos e idiomas variados, como acontece no Canadá. Por meio do sistema federativo, cada região ou grupo consegue reivindicar o atendimento de suas demandas. Cerca de 40% da população mundial, em 26 países, vive em sistemas federativos.
Quais os objetivos do projeto?
Paolo Dardanelli: Queremos entender como o equilíbrio de poder entre o governo central e os governos subnacionais se desenvolveu no decorrer da história de cada um desses países. O projeto procura identificar se a partir da emergência do federalismo, nessas nações, seus sistemas se tornaram mais ou menos centralizados. Ou seja, se o poder se concentrou no governo central ou nos governos subnacionais. Para isso, criamos indicadores que permitem avaliar em que instância governamental o poder se aglutina, quando consideramos 22 áreas de políticas públicas e cinco áreas fiscais. Além disso, trabalhamos com os conceitos de descentralização estática e dinâmica. O primeiro se refere à distribuição de poderes em um momento específico da história. O segundo envolve mudanças no decorrer do tempo.
JK: Realizamos descobertas empíricas e desenvolvemos perspectivas teóricas para entender o funcionamento do federalismo em cada país. É importante compreender essas dinâmicas em larga escala para explicar não apenas o equilíbrio de poder dentro das nações, como também a emergência de arranjos federativos entre países, caso da União Europeia. O projeto quer oferecer parâmetros para potenciais arranjos futuros e também para países que pretendem se tornar federativos.
Quais hipóteses foram confirmadas? Ou refutadas?
PD: O federalismo tem sido estudado pelo menos desde a promulgação da Constituição dos Estados Unidos, em 1787. Desde então, muitas hipóteses foram formuladas. O projeto procurou testar a validade de algumas delas por meio de pesquisa empírica. Uma hipótese clássica da literatura trabalha com a ideia de que federações monolíngues tendem a concentrar poderes no governo central, enquanto as multilíngues são propensas a pulverizá-los, entre os governos subnacionais. Nossos resultados indicam que o multilinguismo sozinho não serve para explicar a dinâmica de descentralização do poder. O Canadá é um país multilíngue que já nasceu como uma federação com poderes mais descentralizados, se comparado com os Estados Unidos, por exemplo, e manteve seu nível de descentralização. A Suíça e a Índia, também multilíngues, manifestaram em algumas áreas a mesma tendência de descentralização, o mesmo ocorrendo com os Estados Unidos, nação monolíngue. Essas descobertas nos permitem refutar a hipótese de que o multilinguismo, por si só, motiva a distribuição crescente do poder.
Foram feitas outras descobertas?
JK: No que diz respeito às questões legislativas, podemos afirmar que as federações estudadas concentraram poder no governo central, enquanto nas esferas fiscal e administrativa ele foi descentralizado. Isso significa que os estados ou municípios passaram a operar cada vez mais como administradores das políticas públicas reguladas no âmbito federal, mantendo certa autonomia nesse gerenciamento. Além disso, o histórico comparativo mostra que em determinados momentos as nações tendem a reunir poderes no governo central, enquanto em outros pode ocorrer o contrário. O movimento de centralização ou descentralização não é linear.
Existe relação entre o processo de descentralização dos poderes e o desenvolvimento econômico e social dos países?
PD: Existe correlação entre desenvolvimento econômico, descentralização e democracia. Mas a pergunta que deve ser feita é: o que vem antes? Os países são ricos por que são democráticos ou democráticos por que são ricos? Não são perguntas fáceis de responder, mas é possível dizer que países com democracia mais consolidada tendem a ser mais descentralizados.
Com que hipóteses vocês pretendem trabalhar, na segunda fase da pesquisa?
PD: Como vamos trabalhar com países que experimentaram rupturas democráticas, esperamos observar mudanças intensas. Em tais períodos, os sistemas tendem à centralização, enquanto em momentos democráticos costuma ocorrer o movimento contrário. No entanto, sabemos que regimes autoritários também fazem movimentos de descentralização. Queremos entender por que isso acontece. Acreditamos que a descentralização pode funcionar como estratégia de obtenção de legitimidade, mas queremos identificar outros motivos.