A Academia Real Sueca de Ciências anunciou nesta segunda-feira (1º/10) os vencedores do Nobel de Medicina ou Fisiologia, abrindo a temporada de premiações nas categorias científicas de 2018. Os imunologistas James Patrick Allison, de 70 anos, do Centro de Oncologia MD Anderson da Universidade do Texas, em Houston, nos Estados Unidos, e Tasuku Honjo, de 76, do Departamento de Imunologia e Medicina Genômica da Universidade de Kyoto, no Japão, foram laureados por suas contribuições para o desenvolvimento de uma estratégia que estimula a capacidade inerente do sistema imunológico de atacar e combater a proliferação das células cancerígenas. Os avanços abriram caminho para uma nova classe de medicamentos que já está apresentando resultados promissores em pacientes com a doença. Eles irão dividir o prêmio de 9 milhões de coroas suecas (aproximadamente US$ 1 milhão).
As contribuições do norte-americano James Allison para a concepção de uma terapia biológica contra o câncer começaram a se desenhar no início da década de 1990, quando ele iniciou uma série de estudos sobre uma proteína chamada CTLA-4, expressa na superfície dos linfócitos T, um tipo de célula do sistema imunológico responsável pela defesa do organismo contra agentes infecciosos, como vírus e bactérias.
Tão logo o invasor é reconhecido, um conjunto de proteínas ativa o sistema imune do organismo, que passa a atacar o agente invasor. Com o tempo, os pesquisadores identificaram que outras proteínas interrompiam a ação do sistema imune no momento em que o ataque era controlado. Esse sistema orquestrado é fundamental para o mecanismo de controle do sistema imunológico, porque assegura que ele esteja suficientemente envolvido no ataque contra microrganismos estranhos ou células infectadas, ao mesmo tempo que evita sua ação exacerbada, o que poderia levar à destruição de células e tecidos saudáveis.
Acontece que os tumores conseguem se esquivar do ataque do sistema imune, inativando-o após algum tempo. Em outras palavras, o sistema imunológico do organismo afetado deixa de reconhecer as células tumorais como algo anormal. A partir de então, elas passam a aumentar e se proliferar descontroladamente, disseminando-se para órgãos e tecidos saudáveis.
Como muitos outros pesquisadores, Allison verificou que a CTLA-4 era uma das proteínas que bloqueavam a ação dos linfócitos T. Em 1994, ele e sua equipe da Universidade da Califórnia em Berkeley, nos Estados Unidos, resolveram investir no desenvolvimento de um anticorpo que se ligasse a essa proteína, inativando-a. Ao inibir a CTLA-4, os pesquisadores pretendiam soltar os freios dos linfócitos T, liberando-os para atacar as células cancerígenas. A estratégia foi muito bem-sucedida em experimentos com camundongos.
A administração do anticorpo inibiu a CTLA-4 e reativou os linfócitos T, que, agindo sobre as células tumorais, impediram sua proliferação. Apesar do desinteresse da indústria farmacêutica em levar a estratégia adiante, Allison seguiu trabalhando no aprimoramento da terapia. Em 2010, ele e sua equipe a aplicaram em pessoas com melanoma, o câncer de pele mais agressivo e letal. Em vários pacientes, os tumores simplesmente desapareceram. Esses estudos levaram ao desenvolvimento do ipilimumab, primeiro anticorpo monoclonal contra a CTLA-4 aprovado em 2011 pela Food and Drug Administration (FDA), agência que regula o comércio de alimentos e remédios nos Estados Unidos.
Em 1992, apenas alguns anos antes de Alisson iniciar seus estudos com a CTLA-4, a equipe do imunologista japonês Tasuku Honjo identificou a PD-1, outra proteína expressa na superfície dos linfócitos T. Empenhado em desvendar seu mecanismo de ação, ele a analisou em uma série de experimentos levados a cabo em seu laboratório na Universidade de Kyoto. Honjo verificou que a PD-1, assim como a CTLA-4, agia no sentido de inibir a ação do sistema imunológico. O resultado foi o desenvolvimento de um anticorpo anti-PD-1, testado em experimentos com modelos animais. A estratégia mostrou-se promissora contra o câncer. Em 2012, um estudo demonstrou sua eficácia no tratamento de indivíduos com diferentes tipos de tumor, inclusive em pacientes com câncer metastático, condição até então considerada impossível de tratar.
Na avaliação do médico Roger Chammas, professor de oncologia na Faculdade de Medicina na Universidade de São Paulo (FM-USP) e coordenador do Centro de Investigação Translacional em Oncologia do Instituto do Câncer do Estado de São Paulo (Icesp), a premiação de Alisson e Honjo é mais do que justa, uma vez que há mais de 100 anos os pesquisadores tentam usar o sistema imunológico contra os tumores. “Trata-se de um belo exemplo de um conceito que emergiu da pesquisa básica, converteu-se em uma estratégia que superou todas as etapas de estudos e testes clínicos até poder ser usada no tratamento contra alguns tipos de tumor”, destaca o pesquisador. “Sem a pesquisa básica feita por esses imunologistas, a fundamentação teórica dessa intervenção clínica talvez não fosse possível.”
Segundo Chammas, as descobertas de Allison e Honjo representam um princípio completamente novo na terapia antitumoral porque, diferentemente das estratégias anteriores, não visa às células cancerígenas, mas, sim, os mecanismos de inibição do sistema imunológico do organismo afetado. “Graças à estratégia desenvolvida por eles, atualmente dispomos de vários anticorpos monoclonais que agem sobre essa mesma via, que, combinados a outras abordagens, estão ajudando a aperfeiçoar a terapia tumoral”, completa. Muitas pessoas estão se beneficiando dessa estratégia, inclusive no Brasil.
Outra ressalva é que, por ora, esses anticorpos são efetivos apenas contra tumores imunogênicos, que geram uma resposta imune do organismo hospedeiro, como no caso dos melanomas. “No entanto, hoje já existem testes laboratoriais que ajudam a predizer se o tumor responderá à imunoterapia de forma efetiva”, completa o médico.
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