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Internacionalização

Interação nas fronteiras

Simpósio reúne brasileiros, britânicos e chilenos para discutir tópicos emergentes da ciência

O Brasil sediou um dos principais eventos da comemoração dos 350 anos da Royal Society, a consagrada instituição de promoção da ciência do Reino Unido. O simpósio UK-Brazil Frontiers of Science reuniu em Itatiba, no interior paulista, um grupo de 76 pesquisadores do Brasil, do Reino Unido e do Chile para debater grandes questões do conhecimento sob uma ótica multidisciplinar. “O balanço foi bastante positivo”, diz o físico Marcelo Knobel, pró-reitor de Graduação da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), que coordenou a organização do evento ao lado de Richard Kirby, da Escola de Ciência e Engenharia Marinha da Universidade de Plymouth, no Reino Unido. Embora os resultados concretos só devam aparecer em longo prazo, na forma de colaborações internacionais, Knobel ouviu avaliações elogiosas dos participantes. “Um dos pesquisadores me disse que havia lembrado por que resolvera fazer ciência, que é pelo prazer do conhecimento”, diz Knobel. Ele se referia ao formato do simpósio, que contemplou temas bastante variados e convidou os especialistas a interagir e debater. “Eles refrescaram a cabeça, pois puderam conhecer assuntos instigantes e distantes de suas especialidades. No caso dos palestrantes, foi a chance de expor suas pesquisas a uma plateia que, embora fosse praticamente leiga no assunto, era composta por jovens pesquisadores de alto nível”, afirma.

Os participantes foram selecionados entre cientistas com menos de 20 anos de doutoramento, mas considerados líderes no meio acadêmico. O encontro, que ocorreu entre os dias 27 e 30 de agosto, foi organizado pela Royal Society e pela FAPESP, em parceria com o British Council, a Academia Brasileira de Ciências, a Academia Chilena de Ciências e o projeto bilateral UK-Brazil Partnership in Science and Innovation. Lorna Casselton, vice-presidente da Royal Society, esteve presente no simpósio. Cada uma das nove sessões iniciou-se com três miniconferências de especialistas. No debate de abertura, Glaucia Mendes de Souza, do Instituto de Química da Universidade de São Paulo (USP), uma das coordenadoras do Programa FAPESP de Pesquisa em Bioenergia (Bioen), e Joaquim Seabra, do Laboratório Nacional de Ciência e Tecnologia do Bioetanol (CTBE), expuseram a experiência brasileira de produção de etanol de cana-de-açúcar, enquanto Sofia Valenzuela, da Universidade de Concepción, do Chile, mostrou o esforço de seu país para extrair etanol de biomassa de eucalipto. Como seria de esperar, várias perguntas recaíram sobre a sustentabilidade dos biocombustíveis, uma conhecida preocupação dos britânicos, que apostam, por falta de terra disponível, em soluções como a energia solar e a eólica.

Os debates seguintes também abordaram tópicos de pesquisa na fronteira do conhecimento, como plasticidade cerebral, emaranhamento quântico, modelagem matemática de populações e doenças, sistema profundo da Terra e mudança climática e desenvolvimento de plantas, entre outros. Numa sessão sobre regulação de metabolismo energético, o brasileiro Lício Velloso, da Unicamp, relatou seus estudos segundo os quais o consumo excessivo de gorduras pode gerar uma inflamação nos neurônios de uma região na base do cérebro, o hipotálamo, que controla a fome (ver Pesquisa Fapesp nº 156). Sua conferência foi precedida por palestras de Nadja Cristina Souza-Pinto, professora do Instituto de Química da USP, sobre a regulação do metabolismo energético, e de Andrew J. Murray, da Universidade de Cambridge, que abordou a busca de novas terapias contra a insuficiência cardíaca. A existência de vida fora da Terra e a busca por planetas habitáveis marcaram a sessão sobre formação e evolução do planeta, que teve conferências dos britânicos Jane Greaves, da Universidade de Saint Andrews, e Ken Rice, da Universidade de Edinburgo, além do brasileiro Douglas Galante, pesquisador do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas da USP e especialista de uma área ainda pouco conhecida, a astrobiologia (ver reportagem).

Atitude positiva
O jornalismo voltado para a cobertura de ciência foi outro tema debatido. Com base em seus estudos sobre jornalismo científico e a percepção pública da ciência, o físico e jornalista Yurij Castelfranchi, professor da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), disse que o Brasil tem um ambiente favorável para essa aproximação entre ciência e sociedade. “Cerca de 80% das pessoas têm uma atitude positiva em relação à ciência. Isso não quer dizer que as pessoas compreendam a ciência. A questão que nos interessa é como transformar essa ‘confiança ignorante’ em conhecimento real”, disse. A jornalista Mariluce Moura, diretora da revista Pesquisa FAPESP, apresentou uma análise da evolução do jornalismo científico no Brasil nas últimas décadas. Segundo ela, o foco da mídia brasileira sobre o conhecimento científico tem se acentuado. “A Pesquisa FAPESP se tornou muito próxima da comunidade científica paulista, estabelecendo uma relação de confiança”, disse. O britânico Tim Hirsch destacou as diferenças marcantes das experiências de divulgação da ciência no Brasil e no Reino Unido. Hirsch foi correspondente da área de meio ambiente da BBC News entre 1997 e 2006 e hoje atua no Brasil como consultor e jornalista independente.

O simpósio de Itatiba fez parte do programa Frontiers of Science, que desde 2004 promove grandes encontros internacionais com pesquisadores e é patrocinado por organizações científicas dos Estados Unidos, Reino Unido, Alemanha, China e Japão. Para Marcelo Knobel, os bons resultados do simpósio mostram que o formato funciona. “Mesmo fora do guarda-chuva da Royal Society, a ideia de reunir jovens cientistas para debater temas de fronteira merece ser repetida”, diz. O evento foi útil para mostrar aos britânicos a realidade de pesquisa no Brasil, o que poderá render parcerias futuras. “Muitos ficaram surpresos e entusiasmados com a qualidade da pesquisa brasileira”, diz Knobel. Jonathan Dawes, do Departamento de Ciências Matemáticas da Universidade de Bath, disse que a experiência foi proveitosa. “Foi uma oportunidade de ganhar uma visão sobre os desafios atuais de outras disciplinas. E também de ter uma ideia do alcance das pesquisas rea­lizadas no Brasil e de como o Reino Unido pode se envolver com elas”, afirmou. Além do simpósio em Itatiba, Dawes deu seminários no Instituto de Matemática Pura e Aplicada (Impa) no Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas (CBPF), no Rio de Janeiro.

A estrutura de financiamento da FAPESP foi destacada por alguns participantes, ao responderem, anonimamente, a um questionário de avaliação do evento. “O sistema de financiamento do estado de São Paulo é fantástico. Ah, se tivéssemos algo parecido aqui, particularmente em relação ao teto para gastos administrativos…”, escreveu um deles. Outro destacou a força da pesquisa brasileira em áreas como doenças tropicais, a pesquisa do HIV, a bioquímica de plantas. “Fiquei extremamente impressionado com os pesquisadores brasileiros que conheci, principalmente por aqueles que encontrei em visitas que se seguiram a laboratórios. O in­vestimento em ciência é formidável, especialmente no estado de São Paulo, e o entusiasmo dos estudantes de pós-graduação é contagiante”, afirmou.

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