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depoimento

Amaury de Souza (1942 – 2012)

Amaury de Souza foi um dos mais destacados integrantes do grupo de sociólogos formados pela UFMG na virada dos anos 50 para os 60.

Concluído o bacharelado em Minas, ele passou algum tempo no recém-criado Iuperj (Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro), transferindo-se em seguida para os Estados Unidos. Fez o doutorado em Ciência Política no MIT (Massachusetts Institute of Technology) com uma tese sobre o sindicalismo brasileiro, cuja estrutura corporativa ele criticava duramente.

Outra área a que se dedicou foi a da metodologia empírica aplicada à pesquisa sociopolítica, área em que se firmou como um dos principais senão o principal nome de nossa geração.

Quero aproveitar a oportunidade deste depoimento para retratar a pessoa excepcional que foi Amaury de Souza e falar um pouco da amizade que mantivemos durante mais de cinco décadas.

Natural de Uberlândia (MG), Amaury passou a residir em Belo Horizonte em 1958, onde viria a fazer o curso científico. Foi nessa época que nos conhecemos. Estudávamos em colégios diferentes, mas no mesmo bairro, e por isso tínhamos vários amigos em comum e nos víamos com frequência.

Como o resto do país, Belo Horizonte atravessava uma época de grande efervescência cultural, em termos de literatura, cinema e teatro e de música, evidentemente: afinal a bossa-nova acabara de revolucionar a música popular brasileira.

Não tendo ainda a televisão e as novelas a capacidade de segurar as pessoas no interior de suas casas, e sendo as ruas no geral bastante seguras, a conversa de esquina passou a ser uma instituição fundamental na vida do jovem belo-horizontino. Este foi outro motivo de nos termos tornado precocemente “culturais”.

Aquele foi também o momento em que as moçoilas começaram a descartar certos romances açucarados em proveito, por exemplo, das Mémoires d’une jeune fille rangée de Simone de Beauvoir.

Leitor voraz, Amaury consumia obras mais “sérias” (Sartre e Marx, por exemplo) do que o normal em nossa idade, mas a literatura brasileira nós todos devorávamos em boa quantidade.

Amaury tinha um pendor natural tanto para o desenho (era bom caricaturista) como para a música, manejando com facilidade a bateria e outros instrumentos de percussão.  Nessa arte ele tinha um parceiro fantástico, o nosso amigo comum Beto (Carlos Alberto Soares de Freitas). Os dois eram exímios tocadores de samba na caixa de fósforos. Em 1961, nós três ingressamos no curso de Sociologia e Política da Faculdade de Ciências Econômicas da UMG (atual UFMG). No pós-64, Beto optou pela luta armada. Não voltamos a vê-lo, apenas soubemos alguns anos depois que ele fora morto.

Ao regressar dos Estados Unidos, Amaury engajou-se nas lutas pela redemocratização do país e pelas reformas estruturais (controle da inflação, reforma do Estado…) que começariam a ser implementadas nos anos 90. Intelectual brilhante e convictamente liberal, ele era também um excelente debatedor. Sempre leal, embora por vezes duro na apresentação de suas teses. Nos últimos 20 anos ele se tornou uma presença constante não só em seminários acadêmicos, mas também na mídia e em eventos promovidos por diferentes setores da sociedade. O campo que mais o interessava passou a ser o das relações internacionais.  Participava de um projeto internacional sobre os BRICs e sobre a África do Sul e começara a trabalhar num livro sobre os aspectos internacionais do desenvolvimento econômico e político do Brasil quando surgiu o câncer que o iria vitimar.

Bolívar Lamounier é sociólogo e cientista político. Seu livro mais recente, A classe média brasileira: ambições, valores e projetos de sociedade, escrito com Amaury de Souza, foi lançado pela Editora Campus

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