O negociador-chefe do Brasil para a Conferência Rio+20, embaixador André Corrêa do Lago, disse nesta segunda-feira (5) que a diplomacia brasileira considera um retrocesso a proposta de países europeus de criar uma agência voltada para o meio ambiente no âmbito das Nações Unidas, em moldes semelhantes ao da Organização Mundial do Comércio. “Nos últimos 40 anos o esforço das Nações Unidas tem sido o de integrar os pilares econômico, social e ambiental que dão base à ideia do desenvolvimento sustentável. A criação de uma agência para o meio ambiente segue na contramão desse esforço, pois isola a dimensão ambiental”, disse o embaixador, em palestra proferida no evento “Rio+20: jornalismo em debate”, realizado no auditório Carvalho Pinto, na sede da FAPESP, na capital paulista. Segundo ele, o Brasil defende o fortalecimento do Conselho de Desenvolvimento Sustentável da ONU. “Caso os países queiram criar um pilar ambiental mais forte abaixo desse Conselho fortalecido, vamos achar ótimo”, afirmou.
Ele observou que os países em desenvolvimento puderam se dedicar aos três pilares da sustentabilidade de forma escalonada. Primeiro cuidaram do desenvolvimento econômico, depois, para dar resposta à reação da sociedade às mazelas do crescimento, construíram amortecedores sociais. E só recentemente passaram a cuidar do pilar ambiental. “Os países em desenvolvimento têm de manter simultaneamente essas três agendas”, afirmou.
Corrêa do Lago explicou que houve resistência, sobretudo entre países desenvolvidos, a que a Rio+20 tivesse uma agenda muito ampla, daí a conferência ter um mandato para discutir apenas dois assuntos: a economia verde no contexto do desenvolvimento sustentável e da erradicação da pobreza e o quadro institucional do desenvolvimento sustentável (em que se encaixa o debate sobre a criação de uma agência ambiental). O conceito de economia verde tem significados diferentes para os países. “Há quem interprete esse conceito como uma deturpação do conceito de desenvolvimento sustentável”, afirmou. Segundo Corrêa do Lago, o conceito deriva da ideia de “crescimento verde” discutida pela OCDE, que congrega os países mais desenvolvidos do planeta, e contempla estimular atividades econômicas de baixo impacto ambiental para combater a crise econômica das nações ricas. “Já os países em desenvolvimento puxaram a discussão da economia verde para o desenvolvimento sustentável e a erradicação da pobreza”, explicou.
A percepção sobre o espectro do “crescimento verde” é variável. “Quem está crescendo hoje são os países em desenvolvimento, enquanto os países ricos estão se esforçando para ‘esverdear’ sua economia. Há uma diferença de agendas e um temor de que se busca transferir responsabilidades para os países em desenvolvimento”, explicou o embaixador. “Mas se a economia verde se tornar a expressão de um esforço que permitirá ao pilar econômico dos países absorver o conceito de desenvolvimento sustentável, aí poderá ser produtivo”, disse.
Corrêa do Lago diz não esperar que a Rio+20 produza um documento final exageradamente ambicioso. “Com 193 países na mesa de negociações é muito difícil obter um texto final inspirador e ambicioso. Mas podemos obter mandatos importantes na conferência, ainda que o texto diga as coisas de forma ambígua”, afirmou. O principal mandato seria o de criar mecanismos capazes de apoiar os países a absorver o conceito de desenvolvimento sustentável na sua economia. “Para isso, é preciso de apoio internacional.”
Uma discussão momentosa, segundo o embaixador, envolverá os padrões de consumo dos países. “Padrões de consumo de classe média estão sendo absorvidos por centenas de milhões de pessoas, com grande impacto sobre os recursos naturais. Temos de nos preparar para o cenário em que os 9 bilhões de habitantes do planeta daqui a duas décadas sejam de classe média. E temos de reinventar o conceito de classe média, pois é impraticável que os habitantes dos países em desenvolvimento mantenham quatro carros na garagem como ocorre nos Estados Unidos. Isso vai exigir transformações importantes, por exemplo, na questão do transporte público”, afirmou.
O debate sobre os indicadores que nortearão metas, segundo ele, será complexo. Os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, um dos possíveis resultados da conferência, exigirão engajamento de países ricos e pobres. “É preciso que os países ricos vejam isso não como um peso, mas também como uma oportunidade de crescer e garantir, por exemplo, mais empregos em atividades sustentáveis”, afirmou.
A conferência, de acordo com Corrêa do Lago, será um espaço para discutir o futuro. “O ministro das Relações Exteriores, Antonio Patriota, já disse que o nome Rio+20 remete não ao passado, mas ao que vamos fazer nos próximos 20 anos. Queremos que esse período seja lembrado como a etapa em que o mundo começou a se olhar com um ambiente transformado por desafios e oportunidades vinculados ao desenvolvimento sustentável”, afirmou.
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