O Conselho Superior da FAPESP aprovou a implantação do programa Parceria para Inovação em Ciência e Tecnologia Aeroespaciais (PICTA) para apoiar projetos desenvolvidos por universidades e instituições de pesquisas em conjunto com empresas do setor aeroespacial. O novo programa contará com recursos da ordem de R$ 18 milhões anuais, de acordo com Carlos Henrique de Brito Cruz, presidente do Conselho Superior da entidade.
O programa vai funcionar nos mesmos moldes do Programa de Inovação Tecnológica em Parceria (PITE): os projetos serão apresentados por universidades ou instituições, avaliados pela FAPESP, que, se aprovada a proposta, contrata com o pesquisador o financiamento de 50% da pesquisa. Os outros 50% serão aportados pela empresa interessada no desenvolvimento do projeto.
A criação do PICTA pesou, e muito, na decisão da Embraer de instalar no Estado de São Paulo, no município de Gavião Peixoto, uma nova fábrica de aviões e uma pista de ensaio em vôo, com investimento total de R$ 340 milhões e criação de 3 mil empregos. “Vamos procurar estudar projetos em parceria com o curso de Engenharia Mecânica e Aeronáutica de São Carlos e com outras instituições de pesquisa que tenham utilidade para a Embraer”, afirma Satoshi Yokota, vice-presidente industrial da Embraer.
A fábrica e a pista de ensaio em vôo da Embraer começam a ser construídas em outubro para operar em 2001, e a empresa, provavelmente, será um dos principais clientes do PICTA. Mas a expectativa é que a região venha a se constituir num pólo aeroespacial, reunindo fornecedores nacionais e internacionais de produtos, processos e serviços na área de aeronáutica. A TAM, por exemplo, já adquiriu a área da extinta Companhia Brasileira de Tratores (CBTA), onde pretende instalar um centro de manutenção de aeronaves. De acordo com Yokota, a Embraer faz gestões junto ao Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e Ministério da Indústria e Comércio (Minc), no sentido de atrair alguns de seus fornecedores para o Brasil. “Nos interessa tê-los por perto”, diz o vice-presidente da Embraer.
Pólo aeroespacial
O governo do estado aposta na formação desse novo pólo de desenvolvimento. Investe R$ 27 milhões na aquisição de uma área de 14,5 quilômetros quadrados no município, que será cedida à Embraer por um período de 35 anos, renováveis por mais 35; na infra-estrutura básica do terreno, como fornecimento de energia, água e tratamento de efluentes; e na pavimentação dos acessos rodoviários. “Antevemos uma nova fronteira para São Paulo, tanto do ponto de vista geográfico, já que se está expandindo para a região de Araraquara uma fronteira tecnológica até então articulada no Vale do Paraíba, Campinas e na capital, como do ponto de vista estritamente tecnológico, o que permitiu fazer esse entendimento com a FAPESP para o financiamento de pesquisadores que apresentem projetos na área aeroespacial”, diz o secretário de Ciência, Tecnologia e Desenvolvimento Econômico, José Anibal.
Ele lembra que a região tem uma forte tradição em pesquisa em torno da Universidade de São Paulo (USP) e da Universidade Federal de São Carlos (Ufscar) e garante que as escolas técnicas estaduais da rede Paula Souza, assim como a Faculdade de Tecnologia de Taquaritinga, deverão desenvolver cursos de Engenharia Aeronáutica, com especialização em Engenharia Espacial.
Aeronaves militares
A proximidade das universidades e dos institutos de pesquisa contou pontos na decisão da Embraer de se instalar na região. Mas também pesou o fato de Gavião Peixoto possibilitar a construção de uma pista de teste distante de áreas urbanas e das rotas aéreas com intenso tráfego de aviões comerciais, além de permitir um requerido sigilo, já que a nova fábrica vai produzir jatos militares como o AL-X, conhecido como Supertucano, e o AM-X, aeronaves de combate de alto desempenho cujos testes exigem ampla disponibilidade de espaço aéreo para manobras. Atualmente, os aviões militares produzidos pela empresa, em São José dos Campos, são testados na base de Moses Lake, no Estado de Washington, nos Estados Unidos.
A topografia plana de Gavião Peixoto permitirá a construção de uma pista de ensaio em vôo de 3 quilômetros de extensão com mais 2 quilômetros de faixa de segurança para manobras. “A região se situa além da Serra da Mantiqueira e as condições meteorológicas são adequadas para testes durante todo o ano”, ressalva Yokota. Em função das demandas do mercado, a Embraer também poderá fabricar em Gavião Peixoto aeronaves comerciais, das famílias de jato ERJ 145/135/140 e ERJ 170/190.
Além de condições meteorológicas e geográficas adequadas, a região em torno de Gavião Peixoto apresenta uma vantagem adicional para a Embraer: a nova fábrica estará instalada em área próxima a cidades com população entre 100 mil e 150 mil habitantes, onde a empresa poderá recrutar funcionários. De acordo com o vice-presidente, é regra da empresa contratar, no máximo, de 3% a 5% da população dos municípios da região onde a empresa está instalada “para que a relação entre empresa e a cidade não seja de dependência vital”.
Ampliação de contratos
A fábrica de Gavião Peixoto será a quarta unidade de produção da empresa no Estado de São Paulo. A Embraer tem duas plantas em São José dos Campos e uma em Botucatu. A decisão de ampliação decorre da expansão dos negócios da empresa no mercado internacional e das limitações dos parques industriais já existentes. A Embraer cresceu uma média de 50% ao ano, nos últimos cinco ano, e já ocupa o 4º lugar no ranking dos maiores fabricantes de aviões comerciais. No ano passado, o faturamento da empresa foi de US$ 1,8 bilhão ante os US$ 300 milhões registrados em 1995.
Crescem as vendas externas para empresas do porte da British Airways, Alitália e American Eagle. A empresa acaba de fechar um contrato de US$ 3 bilhões com a Continental Express e conta com a possibilidade de retomar contratos com o governo federal, que autorizou a Força Aérea Brasileira (FAB) a investir US$ 3,35 bilhões nos próximos oito anos para reaparelhar sua frota.
Uma das prioridades do programa de recuperação da FAB é a compra de 76 aviões AL-X, produzidos pela Embraer, novalor de US$ 420 milhões, que substituirãoos velhos Xavantes utilizados no Sistema de Vigilância da Amazônia (Sivam). A Embraer deverá ser responsável pela modernização de 53 jatos AM-X, cuja reforma está orçada em mais US$ 285 milhões, e de outros 47 jatos americanos F-5, que integram a frota da FAB. Tudo indica que, a partir de 2001, a fábrica de Gavião Peixoto estará funcionando a plena carga.
Gavião Peixoto reescreve sua história
Quando os jatos AL-X e AM-X cortarem os céus de Gavião Peixoto, talvez dona Neiva se convença de que as coisas mudaram na cidade de 36 ruas e 4.500 habitantes. Há 30 anos, desde a porta do pequeno bar que herdou do marido, ela observa o vaivém matinal dos ônibus carregados de bóias-frias que partem para o trabalho nas lavouras de cana-de-açúcar e nos laranjais da região. Ela passa o resto do dia atendendo a uma clientela formada basicamente por aposentados, mulheres e crianças ainda sem idade para o trabalho na lavoura, que compra menos que o estritamente necessário. Dona Neiva passa o ano esperando a primavera, quando começa a temporada de pesca do lambari no Rio Jacaré-Açu. Só então ela ganha um pouco de dinheiro vendendo minhocas. “Os pescadores são a salvação da lavoura: nunca pedem fiado e gastam bem”, justifica. Cética, dona Neiva afirma sem muita convicção: “Se a fábrica vier mesmo, acho que vou poder descansar”.
A fábrica de aviões da Embraer talvez não mude muito a vida de dona Neiva, nem a do paranaense Milton Apoloni ou a da alagoana Quitéria Costa, que integram o contingente de 1.600 trabalhadores rurais responsáveis pelo cultivo de 18 mil hectares ocupados pelas lavouras de cana e laranja, quase 75% da área total do município. Afinal, trata-se de uma mão-de-obra sem qualificação e portanto dispensável num empreendimento de alta tecnologia.
Mas há quem aposte na possibilidade de obter uma vaga entre as 3 mil anunciadas pela empresa. Sandra Fernandes conta que ela e o marido, sócio numa carreta utilizada no transporte de laranja, andaram pensando em ir embora da cidade. “Mas, quando ele ouviu falar na fábrica, decidiu ficar para ver se consegue um cargo de motorista.”
Especulação imobiliária
Por enquanto, o único efeito que a fábrica produziu na vida da cidade foi a especulação imobiliária. Comenta-se que um terreno que custava R$ 10 mil saltou para R$ 90 mil. O aposentado Vavi Sampaio confidencia que o prefeito estava precisando de uma casa boa para hospedar o pessoal da Embraer e ficou assustado. “O dono pediu R$ 15 mil de aluguel.”
O prefeito Alexandre Marucci Bastos faz as contas antes de fazer planos para superar as carências de um município cujo orçamento não passa de R$ 3 milhões. A renda mensal per capita oscila entre R$ 300 e R$ 400 nos seis meses da safra de cana e laranja. A cidade tem uma escola estadual, um posto de saúde com seis médicos, não tem ônibus direto para São Paulo, tampouco cinema, hotel ou pousada. Para o viajante, o abrigo mais próximo fica na cidade de Nova Europa, a 12 quilômetros de Gavião Peixoto. “Primeiro vamos esperar. Está tudo na mão do governo do estado. Quando estiver sacramentado, começaremos a pensar nisso”, afirma o prefeito, precavido.
Para Gavião Peixoto, a fábrica de aviões pode ser a grande oportunidade de superar acrônica dependência da atividade agrícola, agravada nos anos em que preços pagos ao produtor ficam deprimidos. Os indicadores do município mostram estar em curso um perigoso cruzamento de cenário. A laranja, que ocupa 40% da área cultivada, geralmente em pequenas propriedades, responde por 73,5% da receita municipal, enquanto a cana, que abrange 45% da área, responde por uma fatia bem menor, algo em torno de 18% da receita líquida. Em termos produtivos, o cenário é preocupante, já que o cultivo da cana depende de novos investimentos no solo e até na tecnificação da lavoura. Mas isso requer um capital que não existe e aponta para o risco do desemprego rural. “A cidade tem absorvido praticamente sozinha a mão-de-obra rural”, diz o prefeito Alexandre Bastos.
Vocações regionais
A perspectiva de instalação da nova fábrica da Embraer na região também mobiliza as cidades de São Carlos, Araraquara e Matão. Nesses municípios a substituição da base agrária pela atividade comercial e industrial já lavrou tentos irreversíveis, e eles agora se preparam para desempenhar papéis diferenciados nesse rearranjo regional. Acenam com vantagens estratégicas para atrair as empresas fornecedoras que a fábrica de aviões certamente atrairá. ”Houve uma adequação de vocações,” avalia José Galizia Tundisi, secretário de Ciência e Tecnologia e Desenvolvimento Econômico de São Carlos, município que tem um orçamento de R$ 110 milhões e uma imagem fortemente ligada às duas universidades locais: a Universidade de São Paulo (USP) e a Universidade Federal de São Carlos (UFSCar).
Na opinião de Tundisi, as universidades darão respaldo técnico às atividades da Embraer na região, seja por meio de cursos de nível superior, seja pela possibilidade real de treinamento e reciclagem de mão-de-obra. “Mesmo que a cidade não seja a sede da Embraer, creio que teremos um papel importante a desempenhar”, avalia Tundisi.
Estão em São Carlos, por exemplo, o Centro de Caracterização e Desenvolvimento de Materiais, administrado pela UFSCar e Universidade Estadual Paulista (Unesp), e o Núcleo de Manufatura Avançada (Numa), um pólo que une pesquisa básica e aplicada, mantido pelas universidades Estadual de Campinas (Unicamp), Metodista de Piracicaba (Unimep) e USP. “Haverá ainda um respeitável pacote orçamentário para investimento em pesquisa, fator diferenciador dessa iniciativa”, diz, referindo-se ao programa Parceria para Inovação em Ciência e Tecnologia Aeroespaciais (PICTA), da FAPESP.
Crescimento estratégico
Em Araraquara, os projetos da Embraer serviram aos planos de crescimento estratégico, implementado no município desde a década de 90. Uma série de levantamentos realizados ao longo dos últimos 20 anos pela Divisão de Socioeconomia da Secretaria de Planejamento e Meio Ambiente aponta para um crescimento vigoroso do parque industrial, hoje com mais de 600 empresas, e um orçamento municipal de R$ 97 milhões.
Mas na Divisão de Socioeconomia da Prefeitura prevalece a cautela diante da promessa de número de empregos, instalação de empresas fornecedoras da Embraer e da possibilidade de uso da sua rede hoteleira e de serviços. “Talvez não redunde em grande quantidade de empregos”, diz Maria Rita, chefe da divisão.
Parque tecnológico
Na cidade de Matão as contas estão sendo feitas com base na expansão da vocação industrial da cidade. “Temos o maior parque tecnológico da região”, diz o prefeito Adauto Scardorelli. Nos seus planos, além de procurar investimentos que possibilitem às indústrias locais a capacitação para atender à nova fábrica, outras medidas estão em estudo. Uma área de 6 alqueires está sendo liberada para a instalação dos novos fornecedores.
As culturas de café, cana e laranja e as indústrias processadoras de suco de laranja contribuem anualmente com cerca de R$ 25 milhões, mais da metade da receita total do município, de R$ 43,4 milhões. Outros setores reforçam o orçamento municipal, como a pecuária de corte, com um plantel de mais de 15 mil cabeças. “A Embraer representará um marco no desenvolvimento tecnológico da região”, prevê o prefeito.
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