As indústrias químicas brasileiras terão em breve uma nova fonte para obtenção de materiais de referência, usados na calibração e controle de seus equipamentos. A novidade vem de São José dos Campos, da empresa Quimlab, que está finalizando um laboratório de metrologia química adequado às normas internacionais. Instalada na Incubadora de Base Tecnológica Polovale II, dentro da Universidade do Vale do Paraíba (Univap), a empresa já produz algumas substâncias de uso industrial para medição das chamadas grandezas químicas. Essas grandezas, em geral, estão ligadas à quantidade de matéria em uma determinada substância, líquida ou sólida. Por exemplo, a porcentagem de chumbo ou ferro encontrada em uma liga metálica é uma grandeza química. Da mesma forma, o valor de pH de um alimento ou líquido indica se a substância é ácida, neutra ou básica.
A Quimlab elabora e vende soluções-padrão de pH fundamentais para empresas químicas que produzem matérias-primas utilizadas na indústria de alimentos, no tratamento de água de piscina e até na análise de urina. Se a indústria usa ou fabrica uma substância que deve ter acidez correspondente a pH 4 (a escala é de 0 a 14), o aparelho no qual rotineiramente são analisadas as amostras desse material é ajustado e calibrado por comparação com a solução-padrão de pH 4 produzida pela Quimlab. Como não há fabricantes de padrões de pH com certificação no Brasil, grande parte desse material é importada. A fabricação desses produtos beneficia as empresas usuárias que pagam preços menores que os importados.
Para desenvolver o projeto Laboratório de Metrologia Química , a Quimlab recebe financiamento da FAPESP, dentro do Programa de Inovação Tecnológica em Pequenas Empresas (PIPE), desde 1997. São R$ 71,7 mil e mais US$ 149,8 mil que a empresa deve receber até março de 2001. Embora com tempo para encerrar o projeto, o laboratório está praticamente pronto e com uma ampla lista de clientes.
Padrão convencional
O químico e proprietário da empresa, Nilton Pereira Alves, relaciona alguns clientes como Alcan Alumínio, Petrobras, Henkel, Texaco, Tintas Renner, Crylor e Leiner Davis Gelatin. São 30 empresas da região de São José dos Campos que compram padrões químicos da Quimlab e recebem consultoria no desenvolvimento de materiais específicos para cada uma delas. O gerente técnico da Crylor, Elson Garcia, compra da Quimlab os padrões mais convencionais, como os de pH e de condutividade, e contratou a empresa para ajudar no desenvolvimento de novos equipamentos.
Outra empresa, a Leiner Davis Gelatin, produtora de gelatina utilizada como ingrediente na indústria alimentícia, compra da Quimlab soluções-padrão para calibração de equipamentos que medem o pH de seus produtos. “A Leiner possui ISO 9001 e, quando passamos por auditorias para manutenção dessa certificação, um dos itens verificados pode ser o certificado da solução-padrão”, explica Eduardo Aparecido Stephano, assistente de pesquisa e desenvolvimento da empresa.
O próximo passo da Quimlab é ter o Laboratório de Metrologia Química reconhecido e credenciado pelo Instituto Nacional de Metrologia, Normalização e Qualidade Industrial (Inmetro). A empresa de certa forma sai na frente. “Estamos pedindo o credenciamento pela Rede Brasileira de Laboratórios de Ensaios do Inmetro – por meio da norma internacional ISO Guia 25 – porque a instituição ainda não tem normas específicas para nos certificar como produtores de materiais de referência”, diz Alves.
Conceito mundial
A Quimlab foi criada em 1997, depois que Alves desligou-se da Kodak Brasileira, onde trabalhou durante 11 anos no desenvolvimento de padrões. Mestre em Química Inorgânica, ele viu a oportunidade de não sair de sua área de atuação, ao abrir uma empresa própria com as facilidades de infra-estrutura oferecidas pela incubadora. Como estratégia técnica, a empresa garantiu a qualidade das soluções-padrão ao comparar as substâncias fabricadas por ela com os materiais de referência do National Institute of Standards and Technology (Nist), uma espécie de Inmetro dos Estados Unidos, que atua nessa área desde 1905 e hoje é o laboratório mais conceituado no mundo na área de metrologia química.
A outra área de atuação da Quimlab é a consultoria para desenvolver materiais de referência específicos, utilizados apenas por uma determinada indústria. É o caso, por exemplo, da produção de fibras sintéticas. As indústrias têm uma fórmula para esse produto que confere à fibra propriedades como maciez e capacidade de receber corantes. Para calibrar o equipamento que rotineiramente analisa as amostras e verifica os componentes da fórmula na proporção ideal, a indústria precisa de um material de referência. Nesse caso, pode ser um disco de fibra, produzido em escala de laboratório de acordo com a patente industrial. É uma fibra perfeita, que ajusta o aparelho na medida certa e serve de comparação para a produção do dia-a-dia.
A Crylor, por exemplo, fabrica 1200 t/mês de uma fibra sintética chamada de poliacrilonitrila, feita com matéria-prima derivada do petróleo. “Chamamos a Quimlab para calibrar os aparelhos que medem o teor de acetato de polivinila durante a produção dessa fibra , explica Garcia, da Crylor” Alves esclarece que existem inúmeros materiais de referência utilizados nas mais diversas indústrias químicas. Para delimitar um pouco o raio de atuação da Quimlab, a empresa dedica-se, basicamente, à fabricação de materiais de referência de íons (por exemplo, pH) e de padrões espectroquímicos. Esses últimos calibram os espectofotômetros, aparelhos que medem quantidades de elementos e compostos químicos nas mais diversas substâncias.
Conquista de mercado
A Quimlab tem sete funcionários, um com doutorado concluído, todos vinculados ao projeto Laboratório de Metrologia Química. Alves acredita que o faturamento atual, de cerca de R$ 18 mil por mês, possa atingir em dois anos cifras de cerca de R$ 300 mil reais mensais. “Estamos na fase de pesquisa e desenvolvimento e, terminado o projeto, teremos a fase de conquista do mercado, com aumento gradativo do faturamento”, ele explica.
No momento, a empresa também participa de uma parceria com a Universidade de São Paulo (USP) e a Univap, na construção da primeira célula de hidrogênio da América Latina para o desenvolvimento de materiais de referência de pH. O equipamento consiste de um sensor eletroquímico capaz de perceber e quantificar a variação na concentração do íon hidrogênio numa solução qualquer. A precisão da análise chega a milésimos de unidade de pH, algo como 0,001 pH.
O desenvolvimento dessa célula de hidrogênio segue as normas do Comitê Internacional de Química Pura e Aplicada (Iupac) e, de acordo com Alves, após sua conclusão, os materiais de referência de pH produzidos estarão no mesmo nível de confiabilidade dos materiais do Nist. Um futuro que ajudará a Quimlab a desenvolver novos materiais de referência.
PERFIL
Nilton Pereira Alves é químico formado pelas Faculdades Oswaldo Cruz, de São Paulo. Fez mestrado em Química Inorgânica no Instituto de Química da USP.
Projeto
Laboratório de Metrologia Química
Investimento
R$ 71.716,00 e US$ 149.878,00