Uma nova concepção de semáforo de trânsito, com design inovador, mais leve e compacto, que possui, no lugar das tradicionais lâmpadas incandescentes, diodos emissores de luz de alto brilho como fonte luminosa, os chamados LEDs, foi criada por pesquisadores do Centro de Pesquisa em Óptica e Fotônica de São Carlos (Cepof) da Universidade de São Paulo (USP). O novo equipamento tem um formato plano, com espessura menor que 2 centímetros e de fácil instalação. Outras vantagens estão no baixo consumo de energia, 15% inferior ao dos aparelhos tradicionais, e no fato de permanecer funcionando mesmo se houver falta de energia na região onde está o semáforo. Isso acontece porque ele opera acoplado a um jogo de baterias compactas que lhe confere autonomia de uma hora e meia em caso de blecaute.
“É uma tecnologia mais barata do que a convencional, econômica em termos de consumo energético e de baixo custo de manutenção”, afirma o professor do Instituto de Física da USP, em São Carlos, Vanderlei Salvador Bagnato, coordenador do Cepof. O semáforo usa quatro emissores LEDs e um desenho que aproveita toda a refração da luz. “Já registramos uma patente do equipamento completo e, até onde sabemos, nenhum outro grupo no Brasil ou no exterior está fabricando semáforos como o nosso”.
Batizado de blackout, em referência ao fato de não apagar quando falta energia, o aparelho utiliza quatro LEDs, da sigla em inglês de light emitting diode, de alto brilho em cada refletor (vermelho, amarelo e verde). Uma lente plástica com um desenho óptico especial distribui a luz e emite o efeito luminoso desejado. Segundo Bagnato, uma das maiores vantagens da nova tecnologia é a segurança que trará ao sistema viário das cidades. “Ela irá reduzir muito a probabilidade de acidentes e transtornos no trânsito provocados por pequenos apagões, principalmente nas grandes cidades, como São Paulo, onde o fluxo de veículos é intenso”, afirma. O produto está em fase final de acabamento e o grupo da USP já faz contatos com empresas que atuam no setor de sinalização de trânsito para negociar o repasse da tecnologia.
O semáforo blackout é apenas uma das aplicações da equipe comandada por Bagnato baseada na tecnologia de LEDs. O grupo, formado por 70 pesquisadores fixos e outros 50 colaboradores ou associados, vem pesquisando e desenvolvendo, nos últimos anos, uma série de outros equipamentos que empregam essa fonte luminosa, descoberta na década de 1960 (leia quadro ao fim da matéria). “O processo de produção de luz nos LEDs é muito mais eficiente que nas lâmpadas comuns e até 80% da energia elétrica empregada é convertida em energia luminosa. Isso representa uma inversão na eficiência de produção de luz, porque a taxa de conversão das lâmpadas incandescentes é de apenas 20%”, explica Bagnato. “Há muito tempo os LEDs deixaram de ser simplesmente aquelas pequenas luzinhas indicadoras dos painéis de aparelhos de som, normalmente vermelhas ou verdes, e outros equipamentos eletrônicos para ser uma fonte efetiva de iluminação”.
Substituição vantajosa
Outro aplicativo no setor de sinalização viária desenvolvido no Cepof de São Carlos, um dos 11 Centros de Pesquisa, Inovação e Difusão (Cepid) financiados pela FAPESP, é um sistema chamado retrofit, que usa seis ou sete LEDs e foi criado para substituir apenas as lâmpadas incandescentes utilizadas nos semáforos tradicionais. Ao contrário do semáforo blackout, em que os LEDs estão integrados às lentes refletoras, o retrofit tem formato parecido ao de uma lâmpada comum e conta com um soquete rosqueável, o que permite a fácil substituição das luzes convencionais. A tecnologia foi repassada para a empresa Meng Engenharia, de São Paulo, e está à venda desde novembro de 2005. “Já comercializamos cerca de 15 mil lâmpadas, que foram instaladas em semáforos de São Paulo e de Guarulhos”, diz Alberto Monteiro, dono da Meng. A empresa é especializada na fabricação de dispositivos para o setor de sinalização rodoviária, urbana e industrial.
“A utilização da lâmpada à base de LED em semáforos traz uma série de vantagens, porque ela é mais econômica, segura e eficaz, além de iluminar melhor. Sem falar que o retrofit tem uma grande vida útil, reduzindo o custo de manutenção dos semáforos em até 80% e a freqüência da troca de lâmpadas. Nos aparelhos convencionais as trocas ocorrem em cerca de quatro vezes ao ano, para verde e vermelho que ficam mais acesas, e duas vezes no amarelo. O custo delas varia de R$ 4 a R$ 8, totalizando cerca de R$ 60 anuais fora os gastos com manutenção e troca. Com o retrofit, basta uma visita anual apenas para inspeção porque cada um dura de três a cinco anos”, destaca Monteiro. Cada retrofit custa cerca de R$ 500, o que daria no total R$ 1.500,00, que, divididos por quatro anos (como média), dariam R$ 375 por ano. “Com a redução das visitas ao semáforo e do custo de manutenção, a instalação dos LEDs dá retorno em cerca de um ano e meio”, diz Monteiro.
A eficiência luminosa e a longa durabilidade, de mais de 50 mil horas – 50 vezes maior do que as lâmpadas convencionais -, são dois importantes diferenciais dos LEDs, que apresentam ainda uma vantagem comparativa: o baixo impacto ambiental de seu processo produtivo. As lâmpadas fluorescentes, sempre lembradas como uma alternativa mais econômica do que as incandescentes, utilizam mercúrio em sua composição, substância altamente tóxica. “Esses fatores têm levado a um crescimento explosivo nas pesquisas nos últimos cinco anos e várias empresas estão lançando mais e mais LEDs de alto brilho e produtos baseados neles com as mais variadas combinações”, ressalta o físico Henrique de Carvalho, integrante da equipe do Cepof.
Uma área fortemente beneficiada com o desenvolvimento da tecnologia LED é a iluminação residencial e urbana. Luminárias para vias públicas feitas com diodos emissores de luz e projetadas no Cepof já se encontram em testes em São Paulo. Em Nova York, um exemplo pode ser visto na gigantesca tela do Nasdaq Marketsite Tower, na Times Square, a praça central da cidade, que utiliza 18,6 milhões de LEDs para decoração da fachada do prédio e indicação da cotação das ações negociadas na bolsa de tecnologia norte-americana. Segundo os pesquisadores da USP de São Carlos, no âmbito residencial, é possível substituir toda a iluminação por LEDs, tanto da área interna quanto externa, sem perder intensidade, melhorando a qualidade da iluminação e reduzindo o consumo energético.
Luzes de emergência, dessas que são ativadas quando falta energia, também são uma aplicação promissora para os LEDs. Em parceria com o Cepof, a empresa Direct Light, de São Carlos, formada por ex-pesquisadores do centro, desenvolveu dois modelos de luzes auxiliares de emergência com a tecnologia LED. “O primeiro lote, de 25 unidades, foi comprado pelo próprio Cepof, que o instalou em seus laboratórios. O segundo, com cem lâmpadas, deverá ser colocado à venda em setembro”, diz o engenheiro elétrico Alexandre Oliveira, um dos sete sócios da Direct Light, fundada há apenas um ano.
A lâmpada usa somente um LED de 3 watts de potência e tem autonomia de uma hora com 70% de intensidade luminosa. “Além de serem mais compactas, nossas lâmpadas utilizam uma bateria recarregável de níquel-metal-hidreto, que dura pelo menos duas vezes mais do que as baterias seladas à base de chumbo ácido usadas nas luzes de emergência encontradas no mercado”, explica Oliveira. O produto custa cerca de R$ 90, preço equivalente ao de uma luz de emergência de qualidade dos concorrentes. O preço ainda é alto mas a tendência é cair com uma produção maior.
Consultório do dentista
A tecnologia LED também tem sido empregada no desenvolvimento de vários produtos destinados à área médico-odontológica como, por exemplo, iluminadores bucais para consultórios dentários. Um segmento que também está no foco do Cepof. Segundo Bagnato, o dispositivo, criado por sua equipe em parceria com a empresa Gnatus, fabricante de equipamentos médico-odontológicos com sede em São Carlos, permite aos dentistas enxergar as cores de dentes e gengivas com mais nitidez e definição. Isso porque as lâmpadas halógenas normalmente utilizadas nos refletores odontológicos têm uma tonalidade mais amarelada, dificultando a perfeita visualização.
O engenheiro mecânico Carlos Banhos, gerente de engenharia da Gnatus, aponta outros diferenciais do aparelho, que está sendo lançado no país neste mês de setembro. “Como a luz emitida pelo LED é fria, ela não emite calor e evita desconforto para o paciente. Além disso, o novo refletor permitirá uma redução do consumo de energia de 90% comparado aos dispositivos tradicionais”, informa. A Gnatus aposta alto no equipamento, que será apresentado, durante o segundo semestre deste ano, em diversos congressos odontológicos internacionais em países como México, Estados Unidos, Itália e Rússia. “Temos a expectativa de vender o produto, batizado de Refletor Gnatus LED, para clientes no exterior. Nossos produtos já são exportados para 140 países”, diz Banhos. O aparelho é cerca de 10% a 20% mais caro do que dispositivos convencionais que usam lâmpadas halógenas.
Outro equipamento nascido nos laboratórios do Cepof e que já ganhou o mercado é o PDT LED, um aparelho que emprega a tecnologia de diodos emissores de luz para a técnica de terapia fotodinâmica, o PDT, na sigla em inglês, em pacientes com câncer de pele, recorrência cutânea de câncer de mama e outras lesões superficiais (leia em Pesquisa FAPESP nº 74).
Fabricado pela MM Optics, outra empresa gerada (spin-off) no Cepof, o PDT LED é uma alternativa aos dispositivos que usam laser para o mesmo tipo de tratamento. “Com a diferença de ser quatro vezes mais barato. Enquanto um aparelho a laser custa cerca de US$ 40 mil, o nosso sai por R$ 20 mil”, diz o engenheiro mecânico Fernando Ribeiro, um dos sócios da empresa. Desde que foi colocado à venda no primeiro semestre do ano passado, a MM Optics já vendeu 20 aparelhos para terapia fotodinâmica.
O equipamento tem um conjunto de 21 LEDs com potência total de 3 watts num comprimento de onda de 630 nanômetros. A luz emitida reage com as drogas sensibilizadoras, aplicadas no paciente, que ficam concentradas nas células tumorais. A reação causa a morte do tumor. “A robustez do aparelho resulta em baixa necessidade de manutenção, tornando-se mais um diferencial do nosso produto. Sem dizer que o LED, por emitir uma luz menos concentrada, consegue tratar uma área maior da pele do paciente, ao passo que o laser tem um alcance mais pontual”, explica Ribeiro. “Esse é o primeiro e único dispositivo com tecnologia LED feito no país destinado à terapia fotodinâmica”.
O sucesso do equipamento fez com que Bagnato e sua equipe desenvolvessem uma nova versão do dispositivo. Trata-se de um kit com três dispositivos para tratar não apenas pacientes portadores de câncer de pele, mas também de psoríase, uma doença que causa descamamento da pele, de papilomavírus humano (HPV) genital ou anal, que são verrugas visíveis ou microscópicas, e câncer de boca. Esse projeto conta com a parceria da Faculdade de Medicina da USP em Ribeirão Preto, do Instituto do Coração (InCor), em São Paulo, do Hospital Amaral Carvalho, em Jaú, do laboratório farmacêutico ESM-Sigma-Pharma, de Hortolândia, entre outros.
“A novidade do projeto é oferecer um kit que trate várias enfermidades ao mesmo tempo. Estamos perto do desenho final, comercializável, dos dispositivos. Os pesquisadores do Cepof estão tão entusiasmados com o kit que já fizeram um pedido de financiamento ao Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) para concluir o projeto de criação de cem centros de tratamento em todo o Brasil utilizando o kit”, afirma Bagnato. De acordo com o pesquisador, três empresas, entre elas MM Optics e Direct Light, já estudam a produção do kit.
Microscópio colorido
Para a área científica, os pesquisadores do Cepof criaram dois aparelhos inovadores à base de LEDs. Um deles é uma mesa iluminada para estudos de fotobiologia, chamada de biotable. Seu funcionamento é simples: o cientista coloca microorganismos sobre uma placa de plástico transparente posicionada em cima da mesa e verifica como eles reagem à aplicação de luzes de diferentes cores instaladas dentro da mesa. O aparelho, ainda um protótipo, está sendo testado por várias instituições de ensino, como as faculdades de Odontologia da Universidade Estadual Paulista (Unesp), campus de Araraquara, da USP de Ribeirão Preto e de Bauru, e o curso de Bioquímica da USP de São Carlos.
O outro aparelho é um microscópio óptico iluminado com LEDs. “É uma tecnologia própria, que usa três LEDs: azul, vermelho e verde. Ao combinar a intensidade de luz, o pesquisador consegue realçar algumas estruturas morfológicas do microorganismo que está sendo estudado. Isso seria impossível fazer num microscópio óptico tradicional”, explica o coordenador do Cepof. A tecnologia, conhecida como microscopia por contraste cromático, ainda está em fase de testes e já tem uma patente registrada.
“Todos os desenvolvimentos feitos pelo nosso grupo revelam o enorme potencial aplicativo dos diodos emissores de luz. Das cerca de 40 patentes originadas dentro do Cepof, pelo menos 15 já se transformaram em produtos finais e, dessas, metade são dispositivos à base de LEDs”, afirma Bagnato. “Depois da invenção da lâmpada elétrica e do laser, acreditamos que o LED representa a terceira revolução no campo da óptica”.
O primeiro diodo emissor de luz ou LED (sigla em inglês de light emitting diode) foi criado pelo cientista norte-americano Nick Holonyak Jr., em 1962, quando ele trabalhava em um laboratório da General Electric em Syracuse, no estado de Nova York. O interesse no uso desses novos dispositivos para fins de iluminação, entretanto, surgiu apenas na década de 1990, quando um grupo de pesquisadores da Hewlett Packard, também nos Estados Unidos, desenvolveu o primeiro LED de alto brilho. “Logo em seguida, pesquisadores da empresa japonesa Nichia chegaram ao primeiro LED azul de alto brilho que abriu caminho para os LEDs de luz branca”, diz o físico Henrique de Carvalho, do Cepof de São Carlos. “Hoje os LEDs varrem todo o espectro eletromagnético, do ultravioleta ao infravermelho”.
O LED é um emissor de luz com um princípio diferente do das lâmpadas incandescentes ou fluorescentes. “É um dispositivo semicondutor que, com a passagem de corrente elétrica, emite luz visível por meio de um processo conhecido como eletroluminescência, com cerca de 80% da potência aplicada nele, dependendo do comprimento de onda do emissor”, diz Carvalho. Um dos diferenciais do LED é que, ao contrário das lâmpadas comuns, ele pode produzir luz que muda de cor, intensidade e distribuição. Além dos LEDs, pesquisadores em institutos de pesquisa e em empresas estão aprimorando os diodos emissores de luz à base de substâncias orgânicas, como polímeros compostos com moléculas de carbono em vez de semicondutores inorgânicos feitos de silício e gálio. Batizados de diodos orgânicos emissores de luz (OLEDs), podem ser produzidos com materiais maleáveis e transparentes. Já são usados em celulares e tocadores de MP3 e os primeiros protótipos de telas para TV estão em fase de testes.
O Projeto
Programa de inovação tecnológica do Centro de Pesquisa em Óptica e Fotônica de São Carlos (Cepof); Modalidade Centros de Pesquisa, Inovação e Difusão (Cepid); Coordenador Vanderlei Salvador Bagnato – USP; Investimento R$ 200.000,00 por ano (FAPESP)