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Energia

Querosene vegetal

Na Unicamp pesquisadores desenvolvem biocombustível de alta pureza para aviões

A aviação mundial é responsável por 2% do total de emissões de dióxido de carbono (CO2) produzidas pelo homem, de acordo com a Associação Internacional de Transporte Aéreo (Iata, na sigla em inglês), que reúne 230 companhias aéreas no mundo. Segundo a entidade, 10% do combustível usado em 2017 deverá ser alternativo e contribuir para a redução das emissões. A União Europeia também vai iniciar, em 2010, o monitoramento dos aviões que operam no continente com o intuito de reduzir o problema. Assim, a busca por combustíveis de aviação mais apropriados já começou. Entre as alternativas que podem se tornar realidade nos aeroportos está um biocombustível desenvolvido na Faculdade de Engenharia Química (FEQ), da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Para o professor Rubens Maciel Filho, coordenador do projeto, a nova opção para abastecer aviões deverá ser por volta de 30% mais barata na fabricação e muito menos poluente que o querosene de aviação (QAV) tradicional. A equipe de pesquisadores depositou a patente no Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI) referente ao processo de produção e de purificação de um bioquerosene feito a partir de óleos vegetais que os pesquisadores preferem não revelar a origem. O novo combustível não emite poluentes como enxofre, compostos nitrogenados, hidrocarbonetos ou materiais particulados, como é comum nos combustíveis que têm origem no petróleo, e contribui com o balanço de emissão de dióxido de carbono (CO2), gás que estimula o aquecimento global, por ser um produto de origem renovável. “Trata-se de um bioquerosene de alta pureza, acima de 99,9%”, diz Maciel, que também é um dos coordenadores do Programa de Pesquisa em Bioenergia (Bioen) da FAPESP.

Os próximos passos que os pesquisadores precisam para avançar na consolidação do produto são a realização de testes em motores de avião e a produção em escala semi-industrial. Para isso, a Agência de Inovação da Unicamp (Inova), codetentora da patente, está interessada em negociar com empresas a cessão do direito de explorar comercialmente a nova tecnologia. O mercado é enorme. Segundo a Iata, o movimento em 2007, último dado disponível, foi de US$ 136 bilhões, correspondendo a 28% dos custos operacionais das companhias aéreas.

O processo de produção do biocombustível a partir de óleos vegetais é conhecido e semelhante ao do biodiesel, só que mais trabalhoso. Nos dois casos é promovida uma reação química chamada transesterificação, na qual o óleo vegetal, obtido do esmagamento do fruto de plantas oleaginosas e após o refino, reage com um álcool e um catalisador (substância que promove a reação química) e dá origem ao combustível. O processo desenvolvido para a produção do bioquerosene utiliza etanol de cana-de-açúcar como reagente, outra  matéria-prima renovável. “Para o caso do bioquerosene, a etapa de engenharia da separação é muito mais elaborada para atender às características e especificações dos combustíveis de aviação que são muito rígidas”, explica Maciel, que contou nos estudos e na patente com participação dos pesquisadores Maria Regina Wolf Maciel, Cesar Benedito Batistella e Nívea de Lima da Silva, todos da Unicamp. “O bioquerosene deve ser muitíssimo puro, livre de vários compostos e impurezas que podem comprometer a qualidade do sistema de combustão a jato, além de ter viscosidade, densidade e poder calorífico muito específicos, o que não é requerido do biodiesel.”

A transesterificação ocorre dentro de um reator onde os triglicerídios do óleo vegetal reagem com o etanol formando o éster – grupo químico em que se enquadra o bioquerosene –, além de glicerina, água, moléculas de ácidos graxos e glicerídios, e o que restou do etanol não reagido. Um dos avanços nessa fase da tecnologia desenvolvida pela equipe da Unicamp está na área da engenharia das reações, que envolve o balanço preciso das diversas variáveis envolvidas nas reações químicas resultantes no bioquerosene. A fase de separação foi decisiva no desenvolvimento do processo realizado pela equipe da Unicamp, com o isolamento do bioquerosene, do catalisador, da água, da glicerina e das impurezas presentes no meio reacional. É aí que está a inovação do processo desenvolvido pela equipe de Maciel Filho. Ele diz que o isolamento é feito em um processo intensificado de separação desenvolvido por eles, em condições de temperatura e pressão que possibilitam a obtenção do bioquerosene de forma economicamente viável e com as características de querosene de aviação estabelecidas pela Agência Nacional do Petróleo (ANP). Esse último ponto foi confirmado por análises realizadas na Unicamp e no Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT).

Com mistura
“Os resultados das análises foram comparados com a tabela de especificação do querosene de aviação da ANP”, explica Maciel. Ficou demonstrado que o bioquerosene desenvolvido na Unicamp possui características semelhantes às do combustível tradicional porque possui ponto de congelamento muito menor que outros produtos reportados na literatura. O bioquerosene sem qualquer aditivo pode ser usado também em misturas com querosene extraído do petróleo, reduzindo significativamente a emissão de enxofre, compostos nitrogenados e particulados e contribuindo com o balanço de CO2. Embora exista uma série de pesquisas e diversos biocombustíveis sendo testados em várias partes do mundo, Maciel Filho ressalta a importância do grau de pureza obtido para o bioquerosene que sua equipe desenvolveu. “Apesar de ser comentada a existência de experimentos e realizações de testes fazendo uso de bioquerosene, não identificamos trabalhos nem patentes sobre o assunto na literatura técnica que permitisse a obtenção de bioquerosene de alta pureza”, assegura.

Pode não haver um produto exatamente igual, mas já existem companhias aéreas que fizeram experimentos com aviões voando movidos a biocombustíveis. É o caso da americana Continental Airlines, a quinta maior empresa do setor do mundo, que anunciou recentemente a realização do primeiro voo de demonstração, com o uso de biocombustível, realizado no dia 7 de janeiro deste ano em Houston, no estado do Texas, nos Estados Unidos. A experiência foi feita com um Boeing 737-800, que teve um de seus motores abastecido com combustível tradicional e outro com uma mistura de querosene e biocombustível, feito a partir de algas e pinhão-manso (Jatropha curcas). O voo durou 90 minutos, durante os quais o avião, que não sofreu nenhuma modificação para o teste, realizou várias manobras bem-sucedidas, tais como reinicialização de motor, acelerações e desacelerações. Segundo a companhia, a mistura do biocombustível obteve melhor desempenho que o combustível tradicional, com uma eficiência de 1,1% superior, em diferentes estágios do voo. Além disso, o índice de gases causadores do efeito estufa emitidos na viagem demonstrativa com o biocombustível teve uma redução estimada entre 60% e 80%, comparado ao combustível tradicional. “O bioquerosene, a exemplo de outros biocombustíveis obtidos de fontes renováveis, é ambientalmente sustentável, contribui com a valoração da nossa agroindústria, agrega valor a produtos nacionais, além de reduzir o consumo de petróleo, viabilizando o deslocamento do uso desse importante produto fóssil para a fabricação de bens mais nobres do que combustíveis, na área química, em plásticos e fertilizantes”, diz Maciel.

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