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CAPA

A expansão do conhecimento

Os novos Centros de Pesquisa, Inovação e Difusão da FAPESP projetam mais impacto e ousadia para a ciência do país

Espectrômetro de massas no Instituto Butantan

Léo RamosEspectrômetro de massas no Instituto ButantanLéo Ramos

Num dos maiores investimentos em um programa de pesquisa já feitos no país, a FAPESP anunciou os 17 novos Centros de Pesquisa, Inovação e Difusão (Cepids), que vão reunir 535 cientistas do estado de São Paulo e 69 de outros países em torno de áreas na fronteira do conhecimento. O investimento ao longo de 11 anos é de US$ 680 milhões, dos quais US$ 370 milhões da FAPESP e US$ 310 milhões em salários pagos pelas instituições-sede a pesquisadores e técnicos. “O financiamento de grande porte e de longo prazo permite ousar nos objetivos de pesquisa, garante a consolidação da equipe e, ao mesmo tempo, confere maior escala à pesquisa científica e tecnológica no estado”, afirma Carlos Henrique de Brito Cruz, diretor científico da FAPESP.

O processo de seleção durou 20 meses, da apresentação dos 90 pré-projetos à escolha dos 17 centros. Mobilizou 250 revisores brasileiros e estrangeiros e um comitê internacional formado por 11 cientistas convidados, além dos comitês internos da FAPESP. As propostas apresentadas foram avaliadas pelo mérito científico, ousadia, originalidade, competitividade internacional e pela qualificação das equipes e suas lideranças. Cada um dos Cepids contará com um comitê consultivo internacional. Eles terão sua continuidade avaliada pela FAPESP no 2º, 4º e 7º anos.

De outubro de 2000 a dezembro de 2012, a FAPESP havia financiado um primeiro conjunto de 11 Cepids, com investimento global de R$ 260 milhões “A Fundação vai encomendar uma avaliação desse período, mas é possível afirmar que a contribuição gerada por vários desses centros foi notável”, diz Hernan Chaimovich, coordenador do programa dos Cepids. “Alguns líderes ganharam grande reconhecimento internacional, caso, por exemplo, do professor Marco Antonio Zago com a pesquisa de terapia celular em diabetes ou do físico Vanderlei Bagnato, recentemente selecionado para as National Academy of Sciences.” Oito centros representam continuidade em relação a iniciativas contempladas no primeiro edital. Alguns preservam o nome e o propósito, caso, por exemplo, do Centro de Estudos da Metrópole, do Centro para o Estudo da Violência ou do Centro de Terapia Celular. Outros atualizaram sua missão, mantendo os líderes. Nove centros são novos e abordam temas como alimentos, obesidade, doenças inflamatórias, neurociência, biomedicina, matemática aplicada, ciência da computação e vidros.

Para os centros que haviam sido selecionados no primeiro edital, a possibilidade de continuar no programa por mais 11 anos traz vantagens e desafios. “Se em 2000 tínhamos uma ideia difusa do que poderiam ser esses centros, hoje conhecemos seu potencial o bastante para ter ambições mais audaciosas e especulativas – e me refiro a todos os centros aprovados, não só ao que lidero”, diz Marco Antonio Zago, professor da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto e coordenador do Centro de Terapia Celular (CTC). “Um resultado importante do primeiro Cepid foi sua capacidade de alinhar o trabalho de uma série de pesquisadores que faziam pesquisa de alto nível de forma independente.” O centro agora terá abordagem mais aplicada. “Nosso Cepid foi bem-sucedido em fazer testes clínicos com uma terapia para o diabetes, mas agora buscamos aperfeiçoar essa forma de tratamento também para leucemia, por meio do uso de células-tronco”, diz Zago, que é pró-reitor de Pesquisa da USP. A equipe do centro está rejuvenescida. “Atraímos pesquisadores formados num ambiente em que a terapia celular é uma realidade”, afirma. Um dos objetivos é gerar linhagens brasileiras de células-tronco para uso em estudos pré-clínicos, com foco em doenças como disceratose congênita (que causa envelhecimento prematuro), hemofilia A e mal de Parkinson.

Laboratório de pré-formulação no Instituto Butantan

Léo RamosLaboratório de pré-formulação no Instituto ButantanLéo Ramos

“Se na primeira vez demoramos algum tempo para deslanchar, agora vamos começar em alta velocidade”, concorda Vanderlei Bagnato, professor do Instituto de Física de São Carlos, da USP, e coordenador do Centro de Pesquisa em Óptica e Fotônica (CePOF). “Temos o desafio de levantar problemas originais e assumirmos liderança internacional”, diz. O grupo de Bagnato é reconhecido por contribuições, por exemplo, na área de turbulência quântica, um fenômeno demonstrado pela primeira vez pelo grupo de São Carlos em 2009 (ver Pesquisa FAPESP nº 177). Essa linha de pesquisa se relaciona ao chamado Condensado de Bose-Einstein, nome dado a um agrupamento de átomos (ou moléculas) que, quando resfriados de forma intensa, passam a se comportar como uma entidade única. O centro vai trabalhar na pesquisa em três frentes: átomos frios (como os do Condensado de Bose-Einstein), plasmônica (área que pode resultar, no campo aplicado, em processadores ópticos de computadores) e biofotônica (que emprega a luz como ferramenta de pesquisa em ciências da vida). Uma das ênfases da nova fase do CePOF é a inovação. “O objetivo não é apenas obter patentes, mas gerar projetos com empresas”, afirma Bagnato, cujo centro colaborou com o lançamento de 25 produtos.

Inspirados nos Science and Technology Centers, um programa criado em 1987 pela National Science Foundation (NSF) dos Estados Unidos, os Cepids incentivam equipes temáticas multidisciplinares com características bem definidas. “O que se busca é pesquisa de classe internacional e de caráter multidisciplinar, na fronteira do conhecimento, que determine novos rumos para a pesquisa e não apenas acompanhe o estado da arte”, diz Hernan Chaimovich. Os centros  também devem produzir inovação e transferir conhecimento para o setor produtivo ou dar lastro à criação de políticas públicas. “Há um terceiro componente importante, que é a formação de capacidades. Os centros precisam ter um braço de ensino, de difusão do conhecimento produzido”, afirma o coordenador, referindo-se à oferta de cursos para estudantes e ao desenvolvimento de recursos pedagógicos.

Fronteira do conhecimento
A atualização dos rumos de alguns Cepids, que tecnicamente tornaram-se outros centros, explica-se pelo surgimento de novos temas na fronteira do conhecimento. Um centro voltado para a pesquisa de doenças genéticas, por exemplo, incorporou o estudo de células-tronco a seu nome e a seu escopo. “Isso aconteceu já no curso do primeiro Cepid, em 2005, quando introduzimos o estudo de células-tronco como ferramenta para entender a expressão gênica e a diferenciação nas doenças genéticas e avaliar o seu potencial terapêutico”, diz Mayana Zatz, professora do Instituto de Biociências da USP e coordenadora do Centro de Pesquisa sobre o Genoma Humano e Células-Tronco. “Essa é uma das vantagens de um Cepid. Permite atualizar o rumo, mantendo-se sempre na fronteira”, afirma. Outra novidade é a inclusão do estudo do envelhecimento, de doenças degenerativas e de fatores que podem contribuir para esses processos. O centro desenvolve um projeto por meio do qual irá comparar a variação do genoma e o funcionamento do cérebro de indivíduos brasileiros saudáveis com mais de 80 anos e de um grupo de pessoas com mais de 60 anos, acompanhados há mais de 10 anos.

Laboratório do Centro de Estudos sobre o Genoma Humano e Células- -Tronco, na USP

Léo RamosLaboratório do Centro de Estudos sobre o Genoma Humano e Células-Tronco, na USPLéo Ramos

O Centro de Inovação em Biodiversidade e Fármacos originou-se do Centro de Biotecnologia Molecular Estrutural, com propósitos mais aplicados. Enquanto o Cepid aprovado em 2000 estudou a estrutura e a função de moléculas de interesse biotecnológico, o atual busca desenvolver fármacos com base em compostos encontrados na biodiversidade brasileira e também substâncias sintéticas. Coordenado por Glaucius Oliva, do Instituto de Física de São Carlos da USP e atual presidente do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico, o centro associou-se ao Núcleo de Bioensaios, Biossíntese e Ecofisiologia de Produtos Naturais (NuBBE) da Universidade Estadual Paulista (Unesp), em Araraquara, liderado pela pesquisadora Vanderlan Bolzani e ao grupo de Síntese Química da Unicamp. O NuBBE reuniu um acervo de compostos isolados de plantas, fungos ou microrganismos, entre outros (ver Pesquisa FAPESP nº 200). “Aprendemos muito fazendo pesquisa de alta qualidade em biologia estrutural, e chegou a hora de usar esse conhecimento para desenvolver novos fármacos”, diz Oliva. O centro reúne pesquisadores da Federal de São Carlos e da Faculdade de Ciências Farmacêuticas de Ribeirão Preto, da USP.

Violência e Metrópole
No caso do Centro de Estudos da Metrópole (CEM), a nova fase dará mais foco ao papel do Estado e das políticas públicas na redução das desigualdades. “Sabemos que há uma redução consistente da desigualdade de renda no Brasil. Mas o bem-estar dos indivíduos não depende apenas da renda, mas também e criticamente do acesso a serviços”, diz Marta Arretche, professora da USP e coordenadora do centro, sediado no Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap). “Nosso objetivo é examinar de modo sistemático o que vem acontecendo em relação à desigualdade de acessos de serviços públicos, como água, esgoto, emprego, educação, saúde, e em que medida políticas públicas afetam o bem-estar das pessoas”, afirma. Outro interesse central é o funcionamento das instituições que estão fora do alcance do Estado nas periferias, notadamente a segurança e o mercado imobiliário – grande parte das famílias tem acesso à residência de modo irregular. “O Brasil é famoso por ter áreas em que o governo não governa, o que torna relevante estudar a ação do crime organizado e do setor imobiliário nas periferias urbanas. Por outro lado, há outra dimensão que nos interessa, que é o florescimento de formas de associativismo, de vida civil e de expressões culturais nas periferias”, afirma. A nova etapa do CEM buscará aprofundar a internacionalização da agenda de pesquisas. “Haverá um esforço de promover coautorias com autores estrangeiros e aumentar as conexões com pesquisadores de vanguarda”, diz Marta. Uma das vocações que o CEM desenvolveu a partir dos anos 2000 foi a produção de dados georreferenciados (ver Pesquisa FAPESP nº 193). A intenção agora é oferecer um curso remoto em georreferenciamento voltado para formuladores de políticas e pesquisadores.

O Centro para o Estudo da Violência vai dedicar-se a um grande estudo na cidade de São Paulo que busca avançar em relação às questões levantadas no projeto anterior, quando foram mapeados os cenários da violência no país e investigadas questões como as causas da persistência da violência e as características da cultura política que apoia os direitos humanos. “Percebemos que há uma grande dificuldade dos cidadãos em acreditar no poder das leis e das instituições na promoção da justiça social e na redução de conflitos que tendem a ser resolvidos com violência”, diz Sérgio Adorno, professor da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP, pesquisador principal do centro. “Queremos entender como se dá a relação e os vínculos dos indivíduos com respeito à obediência às leis, ao respeito às autoridades, ao reconhecimento das instituições incumbidas de aplicar lei e preservar direitos”, diz.

Desigualdade no acesso a serviços públicos nas cidades será investigada pelo Centro de Estudos da Metrópole

Desigualdade no acesso a serviços públicos nas cidades será investigada pelo Centro de Estudos da Metrópole

O ponto de partida, diz Adorno, é a observação de que é conflitiva a relação dos cidadãos em seus bairros com os serviços públicos encarregados de garantir direitos, como escolas, delegacias, postos de saúde. Nesse sentido, a pesquisa trata dos fundamentos de legitimidade da ordem democrática. Um grupo populacional será acompanhado ao longo do tempo e em sucessivos momentos. “Pretendemos observar as mudanças na relação entre governantes e governados, cidadãos e serviços públicos, e entender as possibilidades de consolidar políticas de respeito às leis e às instituições”, diz Sérgio Adorno. Será necessário, diz o professor, desenvolver uma metodologia para observar a cidade. “A violência não está distribuída homogeneamente. Para fazer uma pesquisa longitudinal, é preciso ter uma representação dessa diversidade territorial e social”, afirma. O estudo está integrado a uma rede internacional. Pesquisadores de países como Colômbia, México, Estados Unidos, África do Sul e Índia produzirão estudos nos mesmos moldes, alguns, porém, selecionando alguns recortes, mas produzindo resultados comparáveis aos obtidos no Brasil.

Saúde
Para os pesquisadores participantes do programa, é notável o impacto na capacidade de produzir ciência de qualidade – e não apenas em virtude do volume de recursos. “Com a garantia de recursos por um longo prazo, pode-se trabalhar com tranquilidade, sem gastar tempo tentando levantar novos recursos”, diz Fernando Cendes, professor da Faculdade de Ciências Médicas da Unicamp, coordenador do Instituto Brasileiro de Neurociências e Neurotecnologia (Brainn, na sigla em inglês). “A colaboração flui com todos os pesquisadores sabendo que é possível realizar um projeto ousado. Pode demorar quatro anos para levantar dados para só depois fazer análises complexas”, afirma. Forma-se, então, um círculo virtuoso. “O grupo garante um patamar de prestígio que permite atrair os melhores alunos, mais investimentos e boa infraestrutura.”

O Cepid liderado por Fernando Cendes é fruto de outro investimento da FAPESP, o programa CInAPCe (sigla para Cooperação Interinstitucional de Apoio à Pesquisa sobre o Cérebro), rede que reuniu, entre 2007 e 2012, 30 grupos de pesquisa para estudar os mecanismos da epilepsia na população brasileira (ver Pesquisa FAPESP nº 124). O novo centro terá como foco a pesquisa e o desenvolvimento tecnológico relacionado a epilepsia, doença que afeta 3 milhões de brasileiros, e acidente vascular cerebral (AVC), responsável por uma em cada nove mortes no país. A articulação envolve pesquisadores de saúde e biologia, profissionais de computação gráfica, engenheiros, físicos e físicos médicos. O objetivo é interferir na evolução da epilepsia e melhorar a reabilitação das vítimas de AVC, desenvolvendo novos métodos diagnósticos e de intervenção, incluindo produtos como eletrodos com microcircuitos, interfaces robóticas e sistemas de alerta acoplados a celulares.

A exemplo do Brainn, a compreensão de doenças que atingem grande parte das pessoas e a busca de novas terapias contra elas são um denominador comum de vários Cepids. No caso do Centro de Pesquisa em Obesidade e Comorbidades, uma colaboração entre nove pesquisadores da Unicamp e quatro da USP, e nove de outros países, busca-se avançar na caracterização dos mecanismos em nível celular e molecular que contribuem com o desenvolvimento da obesidade. “Só conhecendo a origem do problema do ponto de vista molecular é que vamos encontrar soluções terapêuticas”, afirma Licio Velloso, professor da Faculdade de Ciências Médicas da Unicamp e pesquisador principal do centro. A prevalência da obesidade, que girava em torno de 5% da população mundial nos anos 1970, caminha para ultrapassar os 25% da população nesta década. Uma série de doenças associadas, como hipertensão, diabetes, AVC e infarto, está crescendo e matando cada vez mais gente, afora o impacto nos custos do tratamento de saúde. “Não existe tratamento eficiente contra a obesidade”, diz Velloso. Cada pesquisador do centro trabalhará numa doença ou tópico de pesquisa específico. “Unindo esforços, queremos avançar no conhecimento e na terapêutica. Temos um pesquisador da área de química que trabalhará no desenvolvimento de fármacos a partir de alvos potenciais que encontrarmos”, afirma.

Desenvolvimento de vitrocerâmica na UFSCar, sede de novo centro sobre materiais vítreos

Léo RamosDesenvolvimento de vitrocerâmica
na UFSCar, sede de novo centro sobre materiais vítreosLéo Ramos

O Centro de Pesquisa em Toxinas, Resposta Imune e Sinalização Celular vai dedicar-se a estudos sobre os mecanismos bioquímicos, moleculares e celulares de toxinas com potenciais terapêuticos. Sediado no Instituto Butantan, originou-se do Centro de Toxinologia Aplicada, que funcionou entre 2000 e 2012. “Na primeira etapa do centro, o objetivo foi descobrir novas toxinas em venenos e secreções em diversos animais, como cobras, aranhas e carrapatos, fazendo seu isolamento e caracterização química e promovendo a síntese de peptídeos e ensaios biológicos para verificar a atividade de toxinas”, observa Hugo Armelin, professor do Instituto de Química da USP, pesquisador do Instituto Butantan e coordenador do centro. “Agora o objetivo é trabalhar com mecanismos de ação molecular de toxinas selecionadas”, explica. Dez pesquisadores do Butantan de áreas como imunologia, bioquímica, biologia celular, biologia sistêmica e ciência da computação, vinculados a vários laboratórios da instituição, atuarão em frentes como estudo de estrutura de proteínas, sequenciamento de DNA e produção de proteínas em bactérias, entre outros. O Laboratório de Dor e Sinalização trabalhará no desenvolvimento de analgésicos e ensaios biológicos com roedores. Estudos com zebrafish, peixe que serve como modelo para pesquisas ligadas à resposta imunológica contra toxinas, estão sendo feitos num laboratório criado recentemente para esse fim. “Usar toxinas significa trabalhar em rede de sinalização celular. As toxinas são substâncias químicas com especificidade altísssima e servem como ferramentas para estudar as vias de sinalização dentro das células”, afirma Armelin.

Vinte anos de experiência em estudos básicos e clínicos de um grupo de pesquisadores da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, da USP, dão lastro ao Centro de Pesquisa em Doenças Inflamatórias, que vai investigar os mecanismos envolvidos na gênese de doenças inflamatórias de origem autoimunes, infecciosas ou metabólicas, como artrite reumatoide, esclerose múltipla, sepse, leishmaniose e aterosclerose. Os estudos buscam novos alvos para desenvolvimento de terapias para estas doenças. Sob a liderança do professor Fernando Queiroz Cunha, o grupo já produziu importantes contribuições no estudo da artrite, caso, por exemplo, dos mecanismos pelos quais parte dos pacientes não responde a um importante medicamento utilizado para o tratamento da artrite, ou das razões que levam fumantes a sofrerem de um quadro de artrite mais grave. O grupo também tem contribuído no estudo da dor inflamatória e sepse. A sepse caracteriza-se por uma resposta inflamatória sistêmica em decorrência de uma infecção, conhecida anteriormente como septicemia, fatal para mais de 30% de suas vítimas. Uma preocupação do grupo é entender por que parte dos pacientes que sobrevivem à crise aguda de sepse acaba morrendo pouco tempo depois devido a outras infecções ou a doenças aparentemente não relacionadas, como câncer e problemas cardiovasculares. “Vamos utilizar nossa experiência e agregar outros grupos da área básica e da área clínica para aumentar o leque de doenças estudadas”, diz o professor.  “Quando encontrarmos um alvo biológico com potencial para desenvolver um tratamento, vamos analisar se tem importância para as demais doenças investigadas.” A pesquisa também envolverá a busca de novas moléculas naturais em plantas e em saliva de insetos vetores de doenças. Já o Centro de Pesquisa em Processos Redox em Biomedicina busca estratégias antioxidantes eficazes e biomarcadores de estresse oxidativo com potencial de aplicação tecnológica. Sob a liderança da professora Ohara Augusto, do Instituto de Química da USP, o centro terá um laboratório central que fornecerá ferramentas analíticas aos pesquisadores.

Uma novidade no resultado do edital dos Cepids foi a seleção de dois centros liderados por matemáticos. A necessidade de modelos matemáticos capazes de analisar a complexa massa de dados gerada pela neurociência experimental foi o mote para a criação do Centro de Pesquisa, Inovação e Difusão em Neuromatemática (NeuroMat).  “A missão do centro é desenvolver pesquisa pura em matemática e em estatística a partir de questões fundamentais suscitadas pela neurobiologia básica e clínica. A neurociência vive uma situação de desequilíbrio, entre uma grande capacidade de produzir dados experimentais e uma insuficiente capacidade de compreensão teórica”, afirma Antonio Galves, professor do Instituto de Matemática e Estatística da USP e coordenador do NeuroMat. “A superação desse desequilíbrio passa pelo desenvolvimento de um novo domínio da matemática, na interface entre teoria das probabilidades, combinatória, estatística e ciência da computação. O objetivo é construir o quadro conceitual adequado à formulação rigorosa dos problemas da neurobiologia”, afirma. Matemáticos de diversas especialidades, associados a cientistas da computação, neurocientistas e clínicos, trabalharão juntos. A principal atividade de transferência tecnológica será o desenvolvimento de ferramentas computacionais de código aberto para pesquisa básica e clínica, assim como de um banco de dados neurobiológicos de acesso livre.

Estudo de nanopartículas busca desenvolver materiais com novas funções no centro da Unesp em Araraquara

Léo RamosEstudo de nanopartículas busca desenvolver materiais com novas funções no centro da Unesp em AraraquaraLéo Ramos

Outra iniciativa é no campo da aplicação da matemática à indústria. “O Brasil não tem tradição de usar a matemática como ferramenta para desenvolvimento industrial, mas isso é prática comum no exterior”, diz José Alberto Cuminato, professor do Instituto de Ciências Matemáticas e de Computação (ICMC) da USP em São Carlos e coordenador do Centro de Pesquisa em Matemática Aplicada à Indústria. A ambição do centro é transferir conhecimento para a indústria, mas não só isso. “Temos de imaginar que os problemas da indústria possam trazer novas abordagens de pesquisa para a matemática”, diz Cuminato. “Quando um matemático trata de um problema acadêmico, ele formula uma conjectura e tenta prová-la. Se não conseguir, reformula as suas hipóteses, simplificando-as. Se tenho de simular o escoamento de um tubo de 15 centímetros de diâmetro, não posso diminuí-lo para 10 centímetros. O problema é real”, afirma. O Cepid irá buscar soluções para áreas como mecânica de fluidos, engenharia aeronáutica, inteligência computacional, otimização, pesquisa operacional e análise de riscos para bancos. “Queremos principalmente trabalhar com problemas para pequenas empresas”, observa.

Interdisciplinaridade
Uma ambição compartilhada pelos 17 Cepids é reunir pesquisadores de disciplinas diversas para multiplicar o impacto de sua produção científica. O Centro de Engenharia e Ciências Computacionais reúne especialistas de química, física, biologia, engenharia mecânica, computação e matemática aplicada, para desenvolver técnicas de modelagem computacional avançadas. “Estamos reunindo cientistas com backgrounds diferentes em torno de temas multidisciplinares, mas tendo como ponto focal a aplicação e o desenvolvimento de métodos computacionais de grande intensidade”, diz Munir Skaf, professor do Instituto de Química da Unicamp e coordenador do centro. Skaf cita o exemplo da geofísica computacional, que precisa analisar quantidades gigantescas de dados cíclicos, como séries de sinais sismográficos, para obter informações sobre a geofísica de um lugar. “É necessária uma nova abordagem para tratamento de grandes volumes de dados, numa área emergente conhecida como eScience. Vamos usar essa abordagem para lidar com problemas da engenharia de materiais, da bioinformática e biotecnologia, das ciências moleculares, em agricultura, e, quem sabe, posteriormente em ciências do clima e ciências sociais, que envolvem grandes volumes de dados”, afirma.

A multidisciplinaridade também molda o Centro de Pesquisa em Alimentos (FoRC, na sigla em inglês para Food Research Center), iniciativa de um grupo de pesquisadores oriundos de áreas como ciência de alimentos, engenharia de alimentos, nutrição, medicina e veterinária. “Nosso objetivo é intervir em toda a cadeia da produção de alimentos e produzir ciência básica e aplicada relevante para o agronegócio, os consumidores e agências regulatórias”, diz Bernadette Dora Gombossy de Melo Franco, professora da Faculdade de Ciências Farmacêuticas da USP e coordenadora do Cepid. O centro tem quatro focos: no primeiro, os alimentos são caracterizados por sua biodiversidade, composição em macro e micronutrientes e outros compostos benéficos à saúde, empregando-se ferramentas “ômicas”; no segundo, estudam-se os impactos dos componentes de alimentos no estado nutricional da população e na redução do risco de doenças; no terceiro, a segurança dos alimentos é avaliada em relação aos riscos decorrentes de contaminação biológica e química. O último foco é voltado a tecnologias para melhorar a qualidade, segurança e valor nutricional dos alimentos e para o estudo de impactos ambientais decorrentes do processamento de alimentos. O FoRC começou a amadurecer há três anos, quando a USP estimulou a formação dos Núcleos de Apoio à Pesquisa (NAPs), que reúnem especialistas em torno de um tema multidisciplinar. “Com o início do Núcleo de Apoio à Pesquisa em Alimentos e Nutrição, quando o edital do Cepid saiu, estávamos preparados para montar o projeto”, diz Bernadette.

Ressonância magnética do cérebro: equipe com base em Campinas vai avançar em estudos sobre epilepsia e AVC

PHILIPPE PSAILA/SCIENCE PHOTO LIBRARY/SPL DC/Latinstoc kRessonância magnética do cérebro: equipe com
base em Campinas vai avançar em estudos sobre
epilepsia e AVCPHILIPPE PSAILA/SCIENCE PHOTO LIBRARY/SPL DC/Latinstoc k

Três cidades do interior paulista – Araraquara, São Carlos e Ribeirão Preto – situadas a uma distância de 100 km, reúnem 7 dos 17 Cepids, num sinal de vigor das instituições de pesquisa da região. A pesquisa em nucleação e cristalização de vidros em São Carlos, uma das mais produtivas do mundo, deu origem ao Centro de Pesquisa, Tecnologia e Educação em Materiais Vítreos (CeRTEV, na sigla em inglês). Sob a liderança de Edgar Zanotto, professor da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) e supervisor do Laboratório de Materiais Vítreos (LaMaV), o Cepid vai reunir 14 pesquisadores da UFSCar e do campus da USP em São Carlos em engenharia de materiais, física e química, 20 colaboradores no exterior e 10 no Brasil. “Nosso grupo tem reconhecimento internacional, mas há aspectos que precisam ser reforçados e os especialistas em física e química poderão contribuir significativamente”, diz Zanotto. Entre os tópicos de pesquisa em que o Cepid procura avançar, Zanotto destaca o desenvolvimento de vitrocerâmicos para uso em próteses ortopédicas e dentárias e substituição de mármores e granitos, de materiais para proteção balística de automóveis e aviões, e suportes para catalisadores na produção de etanol.

O Centro de Pesquisa para o Desenvolvimento de Materiais Funcionais, sediado em Araraquara, é uma evolução do Centro Multidisciplinar para o Desenvolvimento de Materiais Cerâmicos, Cepid que teve como foco de pesquisa a síntese de materiais. O novo centro busca desenvolver materiais nanoestruturados, talhados para solucionar problemas relacionados à energia renovável, saúde e meio ambiente. “Vamos continuar com o que já fazíamos, mas com uma direção diferente”, explica Elson Longo, coordenador do Cepid e professor do Instituto de Química de Araraquara da Unesp.  “Buscamos criar materiais multifuncionais. Estudamos toda a gama de propriedades de um material e analisamos como podem ser utilizadas como elementos de um novo material. As reservas de certos compostos estão exauridas. Temos de otimizar a utilização da matéria-prima e melhorar o desempenho desses materiais.” Energia e saúde são dois focos importantes do centro. “Estamos desenvolvendo materiais bactericidas ou fungicidas tanto para diminuir as infecções hospitalares como para despoluir lagos e rios”, afirma. O centro quer estimular a geração de empresas tecnológicas. “No âmbito internacional, vamos aumentar a interação com universidades e com parques de alta tecnologia, para estabelecer parcerias com empresas dos nossos parques.”

Os Cepids também são responsáveis por oferecer atividades de extensão voltadas para estudantes e o público em geral. O CePOF de São Carlos tem um canal de TV que oferece cursos a distância para estudantes do ensino médio. “Vamos criar agora cursos na internet para alunos de todo o Brasil”, diz Vanderlei Bagnato. “Oferecemos jogos educativos para estudantes num portal da internet e obtivemos mais de 4 milhões de acessos”, diz Elson Longo, cujo centro também colocou vídeos com minipalestras de cientistas no youtube. Uma iniciativa que reúne vários centros desenvolve kits de experiências científicas para estimular o gosto dos adolescentes pela pesquisa. “Distribuímos kits em escolas de São Paulo e o impacto entre os estudantes foi enorme”, conta Mayana Zatz. Outros centros vão oferecer cursos, desenvolver softwares e video games e organizar acervo de museus de ciência. “Uma boa ideia seria articular as ações de difusão de todos os Cepids, mantendo a autonomia de cada grupo, para criar um grande programa de difusão da ciência no estado de São Paulo”, propõe Marco Antonio Zago, cujo Cepid lançou em 2001 o programa Casa da Ciência, com atividades voltadas para alunos e professores de escolas da região de Ribeirão Preto. “Na rodada anterior ficou evidente o aumento do impacto intelectual, social e econômico dos Cepids. Por isso, nossas expectativas são altas em relação aos 17 selecionados agora”, diz o diretor científico da FAPESP, Carlos Henrique de Brito Cruz.

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