A demanda mundial por maior eficiência no consumo de energia elétrica impulsiona a evolução dos aços usados na fabricação de motores de geladeiras, aparelhos de ar-condicionado, geradores e transformadores. Chamados de aços elétricos e compostos basicamente de ferro e silício, eles são produzidos desde o início do século XX e têm como característica a facilidade de serem magnetizados e transformar a energia elétrica em energia mecânica. A busca por melhor desempenho desse material é constante para atender produtos em setores tradicionais, como eletrodomésticos, e em áreas tecnológicas mais avançadas, como a produção de carros elétricos. Nos anos 1990, a Companhia Siderúrgica Nacional (CSN), junto com um grupo de pesquisadores do Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT), conseguiu renovar o seu sistema produtivo de aços elétricos com um projeto do programa Pesquisa em Parceria para Inovação Tecnológica (Pite) da FAPESP. Com isso, a CSN obteve produtos 30% mais eficientes. A mais recente inovação vem de uma empresa, a Aperam (ex-Acesita), de Minas Gerais. No último trimestre de 2016, a companhia concluiu um conjunto de melhorias em seus processos produtivos que permitiu o início da fabricação de um material ainda mais eficiente energeticamente, o aço elétrico de grão superorientado (HGO, sigla de High Permeability Grain Oriented Steel).
“É uma tecnologia que reduz a perda magnética do processo de transformação de energia em até 30% nos metais”, diz o engenheiro Rubens Takanohashi, da Aperam. A perda magnética é a energia despendida como calor na alternância de magnetização e desmagnetização do metal. O HGO é uma evolução de um dos dois tipos existentes, os aços elétricos de grão orientado (GO), que são de alto desempenho e equipam os transformadores, equipamentos que alteram e adequam a voltagem de correntes elétricas alternadas. O outro é o grupo dos aços elétricos chamados de grão não orientado (GNO), utilizados em motores, compressores e geradores. A perda magnética apresentada por um aço GO é de aproximadamente 1,25 watt por quilo do material. Com o HGO essa perda é reduzida para algo como 0,95 watt por quilo do material. A diferença pode parecer pequena, mas é bastante significativa quando se leva em conta que essa perda é reproduzida em todo o parque de transformadores instalados no país. “Essa era uma demanda do mercado brasileiro”, diz Takanohashi. “Esse material permite a produção de transformadores mais eficientes e de 10% a 15% menores, consumindo menos insumos em sua fabricação e facilitando o transporte do equipamento.”
No município de Timóteo (MG), a siderúrgica Aperam mantém a única unidade produtora de aço GO, e agora HGO, na América Latina e uma das 15 em atividade no mundo, que estão instaladas em 10 países. O início da produção de HGO demandou investimentos de US$ 19 milhões ao longo de dois anos. A empresa não adquiriu um pacote tecnológico, mas desenvolveu a solução internamente. Ao todo foram oito anos de estudos no Centro de Pesquisas da Aperam em Timóteo, que tem seis pesquisadores dedicados ao desenvolvimento de aços elétricos.
O consumo brasileiro de aços elétricos GO é estimado em 45 mil toneladas (t) por ano. A estimativa do mercado de siderurgia indica que o consumo global de aços elétricos chegue à casa de 12,5 milhões de t/ano, sendo 2,5 milhões de aço GO e 10 milhões de GNO. No Brasil, o consumo total, dos dois tipos de produtos acabados e mais os semiprocessados, é de aproximadamente 400 mil toneladas anuais. A fábrica da Aperam tem capacidade para produzir 60 mil t/ano de aço GO. Sua produção atual é de 55 mil t/ano destinada a atender o mercado interno e países da América Latina. A fabricação do novo aço HGO não representará um aumento da capacidade produtiva, mas uma mudança de perfil. Segundo Takanohashi, ainda não há uma projeção de qual será a proporção do HGO no mix da companhia. “Dependerá da demanda.”
Motores ecoeficientes
Uma chapa de aço é formada por bilhões de cristais. Os tamanhos são variados, mas cada grão de cristal tem por volta de 100 micrômetros (igual a 1 décimo de milímetro) de diâmetro. No aço elétrico, os cristais têm estrutura cúbica, e quanto mais cristais estejam orientados de forma a ter uma face do cubo paralela à superfície de laminação da chapa, melhor é sua propriedade magnética. “Apesar de o avanço tecnológico ter desenvolvido ‘receitas’ que permitem um bom controle da orientação dos cristais na chapa de aço, a ciência ainda não é capaz de explicar como isso ocorre”, afirma o engenheiro metalúrgico Fernando Landgraf, diretor-presidente do IPT.
Landgraf coordena um grupo de pesquisa sobre aços elétricos no Departamento de Engenharia Metalúrgica e de Materiais da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (Poli-USP), no qual é professor. São avaliados os tamanhos dos cristais, sua orientação espacial, impurezas e os defeitos cristalinos. O IPT e a Poli estão engajados na pesquisa de materiais magnéticos desde 1982. Nos anos 1990, a equipe de pesquisadores liderada por Landgraf usou a experiência adquirida em pesquisa magnética para desenvolver soluções para o mercado de aços elétricos.
A pesquisa sobre a maior eficiência dos aços elétricos, segundo Landgraf, é hoje uma preocupação global e está inserida nos esforços de economia energética. “Calcula-se que 50% da energia elétrica produzida por ano no mundo é consumida por motores. Por volta de 3% dessa energia é dissipada como perdas magnéticas. São números que podem ser reduzidos com o desenvolvimento de aços elétricos mais eficientes”, diz.
Segunda família
No início dos anos 1990, a CSN iniciava a produção de aços elétricos de GNO. O produto era para abastecer fabricantes de motores de equipamentos elétricos de menor eficiência e de eletrodomésticos como liquidificadores, fornos de micro-ondas e autopeças. O desafio seguinte da companhia era desenvolver uma segunda família de aços elétricos para entrar em mercados de motores que demandam maior rendimento energético, como o de compressores de geladeira, aparelhos de ar-condicionado e motores industriais.
Nilza Cristina Sabioni Boechat Zwirman, gerente de sistemas de especificações e produtos da área de Pesquisa, Desenvolvimento e Inovação da CSN, relata que naquele momento a companhia trabalhava com pesquisas relacionadas à adição, ao aço elétrico, de elementos químicos como silício, fósforo e alumínio para obter uma melhoria das propriedades magnéticas. A aproximação entre IPT e CSN ocorreu em 1994, quando pesquisadores do instituto tentaram agrupar siderúrgicas, estamparias, fabricantes de motores em um consórcio tecnológico. O grupo não se concretizou, mas a CSN se interessou pelas pesquisas e iniciou um intercâmbio. A parceria foi viabilizada com um projeto do programa Pite lançado pela FAPESP em 1994, para financiar projetos desenvolvidos em conjunto por instituições de pesquisas e empresas.
Naquele momento, a equipe do IPT já sabia que o controle da orientação dos cristais é importante na produção do aço elétrico GNO e também que algumas impurezas, como cristais excessivamente pequenos, atrapalham as propriedades magnéticas do aço. “Até então, a CSN dedicava-se ao aperfeiçoamento químico do aço elétrico e buscava relacionar a microestrutura do metal e o controle das impurezas às perdas magnéticas. Nossos estudos ajudaram a empresa a rever seus processos de produção”, conta Landgraf. Os ajustes no processo produtivo, segundo Nilza Zwirman, capacitaram a CSN a produzir um aço com perdas elétricas 30% inferiores em relação à linha de produtos até então disponíveis no catálogo da empresa.
Nilza conta que o desenvolvimento da linha de aços elétricos de média eficiência possibilitou à CSN estar em sintonia com uma tendência de mercado que se tornou bastante relevante nos últimos anos, a de equipamentos elétricos referendados pela Etiqueta Nacional de Conservação de Energia, concedida pelo Inmetro, e pelo Programa Nacional de Conservação de Energia Elétrica (Procel). O contrato entre o IPT e a CSN foi um dos primeiros assinados no âmbito do programa Pite. “O Pite foi muito importante, sem compartilhar os custos da inovação, dificilmente a pesquisa teria seguido adiante”, afirma Landgraf. Os trabalhos conjuntos do IPT com a CSN consumiram quase quatro anos. Desde então, a empresa já produziu mais de 500 mil toneladas de aços elétricos, abastecendo principalmente o mercado interno.
Para Nilza, a parceria vai além do investimento financeiro no projeto. “Foi uma oportunidade importante de compartilhar competências”, diz. A CSN, segundo Nilza, colaborou ao abrir seu parque fabril siderúrgico e sua experiência na produção de aço, e o IPT, com seu conteúdo técnico, laboratórios e conexão com outras instituições. O Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares (Ipen) contribuiu com o conhecimento de como medir a distribuição de orientação dos cristais e o Centro de Caracterização e Desenvolvimento de Materiais (CCDM), da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), colaborou na área de microscopia eletrônica de transmissão da estrutura do aço.
Projeto
Desenvolvimento de aços elétricos (nº 1995/03988-7); Modalidade Programa Pesquisa em Parceria para a Inovação Tecnológica (Pite); Pesquisador responsável Fernando Landgraf (IPT); Investimento R$ 137.096,77 (Fapesp) e R$ 154.500,00 (CSN).