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PECUÁRIA

Jovem, enxuto e com peso de boi

Novilho Superprecoce fica pronto para o abate já com um ano de idade e 450 kg de peso, o que garante carne macia e lucro aos pecuaristas

Um sistema de criação de bovinos desenvolvido na Universidade Estadual Paulista (Unesp), em Botucatu, traz uma solução inovadora para a pecuária nacional. Com um ano de idade, pelo menos 450 quilogramas e sem uso de anabolizantes, o novilho está pronto para o abate, ao contrário da maioria do gado nacional, que requer de três a quatro anos para chegar a esse peso. A nova técnica de manejo – modo de criação e de alimentação – resultou no Novilho Superprecoce.

Mais de 12 mil animais já foram abatidos, depois de engordados no campus de Lageado da Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia (FMVZ) da Unesp de Botucatu e em mais 200 propriedades particulares situadas nos Estados de São Paulo, Minas Gerais, Paraná, Goiás, Mato Grosso do Sul, Mato Grosso, Tocantins e Rondônia, com tecnologia repassada e supervisionada pelos pesquisadores.Outro fator saudável do Novilho Superprecoce é a espessura de gordura desses jovens animais. Ela sempre alcança os 3 milímetros, permitindo que o resfriamento no frigorífico não prejudique a maciez. A rigor, essa carne não seria recomendada para churrascos. “Ela simplesmente derreteria”, avisa o professor Antônio Carlos Silveira, coordenador do projeto temático Crescimento de Bovinos de Corte no Modelo Biológico Superprecoce, desenvolvido desde 1992 no campus de Lageado da Unesp, com financiamento da FAPESP.

Silveira coordena um grupo de 28 pessoas para tocar o projeto, que engloba 11 subprojetos e será concluído em 2003. São 12 pesquisadores de vários centros: Faculdade de Ciências Agrárias e Veterinárias (FCAV) da Unesp de Jaboticabal, Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP) em Ribeirão Preto, Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz da USP em Piracicaba e Instituto de Biociências da Unesp de Botucatu. Também participam 11 alunos de pós-graduação e graduação da Unesp de Botucatu.

Etapas queimadas
O Novilho Superprecoce resulta do cruzamento de gado Nelore, de origem indiana, com raças européias – Angus, Hereford, Simental, Braunvieh, Charolês, Limousin, Pardo Suíço e outras. Esse cruzamento pode ser feito por monta natural ou inseminação artificial.

O sistema se destaca pela queima de etapas. Por exemplo, só precisa de 35% da área de pastagem usada na pecuária tradicional, porque os bezerros são desmamados aos sete meses com 230 kg – idade em que normalmente só teriam 200 kg – e vão direto para a engorda no confinamento. Não passam, portanto, pela fase comum e onerosa da recria, que costuma durar de dois a três anos.O sistema antecipa não só a idade do abate dos machos para no máximo 13 meses, como também a primeira parição das fêmeas – preservadas em parte para a reprodução -, que pode ocorrer aos dois anos de idade, enquanto na criação tradicional o primeiro parto só acontece depois dos três anos de idade. A Novilha Superprecoce é cruzada com um touro de raça européia e o filhote tem um quarto de sangue Nelore (do primeiro cruzamento) e três quartos de sangue europeu.

Com o repasse da tecnologia para outras fazendas e o sucesso alcançado, o sistema já está consolidado. Começou a ser desenvolvido em 1992, numa parceria entre a Unesp de Botucatu e a empresa agropecuária Nomurabrás, situada em Araxá (MG), que, na fase inicial, cedeu os bezerros e uma propriedade nesse município. Na época, a idade média de abate no país ainda estava em torno dos quatro anos e a primeira parição das vacas era – como ainda é – aos quatro anos em média, “uma realidade que demonstra o atraso na bovinocultura no país”, ressalta Silveira. “Logo nos primeiros meses de experimento, a idade do abate dos machos foi antecipada para um ano e a da primeira parição das fêmeas para o mínimo de 24 meses”, completa.

Modelo biológico
Para que tudo corra a contento, os pesquisadores monitoram o crescimento do tecido muscular esquelético dos novilhos desde o nascimento até a desmama, e daí à terminação – maturidade para o abate. Também pesquisam a qualidade de alimentos e suplementos, para orientar o manejo alimentar. E, na área de biologia molecular, fazem a caracterização dos genes envolvidos no crescimento e na composição da carcaça, para identificar indivíduos geneticamente superiores e eventualmente destiná-los à reprodução.

Nenhum país tem um modelo biológico para bovino de corte tão eficiente e rápido, assegura Silveira. Ele destaca as pesquisas sobre o processo de maciez da carne: “A enzima calpastatina, que inibe a maciez, está presente em todos os animais, só que alguns têm mais e outros menos”. Por exemplo, nas raças zebuínas – como a Nelore – ela é mais freqüente.

Para estudar a biologia do crescimento dos grupos genéticos e as enzimas responsáveis pela maciez da carne, desenvolve-se um projeto complementar com três subprojetos, em parceria com o Departamento de Química e Bioquímica do Instituto de Biociências da Unesp de Botucatu e o Departamento de Tecnologia da FCAV da Unesp de Jaboticabal. Nesse projeto, pesquisadores da área de físico-química procurarão desenvolver metodologias práticas de determinação pós-abate da maciez da carne.

O grupo também desenvolve metodologias para estudar características de carcaça das raças em relação ao polimorfismo do hormônio de crescimento (IGF-1) e à leptina – produto do gene da obesidade -, destacando o grau de sua presença.As características da carne e o grau de marmorização – presença de gordura na carcaça – dependem da herança genética do animal.

Genética tropical
Predominante noBrasil, o Nelore não tem precocidade sexual e de terminação, mas mostra enorme rusticidade e adaptação ao clima tropical e à alimentação precária, enquanto o gado europeu é precoce sexualmente e se desenvolve em muito menos tempo, mas se ressente da restrição alimentar imposta pelo clima. O cruzamento de Nelore e europeu resulta em filhos mestiços geneticamente superiores aos pais – fenômeno conhecido como heterose -, e nos quais as características de rusticidade do Nelore se combinam com a precocidade sexual e o rápido desenvolvimento do gado europeu.

A matriz Nelore, no entanto, não tem leite suficiente para as exigências nutricionais dos filhos mestiços. Do nascimento à puberdade, os hormônios de crescimento são liberados para desenvolver ossos e músculos, por isso os bezerros precisam de um alimento suplementar ao leite, rico em aminoácidos, vitaminas e minerais. Esse suplemento ou ração é fornecido no sistema chamado creep-feeding – de cochos pré-moldados. Eles são colocados em lugares do pasto onde só têm acesso os bezerros – ainda mamando. As mães não conseguem chegar ao cocho. Assim, bezerros normalmente desmamados aos sete meses com 200 kg obtêm de 30 a 45 kg de peso a mais.

Antes da puberdade
Depois do desmame, os machos vão para o confinamento com 230 kg, sem passar pela fase de recria. Numa propriedade de 1.000 hectares onde se recriam, normalmente, 1.000 animais por ano, só 350 hectares são ocupados no sistema Novilho Superprecoce porque os bezerros não ficam mais que sete meses no pasto com a mãe, enquanto no sistema tradicional a recria demora 37 meses. Como não existe área de recria, sobra mais pasto e otimiza-se a propriedade: pode-se dobrar ou até triplicar a produção de gado ou converter os 650 hectares restantes para o plantio de culturas.

Assim, os animais entram na fase de engorda no pasto ou em confinamento antes mesmo de atingir a puberdade – quando predomina a produção de hormônios esteróides, os hormônios sexuais. Nessa época, a fêmea entra no cio e no macho aumenta a circunferência escrotal e começa o depósito de gordura. As fêmeas das raças cruzadas já chegam no primeiro cio aos 12 meses, quando os machos da mesma idade estão com pelo menos 450 kg e podem ser abatidos.

Alimentação reforçada
As bactérias que habitam o rúmen – parte do estômago dos ruminantes – extraem energia dos alimentos consumidos utilizando totalmente o amido dos cereais e liberam ácidos graxos voláteis. Esses gases são absorvidos pelo novilho e correspondem a 85% ou mais da energia de que ele precisa.Por isso, e como o amido no grão de milho é coberto por uma camada protetora (endosperma) que as bactérias precisam quebrar para aproveitar energia, os pesquisadores decidiram acelerar o processo.

Para isso, o milho é colhido mais úmido e colocado em silos. Assim, a camada protetora da casca se rompe e aumenta a disponibilidade de amido para as bactérias. Esse material, ensilado com características de bolo de fubá, substitui o milho moído na ração. O resultado é uma economia de 20% nos custos de terminação dos novilhos em confinamento, pois o milho úmido é mais digerível e não é preciso armazenar, secar e ensacar – vai direto para o silo.

É a chamada silagem de grão úmido de milho. Além disso, como é colhido com quase um mês de antecedência, porque precisa ter 26% de umidade, diminuem os riscos de perda e de ataques de predadores. Outra vantagem: pode-se plantar uma nova cultura sobre os restos do milharal, a tempo de aproveitar o período das chuvas.Na área de confinamento de Lageado, que foi reformada com concreto e tem 26 baias com capacidade total para 156 animais, serão testadas combinações de alimentos envolvendo, principalmente, a silagem de grãos úmidos de cereais, como milho, sorgo e outros.

Redução de custos
Por serem mais novos, os animais comem menos do que os bois maiores e mais velhos. Do que ingerem, 75% são destinados à manutenção de processos vitais – circulação do sangue, batimentos do coração, digestão, etc. No entanto, quanto maior o animal, maior a necessidade de manutenção e menos alimento sobra para a conversão alimentar que o faz ganhar peso. Um animal de 300 kg, por exemplo, precisa de 9 kg de matéria seca por dia para ganhar 1 kg de peso e chegar aos 450 kg. Já o Novilho Superprecoce passa de 230 a 450 kg comendo em média 6 kg de matéria seca por dia, o suficiente para ganhar 1 kg por dia.

Além disso, o animal mais novo de qualquer raça rende proporcionalmente mais carne e com mais maciez. Abatido com pelo menos 450 kg, o novilho rende 16 arrobas (240 kg) de carne e tem no mínimo 3 milímetros de gordura protetora na carcaça. Antes do abate, a capa de gordura e a área do lombo são verificadas por ultra-sonografia. Quando a espessura de gordura é menor que a indicada, a carne “queima” e endurece ao ser refrigerada, além de perder em conservação, maciez e coloração. Também não precisa ultrapassar a medida – 3 a 4 milímetros – porque seria antieconômico: Silveira lembra que os norte-americanos têm o hábito de comer carne com 8 a 10 milímetros de gordura e por isso seus custos de produção e de confinamento são muito maiores.

Abatedouro experimental
Por enquanto, os novilhos são abatidos nos frigoríficos da região, mas os pesquisadores pretendem construir um abatedouro experimental no campus de Lageado com capacidade de abate de oito animais por dia. Ele será útil para o laboratório de qualidade de carne da faculdade, também reformado no âmbito do projeto. Ali se verificam maciez da carne, coloração, pH e outros itens. “Nossa expectativa”, diz Silveira, “é fazer na Unesp, em Botucatu, o maior centro de pesquisa em qualidade de carne do país.”

A idéia final é estabelecer um certificado de qualidade que facilite a exportação da carne brasileira. Para Silveira, o país poderia ser um grande exportador de carne se apresentasse um produto mais macio e com selo de garantia. Ele pretende, num prazo de três anos, que o laboratório faça a certificação da carne – especificando se é de macho ou fêmea, quanto tem de gordura e de maciez, além de apresentar um rastreamento da alimentação dos animais – o que conferiria uma garantia atestada pela universidade. Há subprojetos em desenvolvimento para consumar esse objetivo.

Maturação garantida
Também importante para aprimorar a qualidade da carne é a adoção de uma técnica de maturação – o que, em Botucatu, é feito no laboratório. Os cortes são embalados a vácuo e postos em refrigerador à temperatura de 0 a 2 graus centígrados por 14 a 20 dias. Nesse período, a carne fica mais escura e depois, quando oxigenada, retoma a coloração vermelho-cereja, diz Luís Arthur Loyola Chardulo, professor do Departamento de Química e Bioquímica do Instituto de Biociências da Unesp. Ele é o responsável pela avaliação da qualidade das carnes e pela coordenaçãodas pesquisas bioquímicas, juntamente com Roberto Roça, do Departamento de Tecnologia de Alimentos da Unesp de Botucatu. Eles verificam os níveis de proteína, gordura, minerais, umidade, pH e fazem a análise microbiológica para testes de contaminação por salmonela e da atividade de enzimas.

Para complementar esses estudos, avaliam-se os efeitos da manipulação de fatores genéticos – marcadores genéticos e sexagem pelo método de reação em cadeia da polimerase (PCR) – para identificar e selecionar os indivíduos com valor genético superior para características de carcaça. Com esse projeto, os pecuaristas ganham uma técnica de manejo inovadora que garante lucros, desenvolve a pecuária e aponta para a exportação de carne em grande escala.

Ataque ao desperdício

Embora tenha ocorrido uma modernização da pecuária brasileira na última década, a grande maioria dos 150 milhões de cabeças do rebanho nacional ainda é criada extensivamente nos pastos dos cerca de 4 milhões de propriedades rurais existentes no país. A distribuição média é de um animal por hectare. Além disso, dos 30 milhões de cabeças abatidas no ano passado, só 1,8 milhão estiveram no sistema de confinamento – o que significa um desperdício de terras, que poderiam ser aproveitadas na agricultura ou mesmo numa pecuária mais eficiente.

Segundo Silveira, o sistema de produção do Novilho Superprecoce garante ao criador um lucro calculado de R$ 163,70 por animal. O custo total de produção – incluindo vacinas, medicamentos, preço do bezerro, aluguel de pasto e alimentação – soma R$ 457,54. Como o rendimento de carcaça é de 55% do peso vivo ou 16,53 arrobas e o pecuarista recebe do frigorífico R$ 40,00 por arroba, a preço de novembro, ele apura R$ 661,20 por animal.

Por ser o território brasileiro muito grande e ter climas diversificados, o sistema Novilho Superprecoce para abate aos 12 meses só é indicado para regiões onde há grande disponibilidade de grãos, como Sul, Sudeste e Centro-Oeste. Já no Norte e no Nordeste, é melhor produzir o boi verde – criado a pasto – e adotar um sistema alternativo de novilhos precoces igualmente criados a pasto, que também garante rentabilidade.

Por exemplo, para bezerros que cheguem à desmama com menos de 230 kg, Silveira recomenda um período de recria de oito meses a pasto e só quatro meses no confinamento, até o abate aos 20 meses, com 476 kg de peso vivo e 17,48 arrobas. Ainda assim, o lucro do fazendeiro será de R$ 228,93 por novilho, num período de tempo maior.

Para o abate aos 24 meses, o sistema prevê a recria por 14 meses e um semiconfinamento de três meses, em que o animal atinge 479,75 kg de peso vivo e rende 17,60 arrobas, garantindo o lucro de R$ 170,91.E, para o abate aos 36 meses, o bezerro também é desmamado aos sete meses, fica 23 meses na recria a pasto e outros seis meses na engorda a pasto, até ser abatido com 517 kg de peso vivo e 18,25 arrobas de carne, o que assegura um rendimento bruto de R$ 139,28.

O projeto
Crescimento de Bovinos de Corteno Modelo Biológico Superprecoce; Modalidade Projeto temático; Coordenador Antônio Carlos Silveira – Departamento de Melhoramento e Nutrição Animal da Faculdadede Medicina Veterinária e Zootecnia da Unesp em Botucatu; Investimento R$ 556.617,21 e US$ 63.331,10

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