O baiano Theodoro Fernandes Sampaio teve uma carreira longeva como engenheiro civil, que começou em 1878 e terminou no 1937. Ele poderia ser confundido com um dos naturalistas estrangeiros que visitaram o Brasil na primeira metade do século XIX e se interessavam por tudo: das plantas aos animais, das línguas e costumes indígenas ao clima da terra. Sampaio trabalhou com hidráulica, saneamento, cartografia, planejamento e gestão urbana e deu contribuições a geologia, geografia e história, além de se aventurar pela etnologia, antropologia e linguística – ciências ainda não consolidadas em seu tempo.
Desde as comemorações dos 500 anos do descobrimento do Brasil, em 2000, alguns personagens têm tido sua importância resgatada. “Theodoro Sampaio é uma dessas figuras históricas que foram revalorizadas. Mas ainda não à altura da real importância de suas contribuições”, diz Ademir Pereira dos Santos, professor de arquitetura das universidades de Taubaté (Unitau), de Mogi das Cruzes (UMC), ambas no interior paulista, e do Centro Universitário Belas Artes, em São Paulo. Santos escreveu Theodoro Sampaio – Nos sertões e nas cidades (Odebrecht / Versal Editores, 2010), livro que esmiúça a vida e a obra do engenheiro.
Sampaio (1855-1937) nasceu em Santo Amaro da Purificação, na Bahia, filho de uma escrava, Domingas. Não se sabe quem era o pai: o padre Manoel Fernandes Sampaio, de quem herdou o sobrenome, ou o visconde de Aramaré, Manoel Lopes da Costa Pinto, dono de Domingas. “Apenas Theodoro sabia e não contou nem aos filhos”, diz Santos. Sabe-se que o pai tinha posses e influência porque ele nasceu livre e recebeu boa educação no Rio de Janeiro. Na corte cursou engenharia na Escola Politécnica do Rio de Janeiro e formou-se aos 22 anos. Entre 1878 e 1884 comprou a alforria de seus três irmãos negros.
Em 1879, Sampaio integrou a Comissão Hidráulica do Império, que estudou e propôs obras para melhorar a navegação dos rios. Por quatro anos trabalhou no vale do rio São Francisco entre Alagoas e Sergipe, e nas cidades pernambucanas, baianas e mineiras próximas à nascente. Narrador conciso e desenhista talentoso, contribuiu para a confecção da Carta da bacia do São Francisco, revisou e colocou na cartografia parte da Chapada Diamantina.
A vinda para São Paulo ocorreu em 1886 a convite do geólogo americano Orville Derby, chefe da Comissão Geográfica e Geológica de São Paulo. O interior paulista era em boa parte desconhecido e o engenheiro ajudou a explorar e cartografar a região – algo imprescindível ao poder público –, além de projetar obras para a navegação do rio Paranapanema. Sampaio estabeleceu a primeira base geodésica do país, na região de Sorocaba. A técnica é usada para representar cartograficamente, de modo plano, a forma esférica da superfície da Terra, fundamental para melhorar a exatidão dos mapas de grande extensão.
Durante essa fase nos sertões nordestino e paulista, ele colheu informações para dois livros: O tupi na geografia nacional (1901) e O rio São Francisco e a Chapada Diamantina (1905). Também permitiu a Euclides da Cunha copiar um mapa feito por ele da região de Canudos e sanou dúvidas sobre a geografia e o clima, que o escritor viria a usar em artigos antes de viajar ao local e escrever Os sertões.
“Na administração pública de São Paulo trabalhou desde a implantação de serviços sanitários até a expansão de linhas de bondes na cidade”, conta Santos. Publicou artigos técnicos e fez pesquisa histórica – foi um dos fundadores do Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo, em 1894.
Aos 50 anos, voltou para a Bahia e abriu seu próprio escritório de engenharia, que projetou o novo sistema de abastecimento de água de Salvador, entre outros trabalhos de infraestrutura e urbanização. Teve intensa atuação no Instituto Geográfico e Histórico da Bahia (IGHB), que presidiu por 14 anos. “Quem o conheceu diz que era muito discreto e calado, mas um orador excepcional”, conta Consuelo Pondé de Sena, presidente do IGHB. Na última fase da vida – morreu com 82 anos –, publicou estudos sobre a história de Salvador e da Bahia.
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