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Saúde

Butantan já produz vacina contra hepatite B

O Instituto Butantan já está produzindo em escala industrial uma vacina contra a hepatite B, com tecnologia desenvolvida no próprio Instituto, pelo pesquisador Nikolai Granovski. A hepatite B, infecção no fígado que pode causar cirrose e câncer, é um sério problema de saúde pública no Brasil e chega a atingir 12% da população em regiões mais críticas, como o Estado do Amazonas.

A produção da vacina teve início em janeiro último e deverá chegar a 500 mil doses neste ano. Em 1998, a fabricação deverá ser de cinco milhões de doses, alcançando quinze milhões de doses no ano seguinte, quantidade suficiente para atender a demanda de todos os recém-nascidos e grupos de risco do país. Para erradicar totalmente a infecção pelo vírus da doença no país seriam necessárias mais de 200 milhões de doses por ano, na avaliação do cientista Isaías Raw, diretor da Fundação Butantan e coordenador geral do projeto.

Apesar de incipiente, a produção da vacina já está causando redução significativa no preço do produto importado, segundo o cientista. O Ministério da Saúde comprava lotes americanos e belgas por US$ 6 a US$ 8 a dose e em junho passado o preço já havia caído para US$ 1. A vacina brasileira deverá custar cerca de US$ 1 para o governo.

As pesquisas iniciais para desenvolvimento da vacina foram financiadas pela FAPESP, à qual veio se somar, posteriormente, a Financiadora de Estudos e Projetos, FINEP, enquanto o Ministério da Saúde financia a fabricação em escala.

Recombinação de DNA
A vacina contra a hepatite B desenvolvida no Butantan, da mesma forma que as importadas utilizadas atualmente, é uma vacina recombinante, isto é, a tecnologia utilizada na sua fabricação é a engenharia genética, mais especificamente a recombinação de DNA. O pesquisador Nikolai Granovski, coordenador científico do projeto, explica que, de 1981, quando foi desenvolvida a primeira vacina contra a hepatite B, até 1987, quando foram licenciadas e comercializadas as primeiras vacinas recombinantes, a produção de vacina contra a doença era feita por meio de partículas virais isoladas e purificadas do plasma de pacientes com infecção crônica pelo vírus.

Essas partículas são formadas por proteínas de superfície do vírus da hepatite B (VHB), que formam o envelope viral, e que são o antígeno, isto é, aquilo que provoca a reação do sistema imunológico à doença. Apesar da excelente capacidade de proteção, a produção dessa vacina tem alguns fatores limitantes como o alto custo, a dependência de doadores e a eventual presença de agentes contaminantes, como o vírus HIV.

As vacinas recombinantes são também desenvolvidas a partir de partículas protéicas virais, só que não mais retiradas do plasma de pacientes, mas produzidas por leveduras engenheiradas, nas quais são introduzidas as seqüências de DNA correspondentes às seqüências gênicas do vírus, a partir das suas proteínas de superfície. Segundo Granovski, entre os diferentes microorganismos, a levedura, originada da massa do pão, é o mais adequado para a obtenção do antígeno de superfície da hepatite B, na produção da vacina recombinante.

As leveduras portadoras da seqüência gênica do vírus são cultivadas em fermentadores, explica a pesquisadora Luzia Mitie Ioshimoto, membro da equipe. Com a fermentação, elas se multiplicam. Depois, a biomassa celular obtida é quebrada para a liberação do antígeno e passa por um processo de purificação. “Após várias etapas de purificação através de processos de alta tecnologia, como centrifugações diferenciais e em gradiente, cromatografia de adsorção e afinidade e ultrafiltração, é obtido um produto livre de contaminantes provenientes do levedo (proteínas, DNA e carboidratos)”, diz Luzia. Esse produto, que tem a mesma proteína de superfície do vírus, é a vacina, que irá ativar a produção de anticorpos.

Três doses
O produto final da vacina brasileira é exatamente o mesmo que o das vacinas importadas utilizadas atualmente. As modificações foram feitas quanto à regulação gênica (regiões que controlam o funcionamento do DNA), tipo de levedura (a utilizada na vacina brasileira é uma mutação do levedo já usado nas outras vacinas) e de tecnologia de produção.

A vacina é formulada em gel de hidróxido de alumínio e aplicada por via intramuscular em três etapas, sendo a segunda e a terceira doses aplicadas após um e seis meses, respectivamente. Nos diversos testes realizados, a avaliação clínica da vacina foi considerada satisfatória em termos de imunogenicidade e reatividade (sem efeitos colaterais e sintomas clínicos relevantes).

Entretanto, para que haja a imunização, as três doses devem ser tomadas. Nos testes, após a aplicação da primeira dose, apenas 20% das pessoas apresentaram resposta do sistema imunológico. Após a segunda aplicação, o percentual subiu para 80%. Somente após a terceira aplicação é que 99% da população vacinada desenvolveu anticorpos.

Conhecimento russo
O pesquisador Nikolai Granovski é russo, está no Brasil há cerca de três anos, mas já realiza pesquisas sobre a hepatite B há dezessete. Na Rússia, ele procurou aprimorar a técnica de recombinação de DNA, já utilizada nas vacinas belgas e americanas, porém inexistente no Brasil até então.

A falta de incentivo da Rússia à ciência e tecnologia, devido à grave crise enfrentada pelo país, foi um dos motivos que fez Granovski vir para o Brasil. Ele veio a convite do então diretor do Instituto Butantan, Isaías Raw, interessado em trazer os conhecimentos e experiência do pesquisador para serem aplicados no país, no desenvolvimento de uma vacina brasileira. Segundo Granovski, nenhum tipo de tecnologia foi trazida da Rússia, apenas o seu conhecimento sobre a doença e a vacina.

Ele assinala como maiores dificuldades para o desenvolvimento da vacina, aqui no Brasil, os problemas de importação (mais precisamente com a alfândega) e a falta de pessoal. “Muitos materiais importados, como equipamentos e algumas drogas e enzimas, ficam presos na alfândega. Alguns produtos chegam a ter seu prazo de validade expirado por ficarem retidos por vários meses”, diz ele.

Quanto à falta de pessoal, Granovski explica que a equipe do Instituto Butantan envolvidadiretamente com o desenvolvimento e produção da vacina é formada por apenas sete pessoas, muito pequena para a dimensão e complexidade do projeto. “A tecnologia utilizada é muito sofisticada, e exige um pessoal bem treinado. Nós até temos como treinar, mas não temos a quem treinar”.

Os perigos da hepatite
O vírus causador da hepatite B tem poder de infecção maior do que o da Aids e é transmitido através do sangue, sêmen e outras secreções, além de ser transmissível de mãe para filho. Não existe tratamento eficaz contra a doença, sendo a vacinação a única forma de controle.

A hepatite B pode se manifestar de duas formas: a crônica e a aguda. Na hepatite B aguda, os sintomas clássicos da doença, como amarelamento da pele, febre, gripe, além de mudanças na enzima do sangue, estão aparentes. Na forma crônica, os sintomas não aparecem, mas as pessoas infectadas carregam o vírus no organismo, o que pode acabar por provocar a cirrose e o câncer de fígado.

Se pessoas adultas são infectadas pelo vírus, a chance de a doença se tornar crônica é de 10% a 15%, enquanto nos bebês com até um ano de idade este índice chega a 90%. Daí a importância em priorizar a vacinação infantil, que deve ocorrer, se possível, logo no primeiro dia de vida da criança.

A porcentagem da população brasileira que já contraiu ou está infectada pelo vírus da hepatite B varia de acordo com a região. Em São Paulo, o índice está em torno de 2%, porcentagem comparada à média dos países desenvolvidos. No Amazonas, Estado onde a infecção atinge seu ponto mais crítico, o índice é estimado em 12%.

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