Em fins da década de 80, quando elaborava a pesquisa para sua dissertação de mestrado, na USP, Glória bergier Dietrickeit, uma professora paulista, fez uma mesma pergunta “o que é um cientista para você?” a 467 crianças de sete a onze anos, todas estudantes de primeiro grau de duas escolas paulistanas de classe média, uma pública e outra privada.
Entre algumas respostas curtas e peremptórias, do tipo “não sei”ou “é um louco” parte considerável das redações e desenhos entregues pelas crianças permitiu que se chegasse, resumidamente, ao seguinte esboço do personagem em questão: “os cientistas são homens de cabelos brancos e arrepiados, estranhos mas muito inteligentes, que vivem em laboratório sombrios, provocando explosões todos os dias”.
A lembrança amena e risível serve aqui de preâmbulo a uma questão rigorosamente atual: qual é o perfil desejável do pesquisador contemporâneo?
Certamente, nada mais distante dele que a figura caricatural do gênio meio louco, cabeça nas nuvens, atento só ao problema que o desafio. O pesquisador de hoje, além das caracterísiticas que fizeram os bons cientistas de qualquer tempo paixão pelo conhecimento, criatividade, capacidade para ver e delimitar com precisão um problema relevante, persistência em perseguir soluções para esse problema, deve ter capacidade administrativa, aptidão para a liderança e espírito empreendedor. Precisa saber trabalhar em grupo e se comunicar, e ter vocação para formar discípulos. Precisa ter sensibilidade social, política e uma aguda percepção das mudanças da economia.
Por que esses traços que parecem soar mais adequados a um empresário tornaran-se desejáveis? Primeiro, porque nas sociedades mais desenvolvidas, Ciência Tecnologia ocupam, já há quase três décadas, um lugar central enter os chamados fatores essenciais de produção. Segundo, porque, mais recentemente, o processo de globalização econômica tornou todos os países expostos a competição, e não há chance de qualquer deles ser competitivo sem que C&T integrem profundamente sua lógica de produção o que exige dos “fazedores” de Ciência e Tecnologia uma nítida percepção desse fenômeno.
Neste final de século, as pesquisas mais importantes tornaram-se grandes, complexas e caras. Exigem o trabalho de grupos sólidos e eficientes o indivíduo talentoso, mesmo genial, já não basta, embora dele não se prescinda. É, aliás, exatamente isso que a FAPESP vem sinalizando com a importância crescente que atribui aos projetos temáticos.
No caso do Brasil, as transformações da economia mundial impuseram uma mudança de paradigma na sociedade, que de protegida, voltada para dentro, viu-se repentinamente aberta, sujeita aos rigores da competição internacional, antes de sua economia tornar-se efetivamente competitiva. Há, portanto, um salto que precisa ser dado, com o concurso dos pesquisadores brasileiros.
Isso só torna para nós mais vital a multiplicação desse novo pesquisador, capaz de identificar e buscar novas fontes de recursos financeiros para a pesquisa, e os novos locus onde a pesquisa pode e deve ser desenvolvida, especialmente a empresa, com a qual ele deve estar pronto a dialogar.
Desse tipo de pesquisador, de sua multiplicação, poderá depender até mesmo a sobrevivência do cientista à imagem das fantasias infantis. Porque dentro dos grupos contemporâneos poderá sempre restar um lugar para ele.
Republicar