Imprimir PDF Republicar

José Goldemberg

A crise das bolsas de estudos

A redução do número de bolsas no Exterior dos órgãos de fomento do sistema federal reflete um problema estrutural mais profundo do que simplesmente uma crise de recursos financeiros. Esta “crise” força a uma reanálise das premissas em que este sistema se apoia e que tem sido até agora um “modelo linear” de desenvolvimento científico: mais especialistas com mestrado e doutorado (no Exterior ou no Brasil), principalmente nas áreas mais acadêmicas do conhecimento, vão redundar em avanços tecnológicos e conseqüente conquista do mercado.

Sucede que este modelo, que representa o “supply push approach”, funcionou bem no passado, como prova o exemplo do projeto Manhattan, que construiu as primeiras bombas atômicas nos Estados Unidos, durante a Segunda Guerra Mundial: partindo de primeiros princípios científicos, toda uma tecnologia foi desenvolvida, que levou depois às armas e reatores nucleares para a produção de eletricidade.

Nas décadas mais recentes, os exemplos de sucesso na área de desenvolvimento (Japão, Coréia do Sul, Singapura e outros) se basearam no uso, adaptação e aperfeiçoamento de tecnologias capazes de conquistar os mercados. Neste caso, o que funcionou foi o “demand push approach” e as universidades e centros de pesquisa cumpriram o seu papel.

O que ocorreu no Brasil é que até agora a demanda do mercado (e das indústrias locais) não se materializou e o apreciável esforço em Ciência e Tecnologia feito nos últimos 50 anos criou toda uma geração, que espera o chamado da sociedade para servi-la, mas não sabe como, numa atitude que lembra a espera por Godot na peça de Beckett.

Diante do novo realismo da equipe econômica do Governo Federal, decidida a reduzir o “deficit” público, inúmeros cortes foram feitos no orçamento, incluindo cortes nos programas de bolsas de estudo, que se expandiram muito no Governo Sarney. Ao atender as pretensões do Ministro da Ciência e Tecnologia, o Governo federal, naquela ocasião, aumentou o número de bolsas, mas não os recursos para os laboratórios em que eles poderiam desenvolver seus trabalhos.

Chegou agora o momento da verdade e é preciso redimensionar. Isto não significa fazer ciência inferior, mas ciência de alto nível mais sintonizada com a realidade nacional, como aliás já é feito, por exemplo, pelo Instituto Butantan, Embrapa e outros.

O sistema de bolsas deve ser acompanhado de recursos complementares para custeio e capital. As “taxas de bancada” da Capes ou os projetos do MCT do tipo “laboratórios associados” são tentativas de fazer isso com um desempenho insuficiente até o momento. Só a maior aproximação com o sistema produtivo – e a redução da dependência exclusiva de recursos estatais – melhorará este desempenho.

José Goldemberg é físico, professor da Universidade de São Paulo, ex-ministro de Ciência e Tecnologia

Republicar