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AMBIENTE

Avaliação de riscos em áreas poluídas

A partir de um antigo lixão, empresa introduz novas técnicas ambientais

Uma área com vegetação densa contornada por rios, de acesso fácil, sem barulho e sem agitação de turistas, enfim, um paraíso na terra. Esse lugar existe e está a menos de 70 quilômetros da capital de São Paulo. Mas, sob a sua aparência paradisíaca, escondem-se resíduos residenciais e industriais perigosos, a exigir cuidados constantes para não contaminar as águas nem prejudicar a saúde da população que mora ao redor. O controle dessas ameaças presentes nos 200 mil metros quadrados do terreno, encravado dentro dos limites do município de Cubatão, está a cargo da empresa Hidro Ambiente.

O objetivo é monitorar a área e pôr em prática novas técnicas de avaliação de impactos ambientais causados por processos produtivos. Essa busca de incremento metodológico é estimulada pelo projeto Desenvolvimento de Tecnologias para Avaliação de Riscos Ambientais de Locais com Solos e Águas Subterrâneas Contaminadas, financiado pela FAPESP, dentro do Programa de Inovação Tecnológica em Pequenas Empresas (PIPE). Foram R$ 45 mil na fase 1 e outros R$ 180 mil, liberados durante a fase 2, que deverá ser finalizada em dezembro deste ano.

A área estudada está situada ao longo dos vales do Rio Cubatão e do Ribeirão dos Pilões, num território abraçado pelo Parque Estadual da Serra do Mar. O local foi um recanto aprazível até a década de 60, quando a paisagem começou a ser alterada. O processo de urbanização e de industrialização que avançava naquela região escolheu aquele lugarejo para a instalação de um aterro sanitário destinado a ser depósito do lixo produzido nas cercanias. Mais tarde também foram constatados despejos irregulares de lixo hospitalar. O problema agravou-se com a invasão da área por duas centenas de pessoas, divididas em 70 famílias, que ali passaram a residir. E complicou-se ainda mais quando surgiram os casos de contaminação em algumas dessas pessoas, que apresentaram problemas de inflamação de pele e complicações respiratórias.

Na década de 70, a prefeitura local desativou o lixão e removeu os moradores. A imagem do lugar foi, portanto, recomposta, mas aquilo que a natureza foi obrigada a absorver ainda está lá, na forma de resíduos, carentes de cuidados constantes, como indica a própria condição legal da região, enquadrada na condição de Área de Proteção Ambiental (APA). Contudo, nos 30 anos que se passaram desde o fim do aterro, o mundo mudou. Novos processos industriais foram desenvolvidos. Leis especiais foram aprovadas, fruto também dos movimentos ambientalistas com suas reivindicações.

O que não mudou muito foram os restos do lixo doméstico, industrial e hospitalar acumulado durante duas décadas naquele lugar, justamente o mundo escondido pela vegetação farta e bonita. É por isso que, a cada três meses, uma equipe de geólogos e técnicos, comandada pela Hidro Ambiente, se dirige até Cubatão. Ali verifica as condições da mata, do solo e das águas subterrâneas. O nome técnico dessa operação é monitoramento.

Parece pouco. Mas algo muito mais importante está em curso. Os técnicos da Hidro fazem parte de um grupo de profissionais que, ao avançar mata adentro, coloca o Brasil em novo rumo, com a adoção de práticas dentro do conceito de “avaliação de riscos”. Do bom andamento desse trabalho deve resultar um conjunto de procedimentos que definirão, caso a caso, qual atitude tomar, seja preventiva ou de remediação.

Trata-se de um avanço metodológico que a Hidro começou a pôr em prática em 1997, quando mandou um dos seus pesquisadores para a Holanda, e, em seguida, incorporou ao dia-a-dia da empresa, explica o professor aposentado da Universidade de São Paulo (USP) Nelson Ellert, geólogo e um dos sócios fundadores da Hidro Ambiente, criada há oito anos. Esse projeto objetiva a aplicação do conceito de avaliação de risco não apenas em Cubatão mas também em outras áreas do Estado de São Paulo, como os municípios de Santa Gertrudes, Taubaté e São Caetano.

Novos conceitos
Avaliação de risco é a expressão-chave para entender os novos procedimentos. “Ela introduz uma nova postura técnica e até mesmo filosófica em relação ao pensamento reinante a respeito de fatores de controle ambiental”, explica Nelson Ellert. Em vez de tentar limpar o solo e a água, para deixá-los como seriam encontrados idealmente antes da presença humana, a técnica de avaliação de risco estabelece fatores de observação que, uma vez cruzados, devem fornecer um cenário mais próximo de uma condição aceitável e factível de intervenção, ou não.

Tais fatores são: fonte de contaminação, rota de exposição dos materiais indesejáveis e receptores potenciais desse material. Ellert dá um exemplo prático: um posto de gasolina pode ter um tanque do qual vaze combustível. Se o líquido for absorvido pela água subterrânea do tipo salgada, numa região de baixíssima exposição de seres humanos, o risco é contornável e os custos ficam restritos à eliminação das causas do vazamento e ao monitoramento dos processos de diluição e biodegradação dos resíduos no decorrer do tempo.

Em Cubatão, todos os problemas existentes foram levados em conta. Seguindo uma sugestão do pesquisador holandês Rob Theelen, um dos mais conceituados no mundo, a Hidro Ambiente escolheu, como principal objeto de monitoração, a água como rota de exposição, não por ser bebida diretamente do rio, mas por ser a fonte de nutrição dos frutos que podem ser ali colhidos e consumidos. As análises químicas desses frutos mostraram resíduos de chumbo, mercúrio, cobre, cádmio e zinco, entre outros. “Há aqui a necessidade de um cuidadoso cruzamento de fatores”, diz Ellert.

Com base em estudos toxicológicos, os técnicos da Hidro constroem hipóteses para tentar definir com precisão os cenários em que as pessoas podem ser afetadas pelas contaminações. Na verdade, os riscos imediatos são pequenos. São os vários desenhos permitidos pelos dados recolhidos que indicam uma ou outra situação como mais grave. Por exemplo: crianças que vivem na área e tomam banho no rio comem frutas colhidas nas plantas da área, sejam nativas ou cultivadas.

Montanha de resíduos
Com os dados à mão, Ellert vai revelando a extensão dos problemas encontrados em Cubatão. São mais de 25 mil metros cúbicos de resíduos amontoados. O solo foi absorvendo, a mata foi encobrindo. Lá estão hoje as camadas que variam de um a dois metros de espessura, abrigando produtos químicos variados. “Quando o lixão foi aberto, não havia nenhuma técnica de controle e gerenciamento do que se depositava ali”, lembra Ellert. Faltaram também medidas preventivas. “Não se acompanhou o desenvolvimento populacional, que era pequeno na época. Mas o fato é que o lixão acabou invadindo as áreas próximas.” Os resíduos foram sendo colocados ao longo das estradas e também de maneira esparsa nas áreas periféricas.

Por isso, para os levantamentos e análises a região foi dividida em três áreas: Pilão 1, o antigo lixão, Pilão 2, que são os terrenos vizinhos invadidos pelo lixão, e Pilão 3, trecho que faz divisa com o município de São Vicente. Os depósitos mais perigosos, por sua quantidade e concentração, estão localizados às margens do Rio Cubatão, que corta todas as áreas.

Clorobenzeno
As primeiras conclusões sobre o que pode ou não ser feito em Cubatão já estão definidas. Por exemplo, a simples desocupação da área não resolve o problema. Está igualmente contra-indicada a remoção do material depositado. Os cuidados com manejo de massa verde e técnicas avançadas de avaliação são cruciais: qualquer acúmulo que seja carregado, por água de chuva ou por movimentações causadas pela abertura de estradas ou de construções clandestinas, pode descer para o Rio Cubatão, cuja água é captada pela Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (Sabesp) para abastecer cerca de 2 milhões de habitantes fixos da Baixada Santista.

Além de todos os cuidados com o movimento de pessoas, os serviços de monitoramento levam em conta os fatores climáticos do lugar, quente, úmido e chuvoso. “A atividade biológica ali é muito grande, o que favorece os processos de biodegradação e de fixação da vegetação superficial, evitando a dispersão de particulado (como o pó que se desprende do solo em tempo seco ou por lixiviação em tempo chuvoso)”, explica Ellert. Mexer nesse material seria abrir a porta para um sem-número de efeitos.

A prova das migrações de partículas está nos laudos que mostram, nas águas subterrâneas, baixas concentrações de metais, como chumbo e cromo, e de hexaclorobenzeno, composto orgânico semivolátil. Também constatou-se a presença, em concentrações altíssimas, de compostos voláteis como diclorobenzeno, clorobenzeno, tricloroeteno, dicloroeteno e cloreto de vinil.

As amostras de clorobenzeno, por exemplo, estão muito acima do limite. Enquanto a legislação estabelece como limite a concentração de 0,1 a 3,0 miligramas por litro (mg/l), os poços de monitoramento perfurados indicam a presença de água com taxas acima desses valores (de 6,0 a 170 g/l). Nas análises da massa bruta foram encontrados oito tipos de resíduos derivados de metais tóxicos. Nas avaliações feitas pela Hidro Ambiente, tendo como base o grau de exposição da população local aos fatores de risco, constatou-se serem críticos os níveis de mercúrio, cromo e cianeto encontrados no nível do solo superficial e nas águas subterrâneas.

Longo trabalho
Uma demanda judicial da ordem de US$ 200 milhões forçou a entrada da Hidro Ambiente na história, com um processo instaurado em 1982 com base numa ação civil pública contra as 33 indústrias da região representadas pelo Centro de Integração Empresarial (Ciesp) da Baixada Santista, ligado à Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp). Depois de várias representações, que alongaram os prazos da demanda, em 1997 o Ciesp contratou a Hidro Ambiente para que fosse feita uma espécie de inventário dos resíduos acumulados.

“Todo material encontrado na região, por mais incorporado que esteja ao meio ambiente pelo tempo em que ficou conservado, pode se tornar muito perigoso numa eventual manipulação”, analisa Ellert. “Se entramos na área e manejamos os resíduos com máquinas, vamos liberar uma quantidade enorme de resíduos acumulados, provocando reações químicas certamente incontroláveis.” Em resumo, escavar o solo da área do antigo lixão, para deixá-lo livre de resíduos químicos, seria pôr em movimento uma montanha de riscos.

Além de novos métodos, a equipe da Hidro está munida de um velho ingrediente: paciência. “Deve-se ter consciência de que decisões quanto à necessidade de medidas de remediação devem ser feitas à luz de um contexto social e político”, diz Ellert. Ele espera uma postura mais aberta do próprio meio científico, que, ao dar a conhecer à sociedade os seus métodos e resultados, pode orientar o debate em qualquer plano das ciências ambientais.

Perfil:
Nelson Ellert , 61, professor titular do Instituto de Geociências-USP, é geólogo, formado pela USP. Fez doutorado e livre-docência também na USP. Especializou-se na área de Engenharia Geofísica no Institut Français du Pétrole, na França.

Projeto
Desenvolvimento de Tecnologia para Avaliação de Riscos Ambientais de Locais com Solos e Águas Subterrâneas Contaminadas (nº 97/07235-9); Modalidade Pesquisa Inovativa em Pequenas Empresas – PIPE; Coordenador Nelson Ellert; Investimento R$ 225.700,00

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