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Wilson Bueno

O jornalismo em tempos de Xylella

Ampla cobertura mostrou que a boa ciência é sempre notícia

O seqüenciamento completo do genoma da bactéria Xylella fastidiosa representa, efetivamente, um marco da ciência brasileira. Para os jornalistas e pesquisadores voltados para a divulgação da ciência, as conquistas relevantes deste Programa não se encerram, porém, no campo da investigação científica. A amplitude do noticiário associado a esse feito extrapolou os limites geralmente tímidos que cercam a cobertura da ciência e da tecnologia no Brasil, comprovando a tese de que a boa ciência será (ou deveria ser) sempre notícia.

Centenas de notas, reportagens e, inclusive, editoriais dos nossos principais veículos impressos e horas de divulgação no rádio e na TV proclamaram ruidosamente a conquista brasileira. A cobertura não se restringiu aos veículos do eixo Rio/São Paulo ou a alguns poucos jornais que, tradicionalmente, dedicam espaço às questões de C e T, mas se estendeu a todo o país, com resultados positivos para a afirmação da nossa real (mas nem sempre reconhecida e divulgada) competência científica.

A cobertura teve o mérito de reforçar alguns atributos importantes da produção da ciência e da tecnologia contemporâneas. Em primeiro lugar, evidenciou a importância da pesquisa científica e sua relação estreita com o nosso desenvolvimento econômico e sócio-cultural. Em segundo lugar, destacou a necessidade e a relevância do trabalho em equipe, da articulação indispensável entre pesquisadores e áreas de conhecimento, dado fundamental porque a história da ciência, contada pelos livros didáticos (e pela mídia), continua privilegiando heróis e ações isoladas. Em terceiro lugar, mostrou que a ciência e a tecnologia de vanguarda, porque complexas e caras, requerem patrocínio e financiamento, de onde emerge a responsabilidade do poder público e a vontade política de eleger a produção de C e T como prioridade nacional.

Em quarto lugar, de maneira inequívoca, registrou a apaixonante aventura da atividade científica. A emoção e o entusiasmo dos pesquisadores e da própria direção da FAPESP contaminaram os veículos e, desta forma, títulos como “vitória da ciência”, “rara façanha” e “descoberta revolucionária” foram muito comuns.Uma vitória importante, porque, geralmente, cientistas e jornalistas têm sido cúmplices no processo de divulgação, caracterizando a produção de ciência e tecnologia como mero fruto da razão e do intelecto. Isso talvez explique a visão estereotipada que os jovens (e a opinião pública) têm do mundo da ciência, definido como frio, relegado a senhores de barbas brancas, cabelos espetados, irritadiços e sorumbáticos.

As jovens pesquisadoras paulistas romperam certamente esses velhos paradigmas e isso foi bom para a ciência e para o jornalismo científico. Finalmente, a divulgação do Programa Genoma-FAPESP reforçou mais uma vez a tese, por nós amplamente defendida, de que os centros geradores e financiadores de C e T precisam cultivar uma cultura de comunicação. É fundamental, como fez a FAPESP e os seus pesquisadores, assumir um compromisso com a partilha do conhecimento, democratizando o acesso da população às descobertas científicas e às inovações tecnológicas. Urge capacitar as fontes para a interação com o público e, em especial, com os jornalistas, mediadores importantes nesse processo complexo de decodificação do discurso especializado da ciência.

A praga do amarelinho, que destrói os nossos laranjais, fez, por tudo isso, um bem enorme para o jornalismo científico brasileiro.

Wilson Bueno é professor da ECA/USP e jornalista.

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