“A contribuição de Johanna Döbereiner para a Ciência e o Brasil foi de um nível invulgar e por isso teve amplo reconhecimento internacional”. Essa é a opinião de seu colega e amigo, o geneticista Crodowaldo Pavan. Alquebrada nos últimos anos e por insuficiência respiratória, Döbereiner faleceu no dia 5 de outubro, aos 75 anos, em Seropédica, interior do Rio de Janeiro, no mesmo lugar em que há décadas morava e trabalhava, no Centro Nacional de Pesquisa de Agrobiologia da Embrapa.
Por diversas razões o prestígio dessa cientista ultrapassou as fronteiras do país. Suas pesquisas abriram caminhos para o desenvolvimento de nossa agropecuária, notadamente da cultura da soja, a tornando mais racional. Ela demonstrou que, na sojicultura no Brasil, era possível recorrer-se a certos tipos de bactérias que fixam o nitrogênio, dispensado o adubo mineral, caro e nocivo ao meio ambiente. Com isso, o Brasil tem economizado anualmente cerca de US$ 1 bilhão.
Para a implantação desse processo, Döbereiner enfrentou sérias resistências. Isto porque, quando a soja começou a ser introduzida no Brasil, seguia-se a experiência dos Estados Unidos, onde a aclimatação e o melhoramento genético da soja foi realizado com o elevado uso, e até abuso, da adubação nitrogenada. A firmeza em torno de sua tese – segundo ela confessou – entre outras coisas, partiu de sua curiosidade ante o fato “estranho” de certas plantas no Brasil – como a grama-batatais e a cana-de-açúcar – permanecerem verdes e viçosas, sem que ninguém as adubasse com nitrogenados.
Johanna nasceu na Checoslováquia, em 1924, na cidade de Aussig. Sua família vivia em Praga, pois seu pai trabalhava na Universidade Alemã dessa capital. Mas, desde menina, ela envolvia-se com as lidas na agricultura. Só depois da guerra, aos 21 anos, é que, nos escombros de uma Europa destruída e dilacerada, ela pode iniciar uma vida normal. Vai para Munique e se matricula numa escola de Agronomia, graduando-se em 1950. No mesmo ano, casa-se com Jurgen Döbereiner, seu companheiro para sempre.
Seus familiares não querem e nem podem viver na Alemanha. Não conseguem imigrar para os Estados Unidos e amigos facilitam a vinda para o Brasil. Aqui chega em 1950 e naturaliza-se brasileira em 1956. Ela conta: “Escolhi o Brasil porque queria fazer deste país a minha pátria”. No Rio de Janeiro, procura emprego e já havia traçado seu futuro – um lugar no Serviço Nacional de Pesquisa Agropecuária. Consegue o que desejava com muito custo, pois chegou a propor trabalhar ali sem nada receber. Esse foi o inicio de sua formação científica, ocorrida quase toda no Brasil, pois só posteriormente estudou e pesquisou no exterior. Durante mais de 40 anos dedicou-se com paixão ao seu trabalho, pois este era a motivação de sua vida.
Seu currículo é uma coleção infindável de informações: membro de três Academias de Ciências – da Brasileira, do Vaticano e do TerceiroMundo; mais de 350 artigospublicados em revistas internacionais e brasileiras; orientação e supervisão de dezenas de estudantes de graduação e pós-graduação brasileiros e estrangeiros; conferencista em mais de 60 seminários internacionais; diversos prêmios, como o Bernardo Houssay (OEA, Agricultura, 1979), Unesco (1989), Frederico Menezes Veiga (Embrapa, 1976), Ciência e Tecnologia do México (1992); condecorada por inúmeros governos, como o do Brasil e da Alemanha; doutoraHonoris Causa de várias universidades do mundo; consultora de muitas organizações brasileiras e internacionais.
O que ela fez, assim como as indicações que deixou, comprovam a capacidade dos cientistas brasileiros em avançar no conhecimento dos mistérios da agricultura tropical, área em que no mundo estamos num patamar invejável. Tal é a lição que retiramos do trabalho de Johanna Döbereiner.
Marco Antônio Coelho , jornalista – editor executivo da revista Estudos Avançados do IEA/USP
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