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Física

Pesquisa multimídia

Com TV, rádio e um laboratório sobre rodas, cientistas levam a óptica e a fotônica para mais perto da população

Vanderlei Bagnato durante aula transmitida pela NET de São Carlos e região: objetivo de alcançar todos os públicos da forma mais eficiente possível

MIGUEL BOYAYANVanderlei Bagnato durante aula transmitida pela NET de São Carlos e região: objetivo de alcançar todos os públicos da forma mais eficiente possívelMIGUEL BOYAYAN

Muitos agitadores culturais Brasil afora, se conhecessem de perto o trabalho do físico Vanderlei Bagnato, provavelmente morderiam os lábios de inveja. Descontando-se o tempo nada negligenciável que o pesquisador do Centro de Pesquisa em Óptica e Fotônica (CePOF) dedica ao estudo das propriedades contra-intuitivas do mundo quântico ou às aplicações tecnológicas que podem derivar delas, ele e seus colegas também arrumam tempo para tocar um canal de TV com programação diária, produzir drops de divulgação científica que vão ao ar numa das rádios sertanejas mais ouvidas na região de São Carlos, no interior de São Paulo, e transformar parte do shopping da cidade numa exposição interativa sobre os princípios e as descobertas da ciência óptica.

Alguns dedos de prosa com Bagnato são suficientes para entender como ele lida com tantas demandas ao mesmo tempo. As várias atividades de divulgação do CePOF integram uma estratégia montada especificamente para levar a divulgação científica a todos os tipos de público. Daí a ênfase nos veículos de comunicação de massa, explica Bagnato. “Não queremos deixar ninguém de fora”, conta ele. O público-alvo começa pelas crianças em idade pré-escolar, passa pelos estudantes de nível médio e fundamental e chega até o cidadão comum. “Mesmo no caso dos alunos de nível superior existe uma demanda muito grande pela compreensão da ciência básica – até estudantes de engenharia muitas vezes têm dificuldades nisso”, diz. “Queremos alcançar todos esses públicos da forma mais eficiente possível.”

Com esse objetivo abrangente, não era preciso quebrar muito a cabeça para fazer da TV um dos alvos prioritários. Por mais surpreendente que isso possa parecer, a equipe do CePOF – que é integrado por pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP) em São Carlos, da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e do Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares (Ipen) – não teve dificuldades para conseguir espaço no canal 25 da operadora de TV a cabo NET em São Carlos. “Eles sempre foram muito abertos conosco, e hoje temos o canal comunitário integralmente para a nossa programação”, diz Bagnato. Não é só força de expressão: trabalhando desde o ano 2000, a equipe hoje exibe cerca de oito horas diárias de programação (descontando-se os fins de semana), que chega a telespectadores num raio de cerca de 50 quilômetros ao redor de São Carlos.

Sem medo de errar
Além da programação gravada, a familiaridade da equipe com as tecnologias de fibra óptica permite também transmissões ao vivo dos mais variados eventos – o canal exibe até a missa dominical celebrada numa paróquia vizinha ao campus são-carlense da USP. Bagnato é bastante franco quanto às dificuldades de dominar a linguagem televisiva. “A gente aprende por tentativa e erro mesmo, e ainda está errando”, afirma. Mas parece que tem funcionado: após um de seus programas, uma aula de física na TV em 25 lições, voltado para o público que está começando o curso universitário, Bagnato recorda ter sido abordado na rua por uma dona-de-casa, muito satisfeita por ter aprendido por que empurrar um guarda-roupa muito em cima ou muito embaixo do móvel dificulta a tarefa de mudá-lo de lugar.

Ao longo do último ano, a equipe produziu cerca de um programa novo por dia. Muitos deles têm valor perene, assim como as aulas de física ministradas por Bagnato. O programa Na trilha dos cientistas é uma biblioteca audiovisual, com 18 biografias de pesquisadores de importância histórica, do grego Arquimedes ao dinamarquês Niels Bohr, pioneiro da mecânica quântica. Com uma hora de duração, as biografias proporcionam uma visão abrangente da vida e obra dos personagens-título.

Mais ágil, a série Vida & ciência tem vídeos curtos, com duração entre 5 minutos e 15 minutos, ideais para a aplicação em sala de aula para o ensino fundamental e médio. Os temas são variados, da estrutura do sistema solar ao cérebro humano. Educadores e alunos podem tomar emprestadas ambas as coleções na biblioteca do Instituto de Física de São Carlos, da USP, no Centro de Divulgação Científica e Cultural (CDCC) e em locadoras da cidade.

O sistema de transmissão também é ágil o suficiente para transmitir, ao vivo, palestras de interesse científico, inclusive envolvendo ganhadores do Nobel de várias áreas que visitaram São Carlos. “Mesmo quando a palestra é em inglês, se um estudante de física puder assistir à fala de um Nobel, já estamos no lucro”, afirma Bagnato.

De olho no público regional, que muitas vezes tem pouco espaço para temas de interesse local na TV aberta, o canal 25 criou os programas Nossa gente e Conhecendo São Carlos. A idéia, explica Bagnato, é usar personagens da cidade – de professores universitários a sapateiros – para contar a história do desenvolvimento regional, em especial como São Carlos se tornou um pólo acadêmico e tecnológico no estado.

Planos para ampliar a programação de divulgação científica já estão sendo formulados. O mais ambicioso talvez seja o de um programa que deve receber o nome de Maravilhoso mundo quântico, apresentado por Bagnato e usando estratégias visuais atraentes para explicar como funciona esse lado contra-intuitivo e aparentemente amalucado da física, ligado a fenômenos na escala dos átomos e das partículas fundamentais. Outro projeto é mostrar como avanços nas ciências ópticas estão mudando a medicina, as telecomunicações e até a engenharia civil, de forma que os profissionais dessas áreas consigam acompanhar esses desdobramentos. “Para muitos, seria uma espécie de curso de reciclagem, já que é comum engenheiros terem de lidar com instalações de fibra óptica sem ter uma noção clara de como ela funciona”, diz Bagnato.

A equipe do CePOF está numa posição privilegiada para contextualizar esses avanços, uma vez que o trabalho acadêmico de seus 43 pesquisadores membros (contando apenas os que trabalham no centro em regime de dedicação exclusiva) tem aberto novas janelas tanto para o mundo quântico quanto para as aplicações tecnológicas da óptica.

Bagnato e seus colegas, por exemplo, foram os primeiros cientistas da América Latina a produzir em laboratório o chamado condensado de Bose-Einstein – uma condição bizarra da matéria superfria na qual vários átomos se comportam como se fossem um único grande átomo. (O nome honra tanto o físico alemão Albert Einstein, que previu a existência do condensado, quanto o físico indiano Satyendra Bose, cujos trabalhos também contribuíram para a previsão teórica desse estado.) Os pesquisadores também criaram recentemente o Atomotron, apelido dado por eles ao menor colisor de partículas do mundo (e também o que funciona com menos energia), medindo apenas 0,5 mm de raio. Composto por átomos do elemento rubídio ultra-resfriados com a ajuda de feixes de laser, o Atomotron ajuda a equipe a estudar as colisões atômicas que dão origem às moléculas. “Os átomos são frios, mas a área de pesquisa é quente”, brinca Bagnato. No campo aplicado, o CePOF tem sido pioneiro no uso de feixes de luz no tratamento do câncer, com resultados promissores.

Em última instância, a equipe quer transmitir seus programas em rede nacional, por meio de parcerias. “Em 2005 e no começo de 2006, parte de nossa programação foi retransmitida pela TV Senado”, conta o jornalista Kleber Jorge Savio Chicrala, membro da equipe do CePOF que se reveza com Bagnato na direção e apresentação dos programas do canal 25. Hoje a estimativa de audiência fica em torno de 2.500 telespectadores por semana.

Galileu

REPRODUÇÃOGalileuREPRODUÇÃO

Enquanto o desejo não se concretiza, os pesquisadores do CePOF aproveitam para dar seu recado num meio mais tradicional, os jornais impressos. As principais publicações diárias da região de São Carlos costumam abrigar artigos da equipe com biografias de cientistas (uma espécie de versão em papel dos programas de TV) ou abordando os debates que representaram mudanças de paradigma na história da ciência. No último caso, é um jeito de mostrar para o público que o conhecimento só avança com a troca livre (e às vezes acalorada) de opiniões.

Ciência sertaneja
Kleber Chicrala também coordena uma das experiências de divulgação científica mais interessantes do CePOF: vinhetas com duração de dois a três minutos veiculadas pela emissora de rádio DBC FM, de Ibaté – a mais ouvida na região pelo público que aprecia música sertaneja. Entre o tradicional slogan da emissora – “rádio carinho, rádio amor” – e músicas de astros sertanejos como Bruno e Marrone, conceitos básicos de ciência são apresentados no formato de curiosidades.

O jornalista conta que a intenção da equipe foi mesmo atingir o público mais popular possível. “Queríamos falar com a massa, com as pessoas mais humildes, e descobrimos que as outras rádios da região, que tocampop rock, não eram ouvidas por esse público”, conta Chicrala. Os drops sempre partem do cotidiano das pessoas: “Para falar sobre nanotecnologia, por exemplo, começamos com a invenção do tijolo”. A experiência está há dois anos no ar, e ligações de ouvintes com sugestões de novos temas ou elogios são constantes, segundo o jornalista, que dirige e apresenta o programa. Cerca de mil ouvintes acompanham os drops semanalmente, segundo estimativas da emissora.

Uma iniciativa totalmente diferente, que envolve um corpo-a-corpo bem maior com o público-alvo da divulgação científica, é o projeto Educando sobre as Águas, feito em parceria com a organização não-governamental (ONG) ambientalista Mãe Natureza. Os pesquisadores equiparam um ônibus (fornecido pela ONG) com módulos educativos e basicamente puseram o pé na estrada em cidades da bacia do médio Tietê, que são o público-alvo do laboratório-museu sobre rodas. O ônibus já passou por 129 localidades, atendendo, segundo as contas do CePOF, cerca de 20 mil alunos de escolas públicas.

Usando como gancho a questão da conservação, crucial numa bacia hidrográfica tão maltratada quanto a do Tietê, o objetivo do ônibus é traçar uma visão multidisciplinar da água. Há espaço para as características físico-químicas do líquido, para o papel da água na origem dos seres vivos e sua importância na produção de energia elétrica. Os estudantes também passam a conhecer a fauna de peixes do Tietê e problemas como a poluição e a perda da mata ciliar e recebem uma cartilha resumindo o que aprenderam com a visita do ônibus.

Em geral são as escolas que se inscrevem no programa. Depois de algum tempo de experiência, a equipe já aprendeu quais truques funcionam para capturar a atenção de sua exigente audiência. “Quando os participantes são crianças mais novas, primeiro a gente distribui bexigas e balas para que elas fiquem quietinhas e falamos um pouco fora do ônibus”, conta Bagnato. Depois elas podem entrar no laboratório ambulante, observar maquetes e usar aparelhos como microscópios – entre 15 e 20 crianças podem explorar os recursos didáticos do ônibus de cada vez. A iniciativa guarda semelhanças com outra investida do CePOF no público infantil, a chamada Entomóptica. Nesses eventos as crianças de escolas públicas e privadas recebem material didático e aparelhos para observar de perto o mundo dos insetos, ao mesmo tempo que aprendem noções de conservação ambiental.

Apesar dos bons serviços prestados, o ônibus do projeto deve parar de circular em breve, tornando-se parte integrante do Museu do Tietê, em São Paulo. Para substituí-lo, Bagnato já planeja um “circo da ciência”, em formato itinerante, que poderia ser criado em parceria com outros Cepids, como o Centro de Estudos do Genoma Humano, com sede no campuspaulistano da USP, e o Centro de Biotecnologia Molecular Estrutural, também sediado em São Carlos.

Albert Einstein

ReproduçãoAlbert EinsteinReprodução

Óptica no shopping
Desde 1996, toda terceira semana do mês de agosto significa uma parada nas atividades de pesquisa dos integrantes do CePOF em São Carlos. Parada na pesquisa, bem entendido, mas não no trabalho: é a época do ano em que Bagnato e seus companheiros organizam a Semóptica, que começou com 400 participantes e hoje recebe mais de 3 mil pessoas no campus da USP.

O evento, aberto para alunos do ensino médio e também para a participação de graduandos e pós-graduandos, inclui desde palestras em estilo mais tradicional quanto verdadeiras aulas-show. Certa vez, por exemplo, ao escolher o tema “Einstein e a óptica”, Bagnato teve a chance de demonstrar a descoberta do efeito fotoelétrico, considerado pelo próprio gênio o mais interessante trabalho seu durante o chamado annus mirabilis (ano maravilhoso) de 1905, no qual Einstein fez uma série impressionante de descobertas seminais. (Nunca é demais lembrar que o efeito fotoelétrico, no qual as partículas de luz são capazes de induzir a emissão de elétrons num material, é a chave para inúmeras tecnologias modernas, como painéis solares e câmeras digitais, daí seu interesse para o público em geral.)

A Semóptica culmina com a montagem de um show room no shopping da cidade, trazendo as principais pesquisas do CePOF e experimentos como o do efeito fotoelétrico. A estimativa dos organizadores é que cerca de 4.500 pessoas visitem os estandes ao longo dos dois dias (sexta e sábado) de exposição. Embora a óptica (com o uso de lasers, por exemplo) seja uma ferramenta muito apropriada para deslumbrar os espectadores, Bagnato diz que o foco é sempre no potencial de aprendizado das mostras, e não no seu lado de espetáculo. “Experimento que faz sucesso é o experimento que as pessoas conseguem entender”, ensina ele. Pensando bem, eis um ótimo lema para quase qualquer iniciativa de divulgação científica.

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