Imprimir PDF Republicar

Resenhas

História do estruturalismo, 2 volumes (caixa)

Se o programa estruturalista perdeu o seu brilho, é urgente avaliar sua riqueza

François Dosse Edusc, 1.088 páginas, R$ 110,00

Numa época caracterizada pelo que tem sido chamado de pós-estruturalismo, é surpreendente que a História do estruturalismo seja um daqueles livros que, quando se começa a ler, é difícil de parar. A sinopse do enredo da ascensão e queda desse movimento, que marcou a cena intelectual francesa nos anos 1950 e 60, é bem conhecida. Apesar da diversidade dos protagonistas envolvidos e da lógica singular a cada uma das disciplinas, a busca do rigor científico e de um método eficaz, como o das ciências exatas, consagrou um programa voltado para o desvendamento de estruturas subjacentes às aparências mutáveis dos fenômenos sociais. O determinismo das estruturas levou à dissolução do sujeito e ao banimento da história do universo das análises então empreendidas.

Nos moldes do reverso da fortuna, esses domínios que ficaram de fora do estruturalismo ganham, a partir dos anos 1970, uma atenção renovada; “intertextualidade”, “desconstrução” e o desafio de “articular ação e estrutura” são expressões marcantes do movimento teórico contemporâneo, empenhado em redesenhar novas abordagens enfaticamente definidas em contraposição ao estruturalismo. A aventura estruturalista apresentada por Dosse, ao oferecer uma viagem ao coração da intelectualidade francesa no pós-guerra, sofistica qualquer visão apressada desse movimento.

O livro começa com Sartre, objeto privilegiado da crítica empreendida pela revolução estruturalista. O papel revolucionário dos então jovens intelectuais ganha vida através do traçado cuidadoso dos itinerários percorridos por figuras mais ou menos proeminentes no que era então tido como “um corte epistemológico radical”. As imagens são inesquecíveis. A Sorbonne nos anos 1950 é uma espécie de Bastilha inexpugnável e por isso a revitalização cultural terá que seguir roteiros sinuosos. Nova York é o lugar decisivo da elaboração de uma antropologia estruturalista, graças ao encontro de Lévi-Strauss com o seu colega, o lingüista da New School Roman Jakobson, que, exilado como ele, dá aulas de fonologia estrutural em francês. É em Alexandria, no Egito, que Barthes encontra Greimas, que, decepcionado por não achar a grande Biblioteca, aconselha o colega, em pleno deserto, a ler Saussure e Hjelmslev. Vemos como foi longo o caminho traçado por Lacan até chegar nos Écrits e retumbante a entrada da jovem búlgara Julia Kristeva em Paris, na véspera do Natal de 1965, com apenas US$ 5 no bolso. Quem poderia hoje imaginar que Foucault verteu lágrimas ao tomar conhecimento da morte de Stalin?

Em dois grandes volumes, com mais de mil páginas, a análise de livros e artigos ganha corpo e alma com o material levantado pelas 110 entrevistas, nas quais a trajetória dos personagens centrais dessa reviravolta cultural é esmiuçada. Apesar de boa parte dos intelectuais terem depois evitado o qualificativo estruturalista, jurando com fervor que de fato nunca o foram, esse foi um movimento tão ativo na derrubada de fronteiras a tal ponto de o treinador da seleção francesa de futebol anunciar, na década de1960, uma reorganização “estruturalista” da equipe a fim de melhorar seus resultados.

Aprendemos com esse livro que fazer uma história do mundo intelectual não é se deter exclusivamente na análise interna das obras publicadas, mas é preciso levar em conta o amplo contexto histórico e compreender as configurações específicas do campo intelectual em que se movem disciplinas como filosofia, ciências sociais, psicanálise, crítica literária, lingüística, história e economia e seus praticantes.

Se o programa estruturalista perdeu o seu brilho, é urgente avaliar sua riqueza para compreender os desafios teóricos do presente. Olhar para o passado é uma forma de ampliar os horizontes futuros.  Um livro que é uma referência indispensável aos interessados na história intelectual das humanidades.


Guita Grin Debert é professora de antropologia da Unicamp.

Republicar