Imprimir PDF Republicar

Andrew Simpson

Andrew Simpson

Bioquímico diz que genoma humano está ajudando a desenvolver um novo leque de terapias

Simpson: pesquisa de drogas, anticorpos e vacinas contra o câncer

Simpson: pesquisa de drogas, anticorpos e vacinas contra o câncer

Nos próximos anos o tratamento do câncer será feito de forma semelhante à abordagem hoje empregada com sucesso contra a Aids. Não haverá uma cura universal, mas um leque de terapias desenvolvidas a partir do conhecimento genômico – pequenas drogas de consumo oral, anticorpos que acionam as defesas do organismo e vacinas terapêuticas – que deverão ser utilizadas de maneira combinada de acordo com as particularidades de cada paciente. Assim como a Aids deixou de ser sinônimo de uma sentença de morte imediata e se tornou uma doença crônica, controlável em razão da adoção do chamado coquetel de remédios antivirais, o câncer deverá seguir esse mesmo caminho. Isso começará a acontecer assim que as novas terapias, que estão sendo concebidas para atuar de forma mais específica contra os tumores, se mostrem eficientes e seguras.

Essa é a visão geral do bioquímico Andrew Simpson, diretor científico do Instituto Ludwig de Pesquisas sobre o Câncer, em Nova York, a respeito de como será o combate da doença. Simpson, que viveu no Brasil durante anos e foi o principal coordenador dos projetos de seqüenciamento do genoma da bactéria Xylella fastidiosa e do Genoma Humano do Câncer-FAPESP, fez palestra no dia 8 de junho como parte da programação cultural da exposição Revolução genômica. A iniciativa brasileira foi o segundo projeto científico do mundo que mais forneceu dados sobre tumores para o banco público internacional de seqüências genômicas. Simpson falou sobre o tema “Aspectos genômicos do câncer”. O pesquisador acredita que o avanço do conhecimento genômico sobre os tumores vai fornecer alvos mais específicos que poderão ser atacados por novas terapias. Disse que grande parte do trabalho dos cientistas de sua área consiste hoje em procurar por genes alterados ou que se mostram excessivamente expressos (ativados) em tecidos tumorais, mas que se mantêm silenciosos ou pouco ativos em tecidos normais do corpo humano. “Queremos desenvolver moléculas reagentes e drogas contra esses alvos”, afirmou.

Antes de falar das três linhas de pesquisa que julga mais promissoras, Simpson fez uma avaliação de como se combate a doença atualmente. “Sabemos que até agora o câncer é tratado principalmente por meio de cirurgia, rádio e quimioterapia. A cirurgia cura o câncer quando você retira o tumor precocemente. A rádio e a quimioterapia têm sua importância inquestionável”, salientou. “Mas não são tratamentos focalizados no tumor. Eles têm efeito generalizado e, por causa disso, também muitos efeitos colaterais. Infelizmente, poucas vezes acabam com a doença. Prolongam a vida, mas não são a resposta final.” Em razão dessas limitações, a meta da pesquisa de ponta é desenvolver drogas e terapias com efeitos específicos, focalizados, nos tumores.


Drogas desenhadas

Em meio ao arsenal de novas terapias que estão sendo pesquisadas em laboratórios de todo o mundo, Simpson falou primeiramente da procura por drogas, semelhantes à aspirina, que poderiam ser tomadas por via oral e interagiriam diretamente com os tumores. Tecnicamente em inglês esse tipo de medicamento é denominado targeted low molecular weight drugs. “Para esse tipo de medicamento, procuramos moléculas de sinalização que, dentro da célula, tenham a capacidade de mandá-la se reproduzir, migrar, invadir a que transmite informação”, exemplificou. “Procuramos moléculas desse tipo, ou seus genes, melhor dizendo, que se encontram mutados ou superexpressos dentro do tumor.”

O pesquisador explicou que há duas maneiras para definir genes-alvos para a atuação desse tipo de droga. Uma delas, os microarranjos de DNA, já é bastante utilizada. Trata-se basicamente de colocar pedaços de DNA em placas. Muitas dessas placas têm milhares de pontos de DNA, cada um representando um gene diferente. Com os microarranjos é possível medir concomitantemente os níveis de expressão (ativação) de muitos genes em tecidos sadios e com câncer. “Só conseguimos fazer isso porque temos o conhecimento da seqüência dos genes humanos”, comentou. A outra forma é usar a tecnologia do RNA de interferência, ou simplesmente RNAi, que valeu o Prêmio Nobel de Medicina de 2006 para seus descobridores. A técnica permite anular a ação do gene, como se ele não existisse ou não estivesse mais funcional, num organismo. “É uma maneira de suprimir a expressão de gene sem usar uma droga, mas simplesmente com o auxílio de uma pequena molécula genética”, explicou. “É um método altamente específico, no qual escolhemos os genes em que queremos atuar.”

Já há medicamentos desse tipo no mercado, desenvolvidos por empresas farmacêuticas. O primeiro e mais famoso deles é o Gleevec (ou Glivec), que foi lançado pela Novartis nos Estados Unidos em 2001. A droga foi especialmente desenhada para neutralizar o defeito genético que causa a leucemia mielóide crônica (LMC). Posteriormente, seu uso foi ampliado para outros tipos de câncer, como o linfoma gástrico. “Ele está prolongando em muitos anos a vida de muitas pessoas”, afirmou. “O problema é que, depois de 3 ou 4 anos, o tumor desenvolve resistência ao medicamento. Precisamos então de um segundo e de um terceiro medicamento. O segundo já foi desenvolvido e no futuro vamos utilizar os dois juntos. Provavelmente, dessa forma, vamos estender a vida dos pacientes por uma década em vez de alguns anos.”

A segunda abordagem que deve contribuir com novos tratamentos contra o câncer usa o sistema imunológico do próprio corpo para lutar contra os tumores. Simpson explicou que os anticorpos, as células de defesa do organismo, normalmente atacam doenças infecciosas, mas também têm a habilidade de combater, se reconhecerem como estranhos, tecidos inteiros. “Queremos aproveitar essa capacidade de rejeição para rejeitar o tumor”, disse. Uma maneira de fazer isso é construir anticorpos, modificá-los para parecerem com as defesas normais do corpo humano e introduzi-los no paciente. “Procuramos moléculas na superfície das células que estão superexpressas ou mutadas.”

Essa linha de pesquisa, que trabalha com os chamados anticorpos monoclonais, também já rendeu alguns produtos comerciais ao mercado. O Herceptin, uma droga do laboratório Roche destinada ao combate de alguns tipos agressivos de câncer de mama, é, por exemplo, um representante dessa nova forma de combater tumores. O Erbitux, das empresas Merck e Bristol-Myers Squibb, é um anticorpo monoclonal receitado contra o câncer de cólon e pulmão. A droga age contra uma proteína expressa por tumores em crescimento chamada EGFR (epidermal growth factor receptor).

Simpson salientou que o Instituto Ludwig tem grande experiência nessa nova abordagem terapêutica. Desenvolveu sete anticorpos monoclonais e conta com uma unidade de produção desse tipo de molécula em Melbourne, Austrália. “Um dos primeiros anticorpos produzidos no mundo foi desenvolvido pelo diretor que me antecedeu no instituto, o doutor Lloyd Old, em seu laboratório no Memorial Sloan-Kettering, de Nova York”, comentou. Originários de roedores, os anticorpos precisam ser “humanizados” para que possam ser usados como drogas destinadas às pessoas. A primeira etapa do trabalho consiste em modificar parte do anticorpo de murídeos por meio da introdução de seqüências idênticas de um anticorpo humano. “Se não fazemos isso, o paciente vai reconhecer esse anticorpo como uma coisa estranha ao seu sistema de defesa e vai montar uma resposta imunológica contra ele, reduzindo assim sua eficácia”, explicou.

Um dos desafios dos pesquisadores é mostrar que o anticorpo realmente funciona contra o tipo de tumor para o qual foi desenhado. Simpson ilustrou esse ponto falando de um anticorpo que se liga com uma molécula EGFR mutada num tipo de câncer de cérebro. “Aqui vemos tecidos normais, aqui vemos tecidos de câncer de cérebro onde há uma superexpressão do alvo EGFR e aqui temos o EGFR mutado”, explicou o pesquisador, mostrando slides à platéia que assistia à palestra. “O anticorpo contra a forma normal do alvo se liga em todos os tecidos. Já o anticorpo específico para a mutação só se liga ao tecido quando houver a mutação. Nosso anticorpo foi muito bem desenhado e identifica quando a proteína está superexpressa e também mutada (alterada).” Em testes com roedores foram obtidos bons resultados no controle de glioblastomas (tumores de cérebro) usando dois anticorpos, em vez de um.

Quatro dos anticorpos monoclonais desenvolvidos pelo Ludwig já foram licenciados, um deles para a empresa brasileira de biotecnologia, a Recepta Biopharma. “Vocês podem perguntar o que isso tem a ver com os projetos genômicos feitos no Brasil e a resposta é esta: quem montou essa empresa foi o próprio José Fernando Perez”, disse Simpson. “E eu tenho a honra de estar no conselho da empresa.” O físico Perez foi diretor científico da FAPESP no 1993 a 2005, quando incentivou projetos na área genômica. O anticorpo monoclonal hu3S193, com potencial para tratar câncer no ovário, reconhece o antígeno Y (LeY), que tem acentuada expressão em tecidos de tumores. O candidato a droga já está sendo testado em humanos.

Molécula do Herceptin: anticorpo monoclonal contra câncer de mama

Molécula do Herceptin: anticorpo monoclonal contra câncer de mama

Vacinas terapêuticas
Por fim, Simpon abordou em sua apresentação a terceira grande linha de pesquisas que pode gerar novas terapias contra o câncer: as vacinas terapêuticas. “Essa é a parte que mais me anima”, afirmou. Não se trata de uma vacina para não desenvolver tumores, mas para estimular uma resposta do sistema imunológico para que as próprias defesas do organismo ataquem o câncer presente num organismo. “Ainda não chegamos a esse objetivo, mas estamos quase lá”, assegurou. Para isso, os cientistas estão procurando componentes do tumor que o corpo reconheça como um elemento estranho, externo, ao organismo. Moléculas alteradas, com mutações, que têm uma estrutura inexistente num tecido humano normal, são um dos candidatos a desempenhar esse papel. “Pegamos essa molécula e a colocamos numa vacina para estimular uma resposta imunológica”, explicou.

Essa abordagem terapêutica surgiu, disse Simpson, depois que pesquisadores do Instituto Ludwig, nos anos 1990, descobriram que proteínas chamadas antígenos CT eram reconhecidas pelo sistema imunológico de uma paciente com melanoma, câncer de pele. “O melanoma é famoso porque de vez em quando ocorre uma cura espontânea”, contou o bioquímico. “A pessoa está morrendo, não há mais nada a fazer e, de repente, melhora sozinha. Verificou-se que nesses casos, por algum motivo, o sistema imune conseguiu reconhecer o tumor e acabou com ele.” Para averiguar o que acionava a resposta do sistema imunológico, os pesquisadores pegaram as células T (de defesa) de um paciente com esse tipo de câncer e procuraram os elementos que eram vistos por elas como estranhos ao sistema. Descobriram que se tratava de uma série de proteínas que, normalmente, estão totalmente ausentes do organismo adulto e só estão presentes nas linhagens germinativas. Os únicos tecidos sadios em que genes que codificam os antígenos CT são expressos são os testículos, onde não são combatidos pelo sistema imune.

Cirurgia mais vacina
Inicialmente foram descobertos cem genes de antígenos CT. Mas, procurando por genes que se expressavam em células com melanoma e também nos testículos, os pesquisadores identificaram mais 200 alvos que podem gerar vacinas contra o câncer. “Mas funciona esse novo tratamento?”, perguntou Simpson à platéia, de forma retórica. “Estamos em fase de testes avançados. Estamos usando dois genes, NY-ESO-1 e MAGE3, como protótipos para montar vacinas contra o câncer.” Uma das principais descobertas dos primeiros experimentos é que as vacinas parecem não funcionar contra o tumor primário, já instalado no organismo, mas são efetivas contra suas micrometástases, que não têm defesa contra o sistema imunológico. “Essa abordagem pode ser utilizada por pessoas diagnosticadas relativamente cedo, que fazem uma cirurgia para retirar o tumor primário e recebem a vacina para matar as metástases”, afirmou.

Testes clínicos em pacientes com melanoma e câncer de pulmão feitos pelo Ludwig e também pela empresa Glaxo SmithKline, que licenciou algumas vacinas, apresentam resultados muito animadores. “Já estamos na fase 3 do teste de pulmão, que é o maior de todos os tempos para um medicamento contra esse tipo de câncer. Vamos avaliar mais de 10 mil pessoas para o tratamento e tratar 3 mil pacientes”, afirmou. Na fase 3 a eficácia e a segurança de um possível medicamento são avaliadas numa amostra grande de pacientes. “Mas, se tudo correr bem, em 5 anos podemos ter não só um novo medicamento, mas uma nova maneira de tratar o câncer, em que o trabalho e o uso de todo nosso conhecimento do genoma humano foram decisivos.”

Republicar