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Pint of Science

Um brinde à ciência em bares e restaurantes

Palestras informais em estabelecimentos comerciais atraem público amplo em sete cidades brasileiras

Festival inglês reúne público em bares e restaurantes para conversas sobre ciência

Renata Oliveira do PradoPúblico reunido na Laundry Deluxe para conversas sobre ciênciaRenata Oliveira do Prado

Por três dias (23, 24 e 25 de maio), bares e restaurantes de sete cidades brasileiras – e em 12 outros países – se tornaram cenário de uma atividade pouco comum para esses ambientes: conversar sobre ciência. Sem deixar, claro, de comer e beber. Era o Pint of Science, um festival criado na Inglaterra em 2013 com a intenção de aproximar os pesquisadores de um público mais amplo além da universidade. Nada como o cenário descontraído de um bar à noite.

Realizado pela segunda vez no Brasil, este ano o festival se espalhou. A primeira edição ocorreu em 2015 e apenas São Carlos, no interior paulista, aderiu. Em São Paulo, aconteceram palestras em cinco endereços diferentes, sempre com temas de interesse geral e títulos chamativos e bem-humorados – uma estratégia para atrair o público de fora da universidade, segundo a coordenadora geral do evento no Brasil, a bióloga Natalia Pasternak Taschner. “Queríamos mostrar que a ciência está presente na vida de todos, trazendo o assunto para perto do cotidiano”, explicou. Um exemplo foi a palestra “Como a ciência explica os ups and downs na vida de Amy Winehouse”, ministrada pela farmacologista Rosana Camarini, do Instituto de Ciências Biomédicas da Universidade de São Paulo (ICB-USP), que originalmente se chamava “O mecanismo bioquímico e molecular das drogas”.

Já no primeiro dia, a organização do evento foi surpreendida pelo público numeroso na Cervejaria Nacional, no bairro de Pinheiros. Eram principalmente jovens, interessados nas palestras sobre fotoneuromodulação (tecnologia que usa a luz para combater a dor) e história evolutiva de dinossauros. “Inicialmente, abrimos 40 lugares para reserva, mas lotou rápido. Ocupamos cerca de 80 e, por questão de segurança, algumas pessoas ficaram fora”, contou o biólogo Luiz Gustavo de Almeida, organizador do Pint of Science em São Paulo. Os dinossauros ficaram a cargo do zoólogo Paulo Miranda do Nascimento, que atraiu boa parte do público por meio de seu canal no YouTube, o “canal do Pirula”, seguido por quase 450 mil pessoas. Entre seus fãs presentes na cervejaria estavam três estudantes da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) que mantêm um canal de ciência na internet, o SciBreak, e vieram de carro no mesmo dia trazendo camisetas com temas científicos para distribuir entre os participantes.

O zoólogo Paulo Miranda do Nascimento, do “canal do Pirula”, conduziu uma conversa sobre dinossauros na Cervejaria Nacional

Renata Oliveira do PradoO zoólogo Paulo Miranda do Nascimento, do “canal do Pirula”, conduziu uma conversa sobre dinossauros na Cervejaria NacionalRenata Oliveira do Prado

Outro restaurante que acolheu o evento foi a pizzaria D. Firmina, no bairro de Moema, que no dia 24 recebeu o casal de professores biólogos Marie-Anne Van Sluys, do Instituto de Biociências da USP, e Carlos Menck, do ICB-USP. Falando, respectivamente, sobre como bactérias estão em toda parte, inclusive dentro de cada célula de uma pessoa (na forma de mitocôndrias, as usinas celulares de energia), e sobre as relações entre DNA, envelhecimento e câncer, a dupla conduziu uma conversa informal com cerca de 30 pessoas comendo pizza. “Foi um desafio, não estou acostumada a falar com esse tipo de público”, contou Marie-Anne, satisfeita com a experiência. Embora parte das pessoas parecesse ter alguma formação em biologia, em sua maioria não eram conhecidos dos palestrantes.

Para o biólogo Henrique Neves, esse tipo de evento supre uma lacuna na comunicação da ciência no Brasil. Responsável pela organização das palestras na Laundry Deluxe, no bairro dos Jardins, ele falou sobre mutações genéticas para um público jovem, de formação diversificada e bastante animado. “Estamos acostumados a falar com os nossos pares na universidade”, disse. “Temos que nos aproximar da sociedade para que ela entenda a importância da ciência, no Brasil financiada principalmente com dinheiro público.”

Na pizzaria D. Firmina, no bairro de Moema, os biólogos Marie-Anne Van Sluys e Carlos Menck falaram, respectivamente, sobre como bactérias estão em toda parte e sobre as relações entre DNA, envelhecimento e câncer

Maria GuimarãesNa pizzaria D. Firmina, a bióloga Marie-Anne Van Sluys falou sobre como bactérias estão em toda parteMaria Guimarães

Além de coordenar o evento no país, a bióloga Natalia Taschner falou sobre o método científico para uma plateia numerosa que no dia 25 compareceu ao Tartar & Co, em Pinheiros.  Ela cita o exemplo de uma noite no mesmo restaurante em que a interação entre o público e a ciência claramente se cristalizou. “Durante a palestra sobre zika os garçons serviram normalmente, mas quando a bioquímica Alicia Kowaltowski, da USP, começou a falar de metabolismo, eles pararam para ouvir e implicar uns com os outros sobre os motivos de um deles ser gordo”, contou. “Foi muito divertido ver a ciência chegando no público leigo dessa forma. Era exatamente o que queríamos.” Ela comemora o balanço final: “Conseguimos lotar 22 bares em sete cidades”.

Encontrar estabelecimentos para receber as palestras foi um dos desafios, de acordo com a organização. “Principalmente no Rio de Janeiro e em São Paulo, onde os bares não costumam abrir nas noites de segunda-feira”, conta Luiz Gustavo de Almeida.  Como regra, todas as cidades que realizam o Pint of Science devem seguir o calendário de Londres, onde é comum que os pubs funcionem nessas noites. Com o sucesso da edição, ele espera que a negociação se torne mais fácil no ano que vem e pretende expandir o festival. “A intenção é realizar palestras em locais mais acessíveis tanto geográfica como economicamente”, explica.  E não só em São Paulo: já estão inscritas 26 cidades para 2017. Se tudo correr bem, a ciência será muito brindada.

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