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Vírus zika

Em laboratório, vacina detém zika em animais

Dois tipos de imunizantes protegeram roedores, indicam testes conduzidos por pesquisadores do Brasil e dos Estados Unidos

Duas vacinas experimentais neutralizaram o vírus zika, círculos azuis nesta imagem feita ao microscópio eletrônico, e evitaram a infecção em camundongos

Cynthia Goldsmith/CDC Duas vacinas experimentais neutralizaram o vírus zika, círculos azuis nesta imagem feita ao microscópio eletrônico, e evitaram a infecção em camundongosCynthia Goldsmith/CDC

Duas formulações candidatas a vacina contra o vírus zika passaram com sucesso pelos primeiros testes com animais de laboratório. Cada uma delas, aplicada em dose única, protegeu integralmente os camundongos da infecção por zika, relatam os pesquisadores em artigo publicado nesta terça-feira (28/6) na revista Nature. Nos experimentos com roedores, os dois candidatos a vacina se mostram efetivos tanto contra a variedade do vírus em circulação no Brasil como contra a linhagem encontrada em Porto Rico, no Caribe.

“Mostramos que é possível produzir uma vacina contra o zika”, conta o imunologista brasileiro Rafael Larocca, primeiro autor, ao lado do colega Peter Abbink, do estudo desenvolvido no Centro de Virologia e Pesquisa em Vacina (CVVR), na Escola Médica Harvard, nos Estados Unidos. “Os resultados são fortes e convincentes, mas temos de ser cautelosos e aguardar a realização de mais testes com animais e dos ensaios com seres humanos”, pondera. “Até onde se sabe, essa é a primeira demonstração em modelo animal de proteção contra o zika por meio de vacina”, afirma o médico e pesquisador norte-americano Dan Barouch, coordenador do laboratório em que Larocca trabalha e diretor do CVVR.

Nos experimentos, os pesquisadores trabalharam com duas classes de vacinas. Uma delas é uma formulação contendo cópias do vírus quimicamente inativadas. Ela foi desenvolvida pelo Instituto de Pesquisa Walter Reed, do exército norte-americano, usando o zika circulante em Porto Rico. No CVVR, Larocca e Abbink adotaram uma estratégia completamente distinta para obter uma vacina. Eles analisaram o genoma do vírus e produziram uma cópia sintética do trecho contendo a sequência do complexo proteico que recobre externamente o zika: a proteína pré-membrana (prM) e a proteína do envelope (E), a partir das quais as células de defesa identificam o vírus. Em um primeiro contato do vírus com o organismo, um tipo especial de célula de defesa – as células apresentadoras de antígenos – detectam essas proteínas, processam-nas e depois exibem partes delas para os linfócitos B, as células produtoras dos anticorpos que neutralizam o vírus quando o organismo volta a ser exposto a ele.

Os pesquisadores transferiram esse gene sintético para bactérias e deixaram que elas atuassem como máquinas copiadoras, produzindo um número elevado de réplicas, depois usadas para imunizar os camundongos – essas cópias são o que os pesquisadores chamam de vacina de DNA. “Criamos seis formulações da vacina de DNA, mas apenas uma, aquela em que expressou o complexo proteico completo, funcionou”, conta Larocca, que fez mestrado sob a orientação do imunologista Luis Vicente Rizzo e doutorado orientado pelo imunologista Niels Olsen Saraiva Câmara, ambos na Universidade de São Paulo (USP) e com apoio da FAPESP, e desde 2012 trabalha no CVVR.

O imunologista brasileiro e seus colaboradores usaram separadamente as duas formulações para imunizar os camundongos e, dias mais tarde, injetaram nos animais o zika brasileiro ou o zika porto-riquenho a fim de verificar se as vacinas ofereciam proteção. Nenhum roedor imunizado desenvolveu sinais de infecção nem apresentou no sangue quantidades detectáveis de vírus, enquanto o zika se proliferou em abundância no organismo dos camundongos que não haviam sido vacinados.

Uma bateria de testes posterior ajudou a identificar o que parece ser a principal forma de proteção contra o zika. Larocca e Abbink coletaram amostras de sangue dos animais imunizados, extraíram os anticorpos específicos contra o vírus e transferiram apenas esses anticorpos para camundongos que não haviam sido imunizados. Ao injetar o zika do Brasil ou o de Porto Rico nesses animais, os pesquisadores verificaram que os roedores não se tornaram infectados.

“Esse experimento mostra que os anticorpos produzidos contra o vírus são suficientes para proteger da infecção”, explica o neuroimunologista Jean Pierre Peron, da USP, que, ao lado do virologista Paolo Zanotto, é coautor do estudo da Nature e integrante da Rede Zika, o consórcio de pesquisadores de São Paulo que investigam o vírus com apoio da FAPESP. “Isso não elimina a possibilidade de que uma formulação capaz de produzir imunidade funcione também por outra via, estimulando células de defesa chamadas linfócitos T a produzirem compostos que dificultem a replicação do vírus”, conclui. Experimentos feitos por outras equipes já sugeriram que a produção de uma molécula sinalizadora chamada interferon dificulta a multiplicação do zika.

“Tínhamos alguma indicação de que uma vacina poderia produzir imunidade contra o zika”, diz o biólogo Paulo Lee Ho, diretor da Divisão de Desenvolvimento Tecnológico e Produção do Instituto Butantan, um dos principais centros de produção de vacina no país que atualmente trabalha no desenvolvimento de um candidato a imunizante contra zika usando o vírus inativado. Segundo Ho, o imunologista Benedito Fonseca e sua equipe na USP de Ribeirão Preto já haviam realizado uma versão mais simples do experimento. Eles haviam extraído o soro de roedores imunizados com vírus inativado e adicionado a células cultivadas em laboratório. Os resultados dos testes ainda não foram publicados, mas indicam que o zika não conseguiu infectar as células tradas com soro. “O estudo da Nature é importante porque mostra que não é necessária uma resposta imunológica tão complexa para proteger contra o vírus e também nos dá dicas de como superar algumas barreiras que estávamos encontrando para inativá-lo”, diz Ho.

“Esse trabalho é relevante e mostra que o desenvolvimento de uma vacina contra zika é tecnicamente viável”, afirma o veterinário Marcos da Silva Freire, vice-diretor de Desenvolvimento Tecnológico do Instituto de Tecnologia em Imunobiológicos da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), no Rio de Janeiro. “Mas, como os próprios autores mencionam, é difícil extrapolar os resultados dos testes com camundongos para uma potencial eficácia clínica em humanos.”

Freire também trabalha no desenvolvimento de uma vacina inativada e no de uma vacina recombinante que usa o vírus da febre amarela para expressar as proteínas do zika. Elas devem começar a ser testadas em animais em setembro. Ele lembra que ainda há muitas dúvidas que precisam ser respondidas antes que se consiga chegar a uma vacina segura e eficaz para ser administrada às pessoas e que não é desejável criar uma falsa percepção de proteção, principalmente entre as mulheres em idade reprodutiva. “Ainda não sabemos se as formulações testadas no estudo da Nature seriam seguras para serem aplicadas em adultos e crianças, principalmente em mulheres em idade fértil e grávidas, nem qual o tempo de proteção que oferecem ou se há necessidade de doses de reforço”, diz Freire. “Essas questões só serão verificadas nos estudos clínicos.”

A busca por uma vacina contra o zika tornou-se prioridade mundial de saúde depois que começaram a surgir evidências de que o vírus pode infectar o feto de gestantes e causar microcefalia. De outubro de 2015 a 18 de junho, o Ministério da Saúde registrou no Brasil 8.039 casos suspeitos de microcefalia, dos quais 1.616 foram confirmados (233 com resultado positivo para infecção por zika). Enquanto os grupos brasileiros trabalham para obter formulações diferentes e desenvolver, em escala industrial, estratégias de produção de vacina seguras para o uso em humanos, outros experimentos seguem no CVVR de Harvard.

Larocca e seus colegas já usaram as duas formulações para imunizar macacos e aguardam os resultados para os próximos meses. Em colaboração com o grupo de Jean Pierre Peron, eles devem começar em breve os testes de imunização de fêmeas de camundongo prenhes, a fim de verificar se as formulações realmente protegem contra a microcefalia. “Nossos resultados nos deixam otimistas de que o desenvolvimento de uma vacina segura e eficaz para seres humanos contra o vírus Zika provavelmente será bem-sucedida”, conta Dan Barouch, da CVVR. “Os ensaios clínicos devem começar o mais rápido possível.”

Projetos
1. O papel do eixo triptofano-kinureninas na regulação da resposta imune através de receptores de glutamato tipo NMDA na encefalomielite experimental autoimune e na lesão por isquemia e reperfusão cerebral (nº 2011/18703-2); Modalidade Programa Jovens Pesquisadores; Pesquisador responsável Jean Pierre Schatzmann Peron (ICB-USP); Investimento R$ 1.077.384,82.
2. Abordagem sistêmica no estudo da permissividade do Anticarsia gemmatalis múltiplo nucleopoliedrovírus (AgMNPV) (nº 2014/17766-9); Modalidade Auxílio à Pesquisa – Regular; Pesquisador responsável Paolo Marinho Zanotto (ICB-USP); Investimento R$ 500.009,45.

Artigo científico
LAROCCA, R. A. et al. Vaccine protection against Zika virus from Brazil. Nature. 28 jun. 2016.

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