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MEDICINA

HPV e câncer masculino

Infecção pode causar verrugas genitais em seis meses ou lesão pré-tumoral em dois anos

Podcast: Luísa Lina Villa

 
     
O sistema público de saúde brasileiro iniciou em janeiro deste ano a imunização de garotos com 12 e 13 anos de idade contra o vírus do papiloma humano, o HPV. Até o início de junho, porém, apenas 595 mil adolescentes (16,5% da população nessa faixa etária) haviam recebido a primeira das duas doses de uma vacina importada que protege contra a infecção por quatro tipos desse vírus. Transmitido pelo contato de pele e mucosas durante o sexo, o HPV está associado nos homens ao desenvolvimento de verrugas genitais e anais, além de tumores de pênis, ânus, boca e garganta. Como o uso de preservativos nem sempre evita a transmissão do vírus, especialistas em saúde afirmam que a melhor forma de combater a disseminação é vacinar a população não contaminada. No final de junho, o ministério recomendou a imunização de meninos de uma faixa etária mais ampla, dos 11 aos 14 anos, o que torna mais desafiadora a meta de terminar 2017 com 80% deles imunizados – a vacina está disponível há mais tempo para as meninas, mas nem entre elas esse índice tem sido alcançado.

Os sinais de que será preciso redobrar os esforços para proteger os meninos surgem pouco após a publicação de estudos que começam a desvendar como e por quanto tempo a infecção pelo vírus progride até gerar verrugas genitais e lesões precursoras do câncer no sexo masculino. “Há muito se sabe que o HPV leva ao desenvolvimento de verrugas e tumores também na região genital masculina, mas não havia trabalhos que medissem a probabilidade de a infecção gerar lesões nem o tempo que demora para isso acontecer”, conta a bioquímica Luisa Lina Villa, professora da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FM-USP). Ela foi uma das primeiras pesquisadoras brasileiras a identificar a presença do HPV em tumores de pênis, ainda nos anos 1980, e há quase uma década coordena a parte nacional do estudo epidemiológico “HPV infection in men (HIM)”. Financiado pelo Instituto Nacional do Câncer dos Estados Unidos, pela FAPESP e pela empresa farmacêutica Merck Sharp & Dohme, fabricante da vacina tetravalente Gardasil, o estudo acompanhou por quase cinco anos a saúde sexual de 4,1 mil homens com idade entre 18 e 73 anos no Brasil, no México e nos Estados Unidos.

O HIM já gerou dezenas de artigos científicos. Três deles, publicados entre 2015 e 2017, trazem uma análise mais detalhada da história natural da infecção por HPV. Em dois papers, o grupo da epidemiologista Anna Giuliano, do Moffitt Cancer Center, na Flórida, coordenadora geral do HIM, relata os resultados da avaliação de cerca de 3 mil desses homens.

No início da pesquisa, nenhum deles tinha doença sexualmente transmissível nem infecção por HPV. Com o tempo, uma parte contraiu o vírus, identificado a partir de testes genéticos feitos no material coletado do pênis e da bolsa escrotal. Aproximadamente 72% dos brasileiros estiveram infectados com HPV em algum momento do estudo, uma proporção significativamente maior do que a de mexicanos (62%) e a de norte-americanos (61%). Dos 37 tipos de HPV investigados, foram encontrados com mais frequência quatro: dois considerados de baixo risco para causar tumores (HPV6 e HPV11) e dois de alto risco (HPV16 e HPV18), os mesmos contra os quais a vacina disponível gratuitamente no sistema de saúde brasileiro produz imunidade.

Uma das avaliações levou em consideração os dados de 3.033 participantes dos três países. Desse total, 1.788 apresentaram infecção por ao menos um tipo de HPV e 86 deles (5% dos infectados) desenvolveram verrugas genitais (condiloma). Só 9 dos homens com HPV tiveram lesões pré-tumorais: as neoplasias intraepiteliais penianas.

Um em cada quatro casos de infecção por HPV6 ou por HPV11 gerou condilomas contendo os mesmos vírus. O tempo entre a infecção e o surgimento da verruga foi de quase oito meses para o primeiro vírus e de quatro para o segundo. Quase 60% das lesões pré-cancerígenas continham o HPV16, de alto risco. Na maioria das vezes, quase dois anos se passaram entre a infecção e o desenvolvimento da neoplasia, segundo artigo publicado em 2015 na revista European Urology.

A análise dos dados brasileiros foi publicada em abril deste ano na revista Brazilian Journal of Infectious Diseases. Dos 1.118 participantes de São Paulo, 815 tiveram HPV e 35 desenvolveram lesão nos genitais. Durante o acompanhamento, 16% das pessoas com HPV6 e 16% das infectadas pelo HPV11 desenvolveram verrugas genitais, respectivamente, em nove meses e em sete meses, em um ritmo mais lento do que o identificado no estudo com mexicanos e norte-americanos. Na amostra brasileira, 1% dos indivíduos com HPV16 desenvolveram lesão pré-tumoral em 25 meses.

Em sua conclusão, o estudo brasileiro chama a atenção para o fato de que os tipos 6, 11, 16 e 18 do HPV, contra os quais a vacina tetravalente oferece proteção, foram encontrados em 80% dos condilomas e das lesões pré-tumorais. E indica que seria recomendável adotar uma política ampla de vacinação para os meninos, uma vez que os homens continuam a se infectar com o vírus ao longo da vida e a transmiti-lo para seus parceiros – homens ou mulheres. Em um dos artigos do HIM, os pesquisadores lembram o caso bem-sucedido da Austrália, o primeiro país a implantar um programa nacional de imunização contra o HPV. Lá, a cobertura vacinal supera os 80% e houve uma redução de 70% a 90% na frequência de verrugas genitais entre as mulheres.

Fernando Pereira / SECOM - PMSP Adolescente recebe vacina contra o HPV em unidade básica de saúde da cidade de São PauloFernando Pereira / SECOM - PMSP

Redução na cobertura
No Brasil, essa parece uma meta distante. A vacina contra o HPV é cara – a dose sai por cerca de R$ 40 para o ministério e R$ 400 nas clínicas particulares. Ela se tornou disponível para as meninas em 2014 e, desde então, 72,5% das garotas com idade entre 9 e 15 anos tomaram a primeira dose e 43%, a segunda. Houve uma queda nesse índice depois que o imunizante deixou de ser oferecido nas escolas. Parte da redução talvez se explique pela circulação de notícias sobre efeitos colaterais associados à vacina, que, apesar de raros, existem. Os mais frequentes são dor, coceira e inchaço local, além de náuseas, dores de cabeça ou nos braços e nas pernas. Mas houve relatos esparsos de desmaios, convulsão e perda passageira de sensibilidade nos braços e nas pernas – depois de investigados, esses casos foram classificados como reação psicogênica pós-vacinação, um fenômeno psicológico já documentado em outras campanhas de vacinação.

“Trabalhamos para aumentar essa cobertura”, conta Carla Domingues, coordenadora do Programa Nacional de Imunizações do Ministério da Saúde. “O ministério recomenda que os municípios façam a vacinação nas escolas, mas isso exige uma logística complexa.” Para atingir a meta de 80%, planeja-se iniciar em julho campanhas publicitárias para estimular os pais a levarem os filhos adolescentes aos postos de saúde para completar o calendário de vacinação, inclusive contra o HPV.

Luisa Villa, da USP, defende a volta da vacinação nas escolas. Para ela, a redução do risco de contrair o HPV depende de educar os jovens para a prática de sexo seguro e de vacinar a população ainda não exposta ao vírus. “Para mudar essa história, será preciso vacinar toda essa meninada”, afirma. “As pessoas ainda não entenderam essa mensagem.”

Projeto
Instituto de Ciência e Tecnologia para o estudo das doenças associadas ao papilomavírus (nº 08/57889-1); Modalidade Projeto Temático; Programa Institutos Nacionais de Ciência e Tecnologia (INCT); Pesquisadora responsável Luisa Lina Villa (FM-USP); Investimento R$ 4.990.411,77.

Artigos científicos
SILVA, R. J. C. et al. HPV-related external genital lesions among men residing in Brazil. Brazilian Journal of Infectious Diseases. 8 abr. 2017.
SUDENGA, S. L. et al. Genital Human Papillomavirus infection progression to external genital lesions: The HIM Study. European Urology. v. 69 (1), p. 166-73. 6 jun. 2015.

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