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Resenha

O mar agitado da literatura infantil

Literatura infantil brasileira: Uma nova/outra história | Marisa Lajolo e Regina Zilberman | PUCPress/FTD | 152 páginas | R$ 49,90 (e-book e impresso)

Eduardo CesarEm Literatura infantil brasileira: Uma nova/outra história, Marisa Lajolo e Regina Zilberman retomam a parceria de outras obras, referenciais para o campo da teoria e da crítica literária, assim como da história dos livros para crianças no Brasil. O livro representa um novo passo em relação a coautorias anteriores, ao abordar as atuais encruzilhadas dos livros impressos e das práticas de leitura.

Com uma análise arejada, as autoras expressam otimismo em relação ao presente e ao “futuro do livro”. Percorrem com clareza e precisão diferentes dimensões que conformam a literatura infantil, problematizando as formas pelas quais são afetadas por dinâmicas do tempo presente – dos usos dos suportes digitais às concepções que norteiam políticas públicas de compra de livros, às fusões e aquisições no mundo das grandes casas editoriais. A literatura infantil navega nesse mar agitado, reinventando-se na busca por mercados e leitores nascidos em franca era digital. Ao fazê-lo, explora as fronteiras entre texto e imagem, textos clássicos e (re)criações intertextuais, escola e literatura, políticas educacionais e mercado editorial, obra e autor e os circuitos complementares de promoção da leitura (blogs e bienais, por exemplo).

Nos prismas pelos quais enveredam, Lajolo e Zilberman observam a passagem do “livro”, tal como foi se definindo a partir do século XVIII, associado à ideia de “originalidade da escritura” e “propriedade literária de seu autor” (segundo o prefácio escrito por Roger Chartier), ao ambiente das edições digitais, as quais procuram se libertar “de formas e conceitos, através de textos móveis, abertos, maleáveis, que podem ser palimpsestos e polifonia”. Nessa passagem, o velho suporte “livro” não desaparece, mas certamente se abrem possibilidades de experimentação.

Concebida como segmento da produção editorial, a literatura infantil desde cedo caminhou, sublinham as autoras, por territórios com fronteiras fluidas. Clássicos como Robinson Crusoé e Viagens de Gulliver consagraram-se como obras para crianças quando, em suas versões originais, não guardavam essa destinação. Por outro lado, nos livros infantis, texto literário e ilustrações emaranhavam-se. Nos livros de antigamente como nos contemporâneos podia-se até mesmo prescindir do texto. A narrativa vinha das imagens. Hoje, a literatura pode inclusive prescindir do livro. As autoras citam a diversidade de formatos no ciberespaço, dos textos à moda antiga, que mantém sua estrutura, aos hipertextos em que personagens como D. Quixote vivem novas aventuras, recriadas.

Dentre os debates sobre inovações tecnológicas que a obra captura, sublinho um – o de que o formato digital do “livro” e suas múltiplas plataformas “impõem novas sensibilidades e formas de percepção”, favorecendo processos de leitura não sequenciais e lineares (p. 32). Ao se conjugar texto, imagem e som na experiência de leitura, o leitor é levado a construir percursos com hipertextos, acionando links que o conduzem a novos conteúdos.

Angela-Lago, autora de reconhecimento internacional, hospeda em seu site um trabalho inspirado em Chapeuzinho Vermelho, personagem dos contos de fadas eternizada por Charles Perrault. O modo pelo qual a história de Chapeuzinho é apresentada, com imagens e sons, é objeto de uma densa análise. Um elemento ganha particular importância – o fato de, no trabalho de Lago, o enredo de Chapeuzinho sofrer alterações profundas. As imagens reforçam o protagonismo da menina, ao mesmo tempo que, “a cada trecho da narrativa”, o usuário pode fazer “opções que conduzem a ação a distintos desdobramentos” (p. 41). Lajolo e Zilberman concluem: “O desenvolvimento e a difusão da informática parece ter encontrado na literatura infantil e juvenil – particularmente na fatia infantil do gênero – campo extremamente favorável à expansão da inventividade de seus criadores” (p. 43).

A literatura infantil no Brasil ganha vigor com o cruzamento dos tantos recursos em cena. O tom otimista do excelente livro é justo. Mas faz brotar a pergunta sobre como os percursos em aberto atuam sobre a criança, na contrapartida das boas histórias “com fim”. Pois estas, já sabemos, estruturam narrativas, enraízam representações de mundo e se prolongam no sonho, com imagens que transbordam o controle do leitor.

Gabriela Pellegrino Soares é professora livre-docente do Departamento de História da FFLCH-USP e autora de Semear horizontes: Uma história da formação de leitores na Argentina e no Brasil (Editora UFMG, 2007).

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