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pipe - 20 anos

A fonte de inspiração

O norte-americano SBIR foi o modelo usado para criar o Pipe e iniciativas semelhantes em outros países

divulgação Centro de operações da Symantec, uma das líderes globais em segurança da internet. O auxílio recebido em 1982 pela empresa, fabricante do antivírus Norton, foi essencial para que ela se estabelecesse. Hoje, tem 17,5 mil funcionários e está presente em mais de 40 paísesdivulgação

Por volta de 163 mil projetos de pesquisa contemplados, mais de 7 mil pedidos de patente solicitados, perto de US$ 41 bilhões (cerca de R$ 135 bilhões) investidos em pequenos negócios de base tecnológica e milhares de empregos criados nas 52 mil empresas beneficiadas. Este é o balanço dos 35 anos de existência do Small Business Innovation Research (SBIR), o programa de apoio à inovação tecnológica em empresas de pequeno porte criado pelo Congresso dos Estados Unidos no início dos anos 1980. Considerado a maior iniciativa do gênero no mundo, o SBIR foi a fonte de inspiração para o programa Pesquisa Inovativa em Pequenas Empresas (Pipe) da FAPESP, implementado em 1997.

A fabricante de processadores Qualcomm, a empresa de segurança cibernética Symantec, a desenvolvedora de robôs iRobot e a indústria de turbinas hidráulicas Natel Energy – todas elas companhias com atuação global – são exemplos de negócios que iniciaram suas atividades com recursos do SBIR. Cerca de 2.800 empresas são agraciadas anualmente com recursos do programa, que teve como origem um marco legal, a Lei de Desenvolvimento da Inovação em Pequenos Negócios (Small Business Innovation Development Act – Public Law 97-129), aprovada pelos congressistas norte-americanos em 1982.

Inspirado em um projeto-piloto de fomento à inovação implementado na Fundação Nacional de Ciências dos Estados Unidos (NSF) na década de 1970, o SBIR surgiu com a missão de dar suporte à excelência científica e à inovação tecnológica por meio do investimento de recursos federais em projetos relevantes para a sociedade norte-americana. A ideia era investir na inovação dentro das empresas a fim de fortalecer a economia.

Quatro objetivos foram estabelecidos pelos idealizadores do programa: estimular a inovação tecnológica no país; atender às necessidades federais de pesquisa e desenvolvimento (P&D); fomentar e encorajar a participação em inovação e empreendedorismo de mulheres e cidadãos em condições de desvantagem socioeconômica; e incrementar a comercialização de inovações nascidas no setor privado com financiamento federal em P&D.

divulgação Robô para limpeza de piscinas da iRobot, de Massachusetts, que começou fazendo robôs para desarmar bombas em cenários de guerra. Criada em 1990, a empresa recebeu US$ 10,2 milhões do programa de apoio à inovação do governo norte-americano e faturou US$ 661 milhões em 2016divulgação

Origem dos recursos
Desde o início, o SBIR opera como um programa pluri-institucional, com múltiplas fontes de financiamento. Por lei, as agências federais com orçamento destinado à pesquisa superior a US$ 100 milhões anuais devem aportar 2,5% de seu orçamento no programa – ao longo dos anos, esse percentual cresceu e hoje é de 3,2%. Onze instituições fazem parte da iniciativa, sendo que cinco respondem por 97% do orçamento anual do programa, de US$ 2,5 bilhões (cerca de R$ 8,3 bilhões). São elas: Departamento de Defesa (DoD), Departamento de Saúde e Serviços Humanos (HHS) – órgão que abriga os Institutos Nacionais de Saúde (NIH) –, Departamento de Energia (DOE), Administração Nacional de Aeronáutica e Espaço (Nasa) e NSF.

Completam a lista os departamentos de Agricultura (USDA), Segurança Interna (DHS), Transporte (DOT), Educação (ED), Comércio (DOC) – do qual fazem parte o Instituto Nacional de Padrões e Tecnologia (Nist) e a Agência Nacional de Oceanos e Atmosfera (Noaa) – e a Agência de Proteção Ambiental (EPA). Nos Estados Unidos, os departamentos têm status de ministério.

“Essa é uma diferença fundamental entre o SBIR e o Pipe. Enquanto o programa norte-americano é apoiado por várias agências, o Pipe é uma iniciativa de uma única instituição, a FAPESP”, afirma o engenheiro Sérgio Queiroz, professor da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e coordenador adjunto da área de Pesquisa para Inovação da Diretoria Científica da FAPESP. Outra distinção evidente entre as duas iniciativas, aponta Queiroz, é o volume de recursos aportados por cada uma delas. A FAPESP destina por ano ao Pipe R$ 60 milhões. “Nada se compara ao SBIR em volume de financiamento”, atesta Queiroz.

“Há outra diferença importante: o SBIR é um programa federal, com abrangência nacional, e o Pipe é subnacional, gerido por uma instituição estadual”, ressalta Guilherme Ary Plonski, coordenador científico do Núcleo de Política e Gestão Tecnológica da Universidade de São Paulo e vice-diretor do Instituto de Estudos Avançados. Enquanto as agências norte-americanas aplicam 3% de seus gastos em pesquisas no SBIR, a FAPESP aplicou 5,2%, em 2016, e 6,5%, até novembro de 2017.

divulgação Chip para smartphone da Qualcomm. Uma das maiores fabricantes mundiais do dispositivo, a empresa começou suas atividades nos anos 1980 com apoio do programa. Com vendas de US$ 22,3 bilhões em 2017, seu valor de mercado é próximo a US$ 100 bilhõesdivulgação

Autorização do congresso
O SBIR tem que ser autorizado periodicamente pelo Congresso dos Estados Unidos para se manter em operação, já que é atrelado a uma legislação. A Small Business Administration (SBA), executora do programa, obteve em 2017 aval para que o SBIR opere até 2022. O programa financia pesquisas em diversos setores e estabelece as condições para concessão dos financiamentos. As empresas proponentes devem ter como proprietário um ou mais cidadãos do país, e, no máximo, 500 funcionários, o dobro do estipulado pelo Pipe.

Ao elaborar o arcabouço do Pipe, a FAPESP inspirou-se no espírito do programa norte-americano e em sua estrutura, que é dividida em três fases. A finalidade da primeira etapa do SBIR é estabelecer o mérito técnico, a viabilidade e o potencial de mercado do projeto proposto. Nessa fase, os recursos destinados à empresa podem chegar a até US$ 150 mil e sua duração é de seis meses.

A etapa seguinte caracteriza-se pela continuidade do trabalho de P&D visando ao amadurecimento da tecnologia. A empresa recebe até US$ 1 milhão em um período de dois anos. A terceira fase tem como objetivo fazer com que a inovação ganhe o mercado. Assim como ocorre com o Pipe, o SBIR não financia essa etapa. A empresa deve buscar os recursos para viabilizar sua proposta junto ao setor privado ou às demais agências federais desvinculadas do programa.

Por ser um programa financiado por múltiplos órgãos, o SBIR funciona um pouco diferente do Pipe. A partir de diretrizes gerais, cada agência administra seu programa individualmente, definindo as linhas de pesquisa apoiadas e gerindo sua operação. As empresas interessadas no financiamento apresentam a proposta diretamente a uma das 11 agências participantes – não há, portanto, um guichê único para recebimento dos projetos.

“Cada agência integrante do SBIR gerencia um volume substantivo de recursos e define os projetos vencedores em seus respectivos campos de atuação, enquanto em São Paulo a FAPESP cobre todas as áreas. Ela faz as chamadas de propostas, avalia o programa e mede seus impactos. Nesse sentido, a Fundação tem uma função mais completa, porque tudo está concentrado nela”, opina Sérgio Salles-Filho, professor da Unicamp e um dos coordenadores do Grupo de Estudos sobre Organização da Pesquisa e da Inovação (Geopi), vinculado à Unicamp.

Embora não esteja diretamente envolvida na aprovação das propostas submetidas pelas pequenas empresas, é responsabilidade da instituição coordenadora do SBIR, a SBA, analisar o progresso do programa em cada uma das agências federais e encaminhar anualmente um relatório com os resultados para o Congresso. Os empreendedores norte-americanos têm também outro instrumento de fomento à inovação, o Small Business Technology Transfer (STTR). A principal diferença entre o STTR e o SBIR é a exigência de que a empresa interessada estabeleça parceria com uma instituição acadêmica ou um órgão de pesquisa para o desenvolvimento do projeto – a FAPESP tem um programa similar, o Pesquisa em Parceria para Inovação Tecnológica (Pite).

A fonte de recursos do STTR são agências federais que gastam mais de US$ 1 bilhão em P&D. Hoje, somente cinco instituições do governo norte-americano se qualificam: os departamentos de Defesa, de Saúde e Serviços Humanos e de Energia, a Nasa e a NSF – não por coincidência, as cinco maiores integrantes do SBIR. Cada uma delas direciona 0,3% de seu orçamento de pesquisa ao STTR.

Um balanço do SBIR elaborado pelas academias nacionais de Ciências, Engenharia e Medicina dos Estados Unidos mostrou que ele atingiu três dos quatro objetivos definidos por lei. O SBIR falhou em fomentar a participação de mulheres e minorias em pequenos negócios de base tecnológica. A avaliação, relativa aos 20 primeiros anos do programa, considerou os projetos apoiados pelas cinco maiores agências financiadoras.

divulgação Funcionários da Natel Energy trabalham na instalação de uma turbina hidráulica desenvolvida pela empresa com apoio do SBIR. A companhia, com sede na Califórnia, recebeu dois financiamentos do Departamento de Energia que somaram mais de US$ 1 milhãodivulgação

Modelo global
Graças a seu sucesso, o SBIR serviu como paradigma para diversos países implantarem instrumentos semelhantes de estímulo à inovação. A maioria deles foi instituída a partir do ano 2000, depois que a FAPESP criou o Pipe, em 1997. “Nós, do Brasil, costumamos nos ver como seguidores tardios, mas há países que são ainda mais tardios, como, por exemplo, o Canadá, que iniciou apenas este ano discussões para estabelecer um programa inspirado no SBIR”, diz Plonski.

No Reino Unido, o programa foi criado em 2001 e batizado de Small Business Research Initiative (SBRI). “A iniciativa britânica não funcionou muito bem no início e precisou ser repaginada algumas vezes, a última em 2009”, conta Sérgio Queiroz. No início, os ministérios britânicos deveriam destinar 2,5% de seus orçamentos de P&D para o SBRI, mas, como esse aporte não era mandatório, a adesão foi baixa.

Em 2005, o apoio financeiro tornou-se obrigatório, mas o programa continuou com problemas, pois os recursos não estavam sendo usados para sua correta finalidade – parte do dinheiro era dirigida ao financiamento de pesquisas em instituições acadêmicas (e não em empresas) e a desenvolvimentos que a empresa faria de uma forma ou outra. Somente quatro anos depois, um reformado SBRI foi lançado pelo governo britânico corrigindo essas distorções. Desde então, mais de 1.300 contratos, no valor de £ 130 milhões (R$ 565 milhões), já foram firmados.

Há diferenças importantes entre o SBIR e o SBRI. O programa britânico está aberto a empresas de qualquer porte. “Ao contrário dos Estados Unidos, que reservam seus contratos para negócios de menor porte, o Reino Unido os oferece a muitas instituições e apenas espera que a maioria dos interessados sejam pequenas empresas, já que o programa não é tão atrativo para companhias maiores”, escreveram os pesquisadores Emma Tredgett, da Universidade de Londres, e Alex Coad, da Universidade de Sussex, em artigo que avaliou a performance dos primeiros anos do SBRI.

Outra diferença está no arcabouço do programa britânico, que conta apenas com duas fases – na primeira, com seis meses de duração, os projetos podem ser agraciados com até £ 100 mil (R$ 434 mil), enquanto na segunda o valor pode chegar a £ 1 milhão (R$ 4,34 milhões) em dois anos. Ao fim da segunda etapa, a expectativa é de que a empresa esteja apta a comercializar seu produto ou serviço.

Foco específico
A Índia também tem um instrumento nos moldes do SBIR. Uma peculiaridade do Small Business Innovation Initiative (SBIRI), implementado em 2005, é que ele só financia inovações em biotecnologia, em setores como medicina, agricultura, processos industriais e meio ambiente. Podem concorrer às três chamadas anuais do SBIRI empresas com até 500 funcionários e cujo controle societário pertença a cidadãos indianos. Assim como o instrumento britânico, o indiano também é estruturado em duas etapas – e não em três, como o SBIR.

Outra ferramenta de apoio ao pequeno empreendedor com foco em determinados setores da economia é o holandês Small Business Innovation Research Programme, criado em 2004. Segundo a Netherlands Enterprise Agency, entidade responsável por sua coordenação, os financiamentos são destinados a pesquisas em energia, bioeconomia e segurança. Firmas de qualquer porte sediadas na União Europeia podem concorrer aos recursos, desde que a proposta contemple soluções voltadas a satisfazer necessidades da sociedade holandesa. Os projetos são avaliados por um comitê independente.

“O programa indiano, assim como o holandês, é restritivo, no sentido de que define os setores onde os recursos serão empregados”, avalia Plonski. “As iniciativas similares ao SBIR existentes no mundo têm um núcleo inspirador, mas cada país faz ajustes para atender às suas necessidades”, afirma o pesquisador, destacando que essa é também uma discussão corrente sobre inovação no Brasil – se o governo deve ou não direcionar as áreas que irão receber os investimentos.

“Nesse sentido, a FAPESP adotou um procedimento intermediário saudável, já que os recursos do Pipe não vão para o setor A, B ou C, embora parte do investimento seja destinada a áreas específicas”, diz Plonski. Ele refere-se às chamadas do programa Pipe-Pappe, que tem editais voltados a temas estratégicos nas políticas públicas federais (ver reportagem), como o combate ao vírus zika, o desenvolvimento de tecnologias para o setor aeroespacial e as pesquisas para elevar a produtividade do setor agropecuário.

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