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Climatologia

2019 foi o ano mais quente já registrado no Brasil

Temperaturas máxima e mínima anuais sobem de modo contínuo desde 1961

Léo Ramos Chaves

O ano de 2019 foi o mais quente já registrado no país, com uma média de temperatura máxima (diurna) de 31,05 graus Celsius (oC), de acordo com dados divulgados em fevereiro pelo Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet), órgão do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), que acompanha a variação diária da temperatura no país desde o final do século XIX. O ano de 2015 foi o segundo mais quente, com 31,02 oC. A média da temperatura mínima também foi a mais alta em 2019, 20,04 oC, depois de 2015, com 19,93 oC.

O Brasil segue a tendência mundial, principalmente no inverno, com pequenas diferenças. Em janeiro de 2020, a Organização Meteorológica Mundial (OMM) anunciou que 2016 foi o ano mais quente na média global e 2019 foi o segundo mais quente desde 1850, quando as medições começaram a ser feitas.

“A circulação atmosférica no Brasil em parte compensou a variação do clima verificada em outros países”, comenta o meteorologista Marcelo Schneider, do Inmet de São Paulo. Segundo ele, a variabilidade natural do clima, o aquecimento global e a ação humana, com a maior emissão de gases do efeito estufa, principalmente o dióxido de carbono (CO2) e o metano (CH4), a expansão urbana e agrícola e o desmatamento, são as principais razões da contínua elevação de temperatura no país e no mundo. “Somente o El Niño [aquecimento das águas do Pacífico equatorial] não explica sozinho o aumento da temperatura em 2019, porque no Brasil seu efeito foi fraco e limitado aos meses de maio a julho.”

O instituto mantém uma rede de 573 estações meteorológicas automáticas e 208 convencionais, nas quais as informações são coletadas periodicamente, para registro de temperatura e umidade relativa do ar, pressão atmosférica, pluviosidade, radiação solar e direção e velocidade do vento em 769 cidades brasileiras e quatro do Uruguai.

Entre as cidades monitoradas, Poxoréu, a sudeste de Mato Grosso, destacou-se com as temperaturas mais altas no país nos últimos anos. Em 2019, os termômetros chegaram a 43,5 oC em 17 de julho e 43 oC três dias antes; neste ano, a cidade com o segundo maior registro de temperatura foi Peixe, ao sul do estado de Tocantins, com 43,2 oC em 13 de julho.

Ao lado de Cuiabá, Poxoréu foi a cidade com a temperatura mais alta também em 2018, com 41 oC em 12 de julho daquele ano, e a segunda em 2017, com 43 oC em 13 de outubro, depois de Nova Xavantina, a leste de Mato Grosso, que registrou 43,9 oC em 16 de outubro de 2017, de acordo com as estações do Inmet. Essa região apresenta o chamado efeito da continentalidade: sem a brisa do mar, por estar distante do litoral, as temperaturas são altas na maior parte do ano, apesar das chuvas de verão.

“A temperatura média do Brasil está aumentando ano a ano”, comenta a meteorologista Márcia Seabra, coordenadora-geral do Inmet. O mapa de temperatura média do Brasil em 2019 mostra as áreas com temperaturas mais altas em vermelho, no norte das regiões Norte e Nordeste, e as mais baixas em azul, concentradas no sul do país. Desde 1961, as áreas vermelhas se expandiram e as azuis se retraíram. Do mesmo modo, as anomalias – variações acima ou abaixo da média de um lugar – também se acentuaram ao longo das últimas décadas.

“As temperaturas média, máxima e mínima no Brasil são sempre maiores nos anos mais recentes, principalmente a partir de 2010”, observa o meteorologista Tércio Ambrizzi, professor do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas da Universidade de São Paulo (IAG-USP). “Do ponto de vista da temperatura é evidente que a atmosfera está aquecendo, já que tanto a temperatura mínima, registrada durante a madrugada, quanto a máxima, medida durante o dia e dependente da cobertura de nuvens, estão mais altas nos últimos anos.”

No estado de São Paulo
Na cidade de São Paulo, o ano de 2019 foi o segundo mais quente desde 1943, com média de 27,0 oC, depois de 2014 e 2002, que registraram a média de 27,1 oC, de acordo com o Inmet. A média de temperatura mínima também foi a segunda maior em 2019, com 17,4 oC, só perdendo para 2015, com 17,5 oC. “A altitude, a latitude mais baixa e a proximidade com o Atlântico explicam por que as temperaturas da cidade de São Paulo em geral são mais baixas que a média nacional”, comenta Schneider.

Os modelos climáticos sugerem que a urbanização de áreas cobertas por vegetação natural pode causar um aumento de temperatura média anual de 3,5 ºC, menos noites frias e mais dias quentes na Região Metropolitana de São Paulo (RMSP), de acordo com um artigo publicado em fevereiro na revista científica Annals of the New York Academy of Sciences.

Os efeitos da urbanização e a variabilidade da temperatura da superfície do mar se somam para explicar a oscilação extrema nos índices de pluviosidade. De acordo com o estudo coordenado pelo meteorologista José Marengo, do Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden), com a participação de Ambrizzi, na década de 2020 a temperatura média anual da RMSP deve aumentar entre 0,9 ºC e 1,7 ºC, e a pluviosidade variar entre cair 31% e aumentar 43%, concentrando-se em poucos dias, como ocorreu em janeiro de 2020. “Essa variação grande é uma resposta extrema da atmosfera ao aquecimento global que estamos vivendo”, diz Abrizzi.

Os gases do efeito estufa contribuíram para elevar de 0,19 ºC a 0,30 ºC por década na temperatura entre 1955 e 2004 na região Sudeste, segundo estudo do meteorologista Rafael Abreu, também do IAG, publicado em julho de 2019 na Geophysical Research Letters. Outras análises, que constam em estudos feitos no exterior, indicaram resultados similares na China, Canadá e Inglaterra.

Consequências
Já em 2006, estudos do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), com base em modelos climáticos regionais, haviam delineado a tendência de temperaturas mais altas e umidade mais baixa nos anos seguintes, com impactos que vão além do desconforto causado pelos dias tórridos.

As doenças respiratórias se tornam mais comuns em um clima mais quente e seco, a produção de energia elétrica pode cair se a água dos rios e das represas evaporar mais rapidamente e as áreas de plantio de culturas agrícolas básicas como trigo, milho e café tendem a se deslocar para o sul do país à medida que o calor aumenta.

Dias sucessivamente mais quentes, as chamadas ondas de calor, também podem provocar mortes de crianças subnutridas e idosos com doenças crônicas.

Nordeste

Com base nos registros dos últimos 30 anos em 45 estações meteorológicas do Inmet, pesquisadores da Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE) identificaram uma tendência de elevação da temperatura média anual em até 0,9 oC.

De acordo com esse trabalho, publicado em janeiro na Revista Brasileira de Engenharia Agrícola e Ambiental, pode haver também uma redução tanto na precipitação em até 140 milímetros (mm) quanto no número de dias chuvosos na faixa de 150 a 300 km do litoral, que abrange a maior parte do sertão nordestino.

No litoral do Nordeste, a tendência é redução no número de dias chuvosos de até 23 dias por ano em locais onde a média anual é de 201 dias. O litoral também apresentou uma tendência de elevação da temperatura média anual nos próximos anos. A única cidade em que não se observou essa tendência foi Maceió, em Alagoas.

Chuvas mais intensas concentradas em poucos dias “pode resultar em maiores enchentes, alagamentos e comprometimento de atividades agrícolas”, comenta o engenheiro-agrônomo Ailton Carvalho, pesquisador da UFRPE e principal autor desse trabalho.

Projetos
1. INCT 2014: INCT para Mudanças Climáticas (INCT-MC) (no 14/50848-9); Modalidade Programa de Pesquisa sobre Mudanças Climáticas Globais; Pesquisador responsável José Antonio Marengo Orsini (Cemaden); Investimento R$ 699.115,21.
2. Governança ambiental da macrometrópole paulista em face da variabilidade climática (no 15/03804-9); Modalidade Programa de Pesquisa sobre Mudanças Climáticas Globais; Pesquisador responsável Pedro Roberto Jacobi (USP); Investimento R$ 298.437,75.

Artigos científicos
ABREU, R. C. de et al. Attribution of detected temperature trends in southeast Brazil. Geophysical Research Letters. v. 46, n. 14, p. 8407-14. 28 jul. 2019.
MARENGO, J. A. et al. Trends in extreme rainfall and hydrogeometeorological disasters in the Metropolitan Area of São Paulo: A review. Annals of the New York Academy of Sciences. (on-line). 13 fev. 2020.
CARVALHO, A. A. de et al. Trends of rainfall and temperature in Northeast Brazil. Revista Brasileira de Engenharia Agrícola e Ambiental. v. 24, n. 1, p.15-23. jan. 2020.

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