Em cerca de dois anos, a multinacional CNH Industrial, uma das líderes globais na fabricação de equipamentos agrícolas, pretende lançar no Brasil o primeiro trator do mundo equipado com um motor específico para operar com biometano. A máquina está sendo concebida em conjunto pelas equipes de pesquisa e desenvolvimento (P&D) da companhia no Brasil e na Itália. Cinco protótipos já foram produzidos sobre a plataforma do trator T6, da New Holland Agriculture, uma das empresas do grupo. Um desses tratores foi apresentado na Agrishow 2018, realizada em maio do ano passado em Ribeirão Preto (SP), e está em teste em uma chácara que produz grãos e cria suínos em Castro, no Paraná.
“Nossa grande conquista foi desenvolver um motor a biometano que apresenta um desempenho equivalente em potência e torque ao obtido com óleo diesel”, relata o engenheiro mecânico André Faria, especialista em marketing de produto da FPT Industrial, companhia do grupo CNH Industrial voltada à produção de sistemas de propulsão veicular. O biometano é um biocombustível em forma de gás obtido após o processo de degradação de matéria orgânica como resíduos da colheita ou dejetos de animais e purificado com a remoção de umidade, de dióxido de carbono (CO2) e de sulfeto de hidrogênio. Seu potencial energético é 30% inferior ao do diesel, ou seja, 1 litro de biometano gera 30% menos energia do que 1 litro de diesel.
CNH Industrial
Sede no Brasil
Nova Lima (MG)
Centros de P&D
Sorocaba (SP), Piracicaba (SP), Curitiba (PR), Sete Lagoas (MG) e Contagem (MG)
Nº de pesquisadores*
600
Principais produtos
Caminhões, ônibus, motores e máquinas e equipamentos agrícolas, construção e defesa
*Na América Latina; a empresa não divulga os dados por país
Faria explica que o bom resultado do motor de 6 cilindros foi obtido a partir do desenvolvimento de peças específicas como pistões, bombas e sistema de injeção. Além disso, ele também conta com softwares capazes de fazer a leitura estequiométrica (cálculo que relaciona quantidades de reagentes e produtos), garantindo o equilíbrio adequado de ar e biometano na combustão. O motor apresenta uma emissão de CO2 10% inferior em relação ao diesel e emissões totais de poluentes 80% menores. É também 30% mais econômico ao longo de sua vida útil, por exigir menos manutenção.
Outra vantagem do trator, segundo Sérgio Soares, diretor de desenvolvimento de produto e engenharia agrícola da CNH Industrial para América Latina, é proporcionar uma autossuficiência energética ao produtor rural, que pode usar um biodigestor para produzir seu próprio biogás.
Segundo a Associação Brasileira de Biogás e Biometano (ABiogás), o potencial de produção de biometano no setor agropecuário, contabilizando apenas material hoje recolhido, mas desperdiçado, é de 59 milhões de metros cúbicos (m3) por ano. Outros 4,5 milhões de m3 anuais também poderiam ser produzidos com material proveniente do saneamento urbano. Utilizando apenas esses insumos desperdiçados, o total de biometano gerado seria suficiente para substituir 70% do diesel consumido no país.
A expectativa da ABiogás é de que em 2019 a produção do país atinja 500 mil m³ por dia – ou 182,5 milhões de m³ por ano. Segundo a entidade, apenas em 2017 a Agência Nacional de Petróleo regulamentou a produção, a estocagem e o uso do biometano. A produção no país ainda é incipiente, mas a ABiogás prevê que ela poderá chegar a 32 milhões de m³ diários em 2030. O custo do biocombustível, a metade do diesel, deve incentivar o consumo.
Na Europa e nos Estados Unidos o uso de gás natural em caminhões e ônibus é comum. Apenas a FPT Industrial já equipou mais de 30 mil desses veículos. A propulsão de tratores, porém, exige um desenvolvimento próprio, devido às condições mais severas relacionadas à topografia irregular, ao peso arrastado, à constante baixa velocidade em que o veículo trabalha e à intensidade do uso.
As características de regulagem dos motores dos tratores no Brasil e na Europa são diferentes. Por isso, a versão brasileira, em estágio mais avançado, deverá chegar ao mercado antes da europeia. A engenharia da companhia trabalha para proporcionar uma maior autonomia aos tratores. Hoje um trator a biometano opera sem necessidade de reabastecimento 80% do tempo de uma máquina com potência equivalente movida a diesel. “Nossa meta é igualar ou mesmo superar a autonomia do diesel antes de lançar a versão comercial”, diz Soares.
A união de esforços de diversas equipes de P&D da CNH Industrial para o desenvolvimento do novo trator é um exemplo do modo de operar da companhia. “Há um forte intercâmbio de informações, experiências e experimentos entre os times internacionais de marketing,
produção e pesquisa para a criação de inovações e novos produtos globais, mas com características que atendam às demandas locais”, afirma Soares.
Criada há apenas cinco anos a partir da fusão da Fiat Industrial e a CNH Global, a CNH Industrial atua não apenas na fabricação de equipamentos agrícolas, mas também de caminhões, ônibus, motores e maquinário para construção. Fazem parte do portfólio da companhia 12 marcas, entre elas Iveco, Case, New Holland, Magirus e FPT Industrial. São 64 fábricas no mundo, sendo sete no Brasil. Em 2017, registrou uma receita de US$ 27,4 bilhões. Naquele ano investiu US$ 950 milhões em projetos desenvolvidos em seus 53 centros de P&D, que reúnem 6 mil pessoas dedicadas à inovação.
Na América Latina são seis centros de P&D, cinco deles no Brasil, que contaram com um orçamento de US$ 100 milhões em 2017. São 600 profissionais dedicados a P&D, quase todos graduados em engenharia, sendo 12 doutores, 36 mestres e 18 atualmente cursando mestrado. No mundo, o grupo soma 9,6 mil patentes ativas. No Brasil são 900. Conforme dados do Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI), em 2017 a CNH Industrial depositou 150 novos pedidos de patentes, o que estabeleceu a companhia no sétimo posto entre os solicitantes do ano.
A CNH Industrial informa que 46 dos pedidos de patentes de 2017 foram gerados por inventores brasileiros. O trabalho de inovação do grupo é resultado não apenas de seus centros de P&D, mas também de programas de incentivos à apresentação de ideias dos funcionários e de parcerias com fornecedores. O grupo desenvolve, ainda, projetos com universidades, como a Federal de Minas Gerais (UFMG), a Estadual de Campinas (Unicamp) e a Estadual Paulista (Unesp), e instituições de pesquisa, como Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT), Instituto Agronômico de Campinas (IAC), Centro de Tecnologia Canavieira (CTC) e Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa).
A companhia depositou 150 pedidos de patentes no INPI em 2017, o que fez dela a sétima maior solicitante do ano no país
O impulso do campo
A P&D voltada ao agronegócio é a mais ativa no Brasil e respondeu por mais da metade das solicitações de patentes da CNH Industrial no país em 2017. “O Brasil é continental. A diversidade geográfica é maior que na Europa. Desenvolvemos soluções específicas para a realidade local”, conta Soares. Um exemplo é a colheitadeira de grãos Case Axial-Flow 230 Extreme criada no Brasil e na Argentina e lançada em 2017. A novidade é um rotor, o Extreme, que trabalha de forma alternada para frente e para trás, e foi projetado com estruturas de “gengivas” e “barras separadoras” mais aptas a fazer a debulha de grãos colhidos mais verdes e úmidos do que ocorre em outras regiões do mundo. “Há um ganho de 10% em produtividade”, informa Soares.
A telemetria das máquinas é outra prioridade da equipe de P&D agrícola. A companhia desenvolveu um sistema de medição de parâmetros e comunicação de informações que envolve um modem instalado nas máquinas e um servidor acessado por um portal na internet. José Paulo Molin, professor de engenharia de biossistemas da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz da Universidade de São Paulo (Esalq-USP), em Piracicaba, explica que a telemetria permite que os gestores tenham informações em tempo real do funcionamento dos equipamentos. Com isso, podem detectar e corrigir eventuais falhas na logística do campo, sincronizando o trabalho das colhedoras de cana, tratores, caminhões e da usina, além de possibilitar uma manutenção preditiva, evitando paradas não planejadas.
“A gestão da informação é um dos grandes problemas que levam à baixa produtividade das máquinas agrícolas no Brasil. A conectividade no campo viabilizará o uso de tecnologias como a telemetria e a internet das coisas [IoT], que são soluções para esse problema”, afirma Molin.
Projetar veículos adequados à realidade brasileira também é prioridade na Iveco, braço da CNH Industrial que fabrica ônibus, comerciais leves e caminhões. Darwin Viegas, diretor de Engenharia e Desenvolvimento de Produtos da marca, destaca que a infraestrutura precária do país demanda veículos mais robustos, mas a limitação do poder de compra do brasileiro também requer que os produtos apresentem custos menores e maior durabilidade. “Um veículo europeu não apresenta bom desempenho aqui. As condições de uso são diferentes”, aponta.
Em maio de 2018, a Iveco lançou o Daily City 30S13, uma versão da linha global de comerciais leves para transporte urbano projetado para o mercado brasileiro. “É um veículo pensado para o usuário que tem um negócio próprio e precisa entregar sua mercadoria ou transportar matéria-prima”, explica Viegas.
O Daily City tem um conjunto de chassis, suspensão e trem de força mais leve, possibilitando um aumento da capacidade de carga útil em 300 quilos, totalizando 1.800 quilos. O chassi, por exemplo, possui um quadro de 4 milímetros (mm), enquanto o original tem 5 mm. Outro fator que colabora na redução de peso é o uso de tração traseira, enquanto o mais usual nesse mercado é a tração dianteira. Também é novidade o novo motor F1A, criado pela FPT brasileira, que permite respostas rápidas e menor consumo de combustível. “O mercado de entregas fragmentadas cresce no mundo inteiro. O Daily City é um produto local com vocação para se tornar global”, diz Viegas.
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