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Paleontologia

Espécie descoberta no Sul é um dos dinossauros carnívoros mais antigos do mundo

Encontrado em Santa Maria, réptil tinha pouco mais de 1,5 metro de comprimento e viveu há 233 milhões

Representação artística, onde um Nhandumirim waldsangae se depara com um pequeno cinodonte Alemoatherium huebneri, que pode ser sua próxima presa

Jorge Blanco

Um dos mais antigos dinossauros carnívoros do mundo, Nhandumirim waldsangae, um pequeno bípede que viveu há 233 milhões de anos na área onde atualmente se encontra o município gaúcho de Santa Maria, foi descrito ontem (14/02) na versão eletrônica do Journal of Vertebrate Paleontology. O fóssil da nova espécie, incompleto e bastante fragmentado, foi descoberto há sete anos por uma equipe de paleontólogos da Universidade de São Paulo (USP), campus de Ribeirão Preto, e da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM). Ele foi encontrado no mesmo nível estratigráfico da unidade geológica conhecida como Formação Santa Maria em que foram achados dois outros dinossauros que estão entre os mais antigos do mundo: Saturnalia tupiniquim, descoberto na década de 1990, e Staurikosaurus pricei, coletado nos anos 1930. Ou seja, os três devem ter vivido mais ou menos no mesmo período, na Idade Carniana do Triássico Superior.

“Não é possível dizer qual deles era o mais antigo”, explica o paleontólogo Max Langer, da USP, um dos autores do estudo. “Os fósseis de Saturnalia e da nova espécie foram encontrados na mesma localidade a 4 ou 5 metros de distância um do outro.” Também assinam o artigo científico pesquisadores das universidades federais de Santa Maria, de Minas Gerais (UFMG) e de Pernambuco (UFPE) e da Universidade de Birmingham, do Reino Unido. Praticamente todos os dinossauros com idade superior a 230 milhões de anos saíram de escavações feitas no Sul do Brasil ou na Argentina, que parece ser o mais provável berço desses répteis extintos. Há apenas uma exceção, Nyasasaurus parringtoni, um herbívoro que teria vivido há 245 milhões onde hoje fica a Tanzânia, na África Oriental. No entanto, a classificação do Nyasasaurus – cujo fóssil não se encontra bem preservado – como dinossauro não é consensual entre os especialistas.

Voltaire Paes Representação esquemática dos ossos preservados do esqueleto de Nhandumirim waldsangaeVoltaire Paes

O nome científico Nhandumirim waldsangae remete às características anatômicas e ao local em que foi achado o fóssil da espécie, pertencente a um exemplar juvenil, não adulto. Na língua tupi, nhandu significa ema, uma referência à semelhança geral que os dinossauros bípedes apresentavam com as chamadas aves ratitas, que não voam. O termo mirim, também de origem tupi, quer dizer pequeno, alusão ao porte modesto do animal, com no máximo 1,5 metro de comprimento. Já o termo waldsangae faz referência ao sítio paleontológico Waldsanga, às vezes também denominado cerro da Alemoa, onde esse e outros importantes fósseis de Santa Maria foram encontrados. “Descobrimos o fóssil quando, durante um trabalho de coleta em fevereiro de 2012, um colega pisou em uma falange no afloramento”, recorda-se o paleontólogo Júlio Marsola, primeiro autor do artigo científico, que tratou da nova espécie em seu doutorado, defendido na USP em 2018.

Por se tratar de um fóssil bastante incompleto, composto basicamente de ossos do tronco e da pata esquerda do réptil, e oriundo de um exemplar não adulto, que, portanto, ainda não terminou de crescer, os pesquisadores tiveram alguma dificuldade de classificar a nova espécie entre as primeiras linhagens conhecidas de dinossauros. “Os fósseis de espécimes juvenis podem apresentar diferenças significativas em relação ao adulto”, pondera Marsola. No entanto, algumas características anatômicas identificadas em Nhandumirim, sobretudo na região do tornozelo, levaram os paleontólogos a colocá-lo dentro do grupo dos terópodes, carnívoros bípedes que, posteriormente, deram origem a dinossauros muito conhecidos, como Tyrannosaurus rex Velociraptor mongoliensis, além das aves. “Se estivermos corretos, Nhandumirim deve ser o terópode mais antigo que viveu em terras hoje situadas no Brasil”, comenta Langer, cujos estudos são financiados por um projeto temático da FAPESP. A espécie Eodromaeus murphi,encontrada na Formação Ischigualasto, no noroeste da Argentina, é outro terópode com idade superior a 230 milhões de anos, que disputa com a nova espécie o posto de dinossauro carnívoro mais antigo do mundo.

Projeto
A origem e irradiação dos dinossauros no Gondwana (Neotriássico – Eojurássico) (nº 14/03825-3); Pesquisador responsável Max Langer (USP); Modalidade Projeto Temático; Investimento R$ 1.959.890,17.

Artigo científico
MARSOLA, J.C. A. et al. A new dinosaur with theropod affinities from the Late Triassic Santa Maria Formation, South Brazil. Journal of Vertebrate Paleontology. 14 fev. 2019.

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