“Já aconteceu de marcarmos tubarões em Fernando de Noronha e sua marca ser recuperada na costa do Senegal, na África”, diz o engenheiro de pesca Fábio Hazin. O grupo coordenado por ele na Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE) se especializa no monitoramento por satélite – usando as tais marcas – de uma diversidade de espécies de tubarões oceânicos, ou pelágicos. O problema é que, nesses amplos trajetos, os avantajados peixes buscam zonas ricas em alimento. Nelas podem encontrar um competidor perigoso, de acordo com artigo publicado na edição desta semana (25/7) da revista Nature: barcos pesqueiros, contribuindo para reduzir as populações desses predadores marinhos.
Alguns integrantes do grupo de Hazin participaram do estudo, liderado por pesquisadores de Portugal e da Inglaterra, contribuindo com o conhecimento sobre cinco espécies. São elas o tubarão-baleia (Rhincodon typus), estudado por Bruno Macena, o tubarão-tigre (Galeocerdo cuvier), por André Afonso, o tubarão lombo-preto (Carcharhinus falciformes) por Fernanda Lana, o tubarão-martelo (Sphyrna lewini), por Natalia Bezerra, e o tubarão galha-branca (Carcharhinus longimanus), estudado por Mariana Tolotti sob orientação de Paulo Travassos, também da UFRPE e coautor do trabalho. Além desses, a parceria de mais algumas dezenas de pesquisadores de vários países garantiu um conjunto de 23 espécies, que Hazin considera ser uma proporção considerável dos tubarões pelágicos. Todos os projetos usam equipamento semelhante, em grande parte produzido pelo mesmo fabricante, o que garante que os dados sejam comparáveis. Depois de aproximar-se o suficiente do tubarão, ou capturá-lo para trazê-lo perto do barco, os pesquisadores prendem a marca eletrônica na nadadeira dorsal com ajuda de um dardo. Esse equipamento fica fixo no animal por até seis meses, armazenando dados de profundidade, temperatura e localização geográfica. Quando se desprende do tubarão, o dispositivo sobe à superfície e transmite os dados – de onde estiver – por satélite. Os pesquisadores recebem então essas enormes quantidades de dados em seus computadores.
O estudo agora publicado é o primeiro a usar a metodologia para fazer um mapeamento global dos movimentos de tubarões oceânicos. De acordo com o estudo, quase dois terços das 23 espécies analisadas são classificadas como ameaçadas de extinção ou vulneráveis na lista vermelha da União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN), e um quarto é considerada quase ameaçada. A pesca de espinhel, na qual longas linhas com uma sucessão de anzóis se estendem para dentro da água, é a técnica responsável por boa parte das capturas de tubarões, sejam elas voluntárias ou incidentais (no caso de espécies cuja pesca é proibida).
O mapeamento das rotas dos tubarões e das zonas de pesca declaradas por cada país permitiu elaborar um índice de exposição à atividade pesqueira, variável geograficamente e conforme a espécie – as cinco estudadas pelo grupo pernambucano não estão entre as mais afetadas. As zonas que congregam mais impacto pesqueiro nas populações de tubarões estão no Atlântico Norte, na costa pacífica dos Estados Unidos, ao sul do continente africano e a leste da Austrália.
Hazin avisa que há um viés de amostragem, porque os pesquisadores muitas vezes pegam carona em barcos de pesca para marcar tubarões, encontrando necessariamente aqueles que transitam por áreas pesqueiras. Mas nem sempre é assim, e os dados obtidos de outra maneira indicam que os resultados refletem a realidade de suas migrações. Ele também tem críticas a estudos que vêm sendo publicados com dados muito alarmistas, vaticinando o fim dos grandes peixes em um futuro relativamente próximo. “Há muitas críticas a esses estudos na comunidade acadêmica, embora não existam dúvidas de que as populações de tubarões têm se reduzido.”
O biólogo marinho brasileiro Rodrigo Rodrigues Domingues, atualmente em estágio de pós-doutorado no Centro Interdisciplinar de Investigação Marinha e Ambiental da Universidade do Porto, em Portugal, é especialista na saúde genética de populações de tubarões e avalia que o trabalho, do qual ele não participou, cumpre um papel importante por identificar hábitats preferenciais de muitas espécies de tubarões. Ele afirma ser consenso que a pesca seja um dos principais fatores de redução das populações de tubarões. “A atividade acelera um processo natural que se chama deriva genética, na qual variantes de genes são perdidas na população, causando uma erosão na diversidade genética. Como consequência, há uma fragilidade genética”, explica. Os tubarões já têm, naturalmente, uma baixa variabilidade genética porque passaram por cinco extinções em massa ao longo da sua história evolutiva, nas quais as populações foram restabelecidas a partir de poucos indivíduos. Por isso, têm capacidade reduzida para lidar com desafios ambientais, como os impostos por alterações no seu hábitat.
A partir do mapeamento, a proposta dos pesquisadores é estabelecer proibição de pesca – pelo menos com espinhel – nas áreas mais ecologicamente importantes para esses animais. “A proteção não pode ser estática”, alerta Hazin. “O ambiente está sempre em movimento, e é possível manter o monitoramento com satélite para ajustar as áreas de proteção conforme a dinâmica das espécies.”
O pesquisador da UFRPE considera que essas medidas são essenciais para a manutenção de populações sustentáveis de tubarões, inclusive tendo em vista benefícios à atividade comercial. “A pesca pode ser economicamente rentável e ecologicamente sustentável”, explica, destacando que é possível fazer combinações de proteção que tragam benefícios de todos os lados.
Artigo científico
QUEIROZ, N. et. al. Global spatial risk assessment of sharks under the footprint of fisheries. Nature. 25 jul. 2019.