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Neurociência

Danos do zika no cérebro adulto

Experimento feito em camundongos mostrou que o vírus pode infectar neurônios e causar perda de memória

Neurônios identificados por um anticorpo específico (à esq.), marcação com anticorpo contra o vírus Zika (meio) e união das duas imagens (à dir.): neurônios infectados aparecem em amarelo pela sobreposição de verde e vermelho

UFRJ

O vírus zika pode infectar e se reproduzir em tecidos cerebrais de pessoas adultas, produzindo novas partículas virais capazes de infectar mais células nervosas. A conclusão resulta de experimentos realizados na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) com fragmentos de córtex que seriam descartados em cirurgias realizadas no Hospital Universitário. O trabalho, publicado em 5 de setembro na revista Nature Communications, amplia o alcance do vírus.

Em estudos anteriores, o vírus havia sido detectado apenas em neurônios em formação ou imaturos, em cérebros em desenvolvimento, como o de embriões, causando microcefalia e outras malformações neurológicas. “Vimos que o vírus pode infectar e se replicar também em neurônios maduros, de adultos, que pensávamos que fossem resistentes à infecção”, diz o bioquímico e neurocientista Sergio Teixeira Ferreira, pesquisador da UFRJ e coordenador desse trabalho.

Em consequência, ele acrescenta, “a infecção pelo vírus zika não é mais um problema apenas para grávidas e fetos, na medida em que pode causar danos relevantes também em adultos, que têm sido pouco acompanhados”.

Entrevista: Sergio Teixeira Ferreira
     

Para examinar as consequências da infecção pelo zika, a equipe da UFRJ injetou uma solução com o vírus purificado, obtido de um paciente brasileiro, diretamente no cérebro de camundongos adultos, comparando os resultados com o grupo controle, formado por animais que não receberam o vírus. Os animais infectados apresentaram perda de memória e problemas motores, mesmo depois de o organismo combater a infecção. As regiões do cérebro responsáveis pela aprendizagem, memória e controle motor foram os principais alvos da replicação do vírus.

Uma análise mais profunda indicou que o vírus causou uma inflamação intensa no cérebro de camundongos. Após detectarem o vírus, células de defesa intensificaram a produção de proteínas conhecidas como fator de necrose tumoral alfa (TNF-α), que induzem a morte de células infectadas ou anormais. O TNF-α também ativa células de defesa residentes do cérebro chamadas micróglias.

Em consequência dessa ativação, as micróglias atacam e destroem sinapses (conexões entre os neurônios) marcadas indevidamente por proteínas do chamado sistema complemento, que integra o sistema de defesa do organismo contra microrganismos causadores de doenças. A destruição das sinapses parece estar associada à perda de memória.

Reiterando essa conclusão, os animais recuperaram a memória depois de tratados com um antibiótico de amplo espectro de ação, a minociclina, e o anticorpo anti-TNF-α infliximabe, que bloquearam a ativação das micróglias. “Esses dois medicamentos poderiam eventualmente ser usados para deter a inflamação e a destruição das sinapses”, cogita Ferreira.

Esses achados indicam que a perda de memória e o déficit intelectual provocados pelo zika são causados por uma reação do organismo à infecção, não pela morte de neurônios. “Não vimos morte de neurônios adultos, diferentemente do que ocorre no cérebro em desenvolvimento”, diz o pesquisador da UFRJ. “Do ponto de vista da saúde pública”, Ferreira sugere, “seria importante avaliar a memória e a cognição em adultos infectados como uma comorbidade potencialmente significativa da infecção pelo zika”.

Segundo ele, embora o número de casos registrados tenha caído bastante – de 216 mil em 2016 para 8,1 mil em 2018 –, o fato de as populações de mosquitos não estarem sob controle sugere que o número de indivíduos infectados provavelmente permanecerá elevado nos próximos anos e poderá se espalhar para novas regiões do país.

Atualmente a região Norte é a que apresenta o maior crescimento no número de pessoas infectadas pelo vírus: no Acre, o número de casos passou de seis – de janeiro a março de 2018 – para 90 nos três primeiros meses de 2019; em Tocantins, o total passou de 41 no primeiro trimestre do ano passado para 708 de janeiro a março deste ano.

Artigo científico
FIGUEIREDO, C. P. et al. Zika virus replicates in adult human brain tissue and impairs synapses and memory in mice. Nature Communications. v.10, 3890. 5 jun. 2018.

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