Projetos que unem ciência, atividades lúdicas e arte buscam aproximar a floresta de quem não vive nela, especialmente estudantes
Floresta amazônica em torno da torre da ZF-2, em área de pesquisa do Inpa próxima a Manaus; torre é usada para pesquisa, para observação de aves por amadores, para atividades do Bosque da Ciência e do LABVERDE
Rogério Assis
No mês passado, uma pequena peça de papelão com uma lente acoplada que, quando presa no smartphone, transforma o aparelho em microscópio causou verdadeira comoção no Centro de Tecnologia Aplicada, escola situada em Padre Miguel, no Rio de Janeiro. “A escola parou, desde alunos e funcionários até a direção”, conta Aline Soares Magalhães, professora de biologia e química. “Os estudantes ficaram alucinados ao enxergar a pele em escala microscópica”, conta. Em aulas subsequentes, o que parece abstrações de livros didáticos — como as células — ganhou, pela primeira vez, contornos de realidade. Um benefício adicional foi transformar o celular, motivo permanente de distração, em equipamento científico de aprendizado ausente na maioria das escolas públicas brasileiras.
O microscópio de papelão havia chegado às mãos da professora alguns dias antes durante uma oficina do Inspira Ciência, programa de formação de docentes da educação básica realizado pelo Museu do Amanhã e pelo British Council, com patrocínio da IBM. A oficina foi conduzida por Filipe Oliveira, biólogo e fundador do Conector Ciência, uma microempresa carioca que ensina atividades de baixo custo para professores. O objetivo, segundo ele, é mostrar que “ciência e tecnologia podem ser feitas por todos em qualquer lugar”. Em escolas, os próprios estudantes podem desmontar leitores de CD para montar microscópios, o que ele denomina de hackeamento.
A atividade que reuniu professores no Museu do Amanhã em agosto foi uma entre diversas outras movidas pela preocupação de revelar o universo da Amazônia aos estudantes e ao público que conhece o bioma apenas por conceitos equivocados, como o de que a região é o pulmão do mundo. Oliveira realizou as oficinas depois de voltar de uma expedição percorrendo o Amazonas de Belém a Manaus, na qual adquiriu material físico disponível em mercados, como plantas e animais, e colecionou histórias locais relacionadas com a sustentabilidade.
Com o aparato, desenvolvido por ele, os participantes observaram partes de uma seringueira e, ao mesmo tempo, aprenderam que na comunidade de Jamaraquá, na Floresta Nacional do Tapajós, em Belterra, no Pará, as mulheres incrustam o látex com sementes coloridas para fazer bijuterias vendidas a valores muito acima do alcançado pela própria borracha. “Nosso objetivo é sair da abstração do ‘oceano verde’ e entrar nas particularidades do ambiente e dos povos que vivem lá”, conta Oliveira.
Oficina do Conector ciência para professores no Museu do Amanhã, no Rio de Janeiro Tuomas Saikkonen
Floresta na cidade Outra iniciativa de divulgação científica sobre a Amazônia – que já existe desde 1995 – é o Bosque da Ciência, espaço preservado de visitação pública do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), em Manaus. Um de seus programas, o Circuito da Ciência, recebe entre 300 e 350 crianças de três ou quatro escolas na última sexta-feira de cada mês. Os alunos visitam estações com diferentes temáticas, como biodiversidade, tecnologia, saúde e cidadania, com explicações dadas pelos próprios pesquisadores do Inpa. O bosque como um todo recebe cerca de 120 mil visitantes por ano, 85% provenientes de escolas, inclusive de outras cidades.
Surpreendentemente, entre aqueles que pouco sabem sobre a floresta está a própria população urbana nascida e criada em Manaus. “Há na capital uma ideia muito difundida de que a floresta é um lugar perigoso, com doenças e animais que podem matar”, conta Rita Mesquita, bióloga e coordenadora de extensão do Inpa. “A visita no Bosque da Ciência é transformadora. Muitas das crianças passam a considerar uma profissão como biólogo ou cientista e voltam com os pais para visitar o parque. Os próprios moradores da cidade ficam encantados ao conhecer os detalhes da vida na floresta.” Ela e seus colegas pretendem aprofundar a relação com as escolas, criando uma plataforma que ajude os professores a desenvolver as atividades antes de chegar no bosque. Para esse fim, competem por apoio no Camp Serrapilheira, uma iniciativa do Instituto Serrapilheira, no Rio de Janeiro, que financia projetos inovadores de divulgação de ciência.
No bosque da Ciência os estudantes podem manusear animais amazônicos, como esse jabuti Wérica Lima / Inpa
Inspiração no conhecimento Embora Mesquita enfatize o papel da ciência nas atividades de extensão, essa não é a única forma de sensibilizar as pessoas para a importância da natureza. Há, ainda, uma intensa atividade cultural promovida pelo parceiro LABVERDE, programa de formação artística de 10 dias, não vinculado a uma universidade, que atrai artistas de diferentes linguagens, como pintura, escultura e coreografia – e também está entre os concorrentes do Camp Serrapilheira. “O objetivo da imersão na floresta não é produzir, mas absorver informações científicas e discutir dados, que servem de inspiração para novas obras e projetos culturais”, diz a curadora de arte Lilian Fraiji, fundadora e coordenadora do LABVERDE.
Ela conta que em um desses cursos, o caminho usual se inverteu e a arte inspirou a ciência. A musicista e bióloga norte-americana Lisa Schonberg, que compõe música para uma orquestra percussiva baseada no som de formigas, surpreendeu o biólogo e entomólogo Fabrício Baccaro, da Universidade Federal do Amazonas, um dos pesquisadores que participam ativamente no programa, ao contar que formigas pequenas também produzem sons. Ao contrário dos caros geofones, instrumento de R$ 6 mil que detecta ruídos na terra – usado em testes sísmicos e, na biologia, para gravar o som das formigas grandes, cupins, minhocas e outros vertebrados de solo –, Schonberg usava microfones específicos para instrumentos musicais, que conseguiram captar o som dessas formigas pequenas. O custo desses equipamentos era bem menor, cerca de R$ 80.
As apresentações musicais de Schonberg são regadas a informações ecológicas obtidas na formação do LABVERDE, como o fato de que formigas são bons indicadores de qualidade ambiental. Com Baccaro ela aprendeu, por exemplo, que uma queda na numerosa população das formigas nômades, que são predadoras, é sinal de problemas. Já o número de cortadeiras tende a aumentar com o desmatamento — supõe-se que nas clareiras a luz facilita o crescimento de espécies oportunistas de crescimento rápido, plantas mais tenras, que agradam a esses insetos. Baccaro montou uma biblioteca sonora com 65 espécies e prevê para o ano que vem a publicação do primeiro artigo de uma nova linha de pesquisa sobre a comunicação sonora de formigas, utilizando apenas os microfones baratos usados para instrumentos musicais.
As experiências desses projetos de divulgação realizadas na própria Amazônia e fora dela mostram que há caminhos viáveis para valorizar a mata. Construir um bosque de ciência como o do Inpa, por exemplo, não é privilégio de vizinhos de grande vegetação. Mesquita conta que no terreno havia originalmente uma carvoaria com apenas uma árvore nativa. “Toda a vegetação de agora é secundária, plantada pelo instituto ou resultado de regeneração natural. Portanto, a experiência poderia ser replicada em cidades de todo o país”, diz ela. E defende que há interesse da população. “As pessoas formam grupos em volta dos pesquisadores para tirar dúvidas. Ficam fascinadas, muitas não sabem que gostam de ciência até conhecer um pouco mais sobre ela”, conta.
O pintor chileno Lorenzo Moya registra a paisagem Rogério Assis
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