Pecuaristas brasileiros contam com novas tecnologias que podem ajudar em uma tarefa trivial, mas nem sempre simples de executar: a pesagem do gado. Coletar esse dado – e usá-lo para tomar decisões – é uma das bases para a chamada pecuária de precisão, termo que atrela tecnologia e informação a uma maior produtividade e rentabilidade. O monitoramento desse parâmetro é importante para o produtor identificar o momento ideal de venda do animal para o abate, definir a melhor hora para o acasalamento e acompanhar a saúde do gado – uma perda súbita de peso pode sinalizar falha na alimentação ou doença.
Embora o “olhômetro” ainda seja adotado em boa parte das fazendas brasileiras para calcular o peso do rebanho, as opções presentes no mercado estão distantes de uma simples balança. Uma das dificuldades da pesagem tradicional é levar o gado até o aparelho, em geral instalado no curral, e colocar um animal por vez em cima dele, o que demanda grande movimentação, estressa o animal e acarreta custos. Em criações convencionais, o rebanho é pesado uma ou duas vezes por ano, quase sempre no momento da vacinação. Isso só ocorre, é claro, quando há balança na propriedade. “O ponto é que se mede pouco e mal”, afirma o pecuarista André Bartocci, diretor da Associação dos Criadores de Nelore do Brasil (ACNB).
Se o boi não vai até a balança, a balança pode ir até o pasto. Uma das soluções recém-criadas até dispensa o uso dela e adota, em seu lugar, câmeras capazes de estimar o peso dos animais. “Nosso objetivo é permitir o monitoramento frequente no pasto, sem alterar a rotina nem do boi nem da fazenda”, diz o cientista da computação Pedro Coutinho, CEO da startup capixaba Olho do Dono. Em março, a empresa disponibilizou uma solução para 15 pecuaristas na qual uma câmera tridimensional (3D) associada a um software calcula o peso do rebanho. A imagem é captada a partir de qualquer lugar da fazenda, com os animais em movimento. Basta que passem perfilados a no máximo 3 metros da câmera.
“Pode ser um corredor ou qualquer lugar que afunile a passagem do gado”, conta Coutinho. “Usando inteligência artificial, aprendizagem de máquina e estatística, nosso programa analisa 500 características físicas ligadas ao peso. Já pesamos mais de 20 mil bois e a acurácia média da pesagem individual é de 95%.”
Caso o rebanho tenha a identificação por brincos com chips ou tags, a pesagem pode ser individualizada. As informações vão direto da câmera para o laptop, e não há necessidade de internet para rodar o sistema. A startup, que levou quatro anos para criar a solução, teve apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa e Inovação do Espírito Santo (Fapes), da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep) e do fundo de investimento Primatec.
Outra solução, já disponível por algumas empresas há pelo menos dois anos, é uma balança de passagem que registra as informações do animal em movimento. Com ela, o boi ou a vaca podem ser pesados no pasto, sem precisar ficar parados para a medição. A Coimma, localizada em Dracena (SP), lançou em 2017 a balança de passagem BalPass, criada em parceria com a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) Gado de Corte, de Campo Grande (MS), e a Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS).
Composta por um módulo feito de madeira e aço, que pode ser levado para diferentes lugares da fazenda, a balança é dotada de sensor de presença, leitor de chip (para identificar cada animal), antena para transmissão de dados por radiofrequência e placa de energia solar. O sistema é geralmente colocado na passagem para o cocho de água. Toda vez que um animal vai beber água, tem seu peso aferido. Com isso, o pecuarista pode acompanhar o ganho de peso em qualquer lugar que esteja, pelo celular ou laptop.
“O produto começou a ser projetado há oito anos”, conta o engenheiro-agrônomo Rodrigo Fonseca Rangel da Rocha Gomes, gerente comercial da Coimma. “É o que enxergamos para uma pecuária cada vez mais ligada às informações do campo, com coleta de dados, internet das coisas e inteligência artificial”, diz.
No pasto ou confinado
A divisão brasileira da multinacional alemã Bosch também lançou uma balança de passagem, batizada de Plataforma Pecuária de Precisão, com conceito similar ao do sistema da Coimma. O módulo pode ser fixado em um corredor estreito de passagem em qualquer ponto da fazenda. Serve para o rebanho criado no pasto ou em confinamento.
Movido a energia solar, tem sensores de pesagem, sistema de identificação de brincos, unidade de processamento e antena para envio dos dados. “O produto fica conectado com a sede da fazenda, que se liga à nuvem. O algoritmo faz a curva diária de ganho de peso do animal e do rebanho”, destaca Paulo Rocca, vice-presidente da Bosch Soluções Integradas Brasil.
O desenvolvimento da tecnologia foi quase todo feito no país, com suporte da matriz na Alemanha. A unidade de negócios que gira em torno da plataforma tem 20 pessoas e outros 20 pecuaristas como clientes. “O Brasil tem proporções gigantescas, com produtores de várias características. O desafio é pôr essa tecnologia no campo de forma massificada e capilarizada”, ressalta Rocca.
O monitoramento do peso individual e diário do rebanho é apenas uma das informações coletadas nas soluções propostas pela spin-off @Tech, de Piracicaba (SP), que tem apoio da FAPESP por meio do programa Pesquisa Inovativa em Pequenas Empresas (Pipe). Segundo o veterinário Tiago Albertini, diretor da @Tech, a empresa já colocou dois produtos no mercado, o BeefTrader e 3DBeef, e tem outros oito em desenvolvimento.
O BeefTrader combina as informações dos animais com dados da indústria, identificando o momento ideal para que o produtor realize a venda, enquanto o 3DBeef, dotado de câmeras inteligentes que escaneiam o boi, mede a curva de acabamento de gordura do animal, também em tempo real. “A indústria não compra só peso, mas uma gordura de acabamento adequada sobre a carcaça. O frigorífico paga menos se a carcaça não estiver com a gordura correta”, diz Albertini. “Com a nossa plataforma, temos aumentado em até 25% a margem de lucro do produtor.”
Tecnologias criadas no país despertam interesse em pecuaristas do exterior
O Brasil é dono do maior rebanho bovino comercial do mundo, com 238 milhões de animais, seguido pelos Estados Unidos (94,7 milhões), China (90 milhões), União Europeia (87,5 milhões) e Argentina (53,8 milhões), conforme dados do Departamento de Agricultura dos Estados Unidos. De acordo com especialistas ouvidos pela reportagem, pecuaristas do exterior já demonstraram interesse pelas tecnologias de pesagem criadas no Brasil. Nesses países, a aferição do peso normalmente é feita com balanças convencionais.
Para o pesquisador Alberto Bernardi, da Embrapa Pecuária Sudeste, em São Carlos (SP), a introdução de novas tecnologias no meio rural é positiva, mas é preciso atentar para as diferenças existentes na pecuária nacional. Segundo ele, convivem no campo produtores profissionais modernos, focados no mercado externo, com pecuaristas tradicionais, que gerem precariamente a propriedade. “É necessário melhorar a profissionalização no sistema de produção de carne. Quem não se atualizar e mudar a forma de trabalhar vai estar cada vez mais fora do mercado”, ressalta Bernardi.
Ao mesmo tempo, o especialista alerta que não basta coletar informações sobre o peso do gado: é preciso saber usá-las corretamente. “Se o produtor não interpretar os dados coletados, não estará fazendo pecuária de precisão”, diz o pesquisador. Para Bernardi, cada vez mais aspectos relacionados ao bem-estar animal e às questões ambientais devem ser levados em conta pelos agropecuaristas.
Projeto
BeefTrader: Plataforma de inteligência de informações de mercado para maximização do lucro de produtores e da indústria frigorífica (nº 15/07855-7); Modalidade Pesquisa Inovativa em Pequenas Empresas (Pipe); Pesquisador responsável Tiago Zanett Albertini (@Tech); Investimento R$ 157.034,01.