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Saúde pública

Focos de barbeiros na cidade de São Paulo

Insetos transmissores da doença de Chagas foram encontrados no zoológico e no parque da Água Branca

Barbeiros se alimentam do sangue de galinhas no parque da Água Branca, em São Paulo, mas especialistas ainda consideram baixo o risco de transmissão da doença de Chagas

Léo Ramos Chaves

Depois de serem identificados em municípios da Grande São Paulo, insetos barbeiros foram encontrados na capital paulista. O barbeiro é o transmissor do protozoário Trypanosoma cruzi, causador da doença de Chagas. Um foco foi achado no parque da Água Branca, na zona oeste da cidade; outro no zoológico, na zona sul. Segundo técnicos da Superintendência de Controle de Endemias (Sucen), o risco de infecção para seres humanos é baixo.

No parque, uma equipe da Sucen encontrou colônias com ninfas e adultos de Panstrongylus megistus sob as telhas em que dormem as cerca de mil galinhas mantidas no local. “As aves são refratárias à infecção, mas servem de alimento aos insetos transmissores”, observa o biólogo Rubens Antonio da Silva, pesquisador científico e coordenador técnico do programa de controle de doença de Chagas da Sucen.

A situação no zoológico foi delineada em uma dissertação de mestrado realizada pela veterinária Suelen Ferreira, da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) do Rio de Janeiro e concluída este ano. Ela coletou 11 barbeiros da espécie P. megistus, a que mais preocupa atualmente por ser capaz de viver tanto em matas quanto em espaços domésticos, e dez deles estavam infectados com o protozoário T. cruzi.

Em 25 dos 106 animais de cativeiro examinados – principalmente macacos, entre eles o mico-leão-de-cara-dourada (Leontopithecus chrysomelas) – foram detectados sinais de contato com parasitas dessa espécie. T. cruzi foi encontrado também em 33 dos 66 mamíferos de vida livre – como gambás, roedores e macacos – que vivem soltos nas matas vizinhas.

“É fundamental acompanhar a saúde animal e compreender seus padrões de infecção como forma de melhorar sua qualidade de vida e prevenir a transmissão de parasitas”, concluiu Ferreira em seu estudo. O zoológico, segundo o veterinário Fabrício Rassy, chefe da Divisão de Veterinária, está acompanhando os animais. “Não encontramos nenhum sinal clínico da doença entre eles”, diz.

Macacos e cães podem desenvolver a doença com complicações cardíacas, decorrentes da resposta do organismo contra o parasita. Mas, em geral, os mamíferos, incluindo morcegos, roedores e felinos, funcionam como reservatórios de T. cruzi, podendo transmitir para outros animais e para o ser humano se forem picados por barbeiros.

Outros zoológicos
A situação do zoológico paulistano não é um caso isolado, o que indica que pode ser um problema mais antigo apenas detectado recentemente. A veterinária Carolina Zetun, da Universidade Estadual Paulista (Unesp), examinou amostras de sangue de três cachorros-do-mato (Cerdocyon thous) do zoológico de Sorocaba, interior paulista, e todas apresentaram sinais de T. cruzi. A conclusão desse trabalho, publicado em 2014 na revista Veterinária e Zootecnia, é que essa espécie poderia ser suscetível à infecção, mesmo em cativeiro.

No zoológico de Brasília, o biólogo Filipe Reis, diretor da Área de Mamíferos, encontrou ambientes infestados e potencial risco de transmissão de T. cruzi para animais. A primeira colônia de barbeiros foi detectada no zoológico em 2012 e, quatro anos depois, comprovada a transmissão de T. cruzi para os primatas em cativeiro, como detalhado em um artigo publicado em janeiro de 2016 na Parasites & Vectors. Em 2016 e 2017, Reis encontrou outra colônia com 17 adultos, duas ninfas e 32 ovos de P. megistus no recinto do ouriço-caixeiro (Coendou prehensilis). Em 24 das 50 espécies de animais examinadas, as análises registraram sinais de contato com T. cruzi, encontrado com mais frequência nos mico-leões-da-cara-dourada entre os primatas e nos lobos-guará (Chrysocyon brachyurus) entre os carnívoros.

Léo Ramos Chaves Panstrongylus megistus, encontrado em áreas urbanas próximas às matasLéo Ramos Chaves

Detalhado em sua dissertação de mestrado, apresentada em 2018 à Universidade de Brasília (UnB), e em um artigo de novembro de 2019 na Veterinary Medicine and Science, o trabalho de Reis ampliou a lista de espécies de primatas infectados por T. cruzi, registrado pela primeira vez no macaco-barrigudo-cinzento (Lagothrix cana), no macaco-aranha-de-cara-branca (Ateles marginatus) e no cuxiú-preto (Chiropotes satanás). Foi também o primeiro relato em cachorro-vinagre (Speothos venaticus), lontra (Lontra longicaudis), urso-andino (Tremarctos ornatos), gato-do-mato (Leopardus tigrinus), gato-palheiro (Leopardus colocolo) e jaguarundi (Puma yagouaroundi).

Risco de transmissão
Por enquanto, tanto no parque da Água Branca quanto no zoológico, os riscos de contaminação são muito pequenos, afirmam técnicos da Sucen. A transmissão nos centros urbanos, hoje, é essencialmente oral, quando as fezes de um barbeiro infectado contaminam a água ou os alimentos consumidos pelas pessoas. A identificação de novos focos, porém, indica que os barbeiros estão se movimentando pelo município de São Paulo, usando os parques urbanos e fragmentos de mata como abrigos antes de chegar às casas e condomínios, aumentando o risco de transmissão.

As equipes da Sucen têm coletado mais barbeiros infectados com T. cruzi em casas e condomínios da Grande São Paulo desde 2015, principalmente em Taboão da Serra (ver tabela). A ocorrência maior de barbeiros é mais frequente em matas próximas do rodoanel Mário Covas, como descrito em um artigo publicado em novembro no Boletim Epidemiológico Paulista (Bepa).

Em outro artigo na mesma edição, a médica Ruth Moreira Leite, do Centro de Vigilância Epidemiológica da Secretaria do Estado da Saúde de São Paulo, comenta dos desafios para a identificação da doença de Chagas em seres humanos. Segundo ela, os moradores de centros urbanos raramente identificam os barbeiros, etapa fundamental para a solicitação de buscas detalhadas pela Sucen, já que a transmissão da doença foi eliminada na década de 1970 nessas áreas e os habitantes não conhecem o inseto. Além disso, poucos médicos jovens conseguem diagnosticar um caso agudo de doença de Chagas. E, para piorar, poucos laboratórios no estado de São Paulo ainda fazem os testes para identificação do parasita no sangue.

Artigos científicos
ZETUN, C. B. Infecção por Trypanosoma cruzi em animais silvestres procedentes de zoológicos do estado de São Paulo. Veterinária e Zootecnia. v. 21, n. 1, p. 139-47. mar. 2014
MINUZZI-SOUZA T. T. et al. Vector-borne transmission of Trypanosoma cruzi among captive Neotropical primates in a Brazilian zoo. Parasites & Vectors. v. 9, 39. jan. 2016.
SILVA, R. A. da; ESTEVÃO, V. A. de O; DUARTE, A. N. Triatomíneos na Região Metropolitana de São Paulo: Vigilância entomológica. Boletim Epidemiológico Paulista (Bepa). v. 16, n. 190, p. 13-18. out. 2019.
LEITE, R. M. Doença de Chagas. Boletim Epidemiológico Paulista (Bepa). v. 16, n. 190, p. 19-29. out. 2019.
REIS, F. C. et al. Trypanosomatid infections in captive wild mammals and potential vectors at the Brasilia Zoo, Federal District, Brazil. Veterinary Medicine and Science. on-line. 19 nov. 2019.

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