A National Science Foundation (NSF), principal agência de fomento à pesquisa básica nos Estados Unidos, contratou um grupo independente que assessora o governo norte-americano em assuntos de segurança para examinar um tema sensível: o risco de que governos estrangeiros se apropriem ilegalmente de informações científicas produzidas em laboratórios e universidades do país, aproveitando-se de um ambiente em que as colaborações internacionais são cada vez mais frequentes e a presença de talentos vindos do exterior é marcante. Os resultados foram divulgados em dezembro, em um relatório produzido por um painel de pesquisadores de 10 instituições, advogados e representantes da comunidade de inteligência.
De acordo com o documento, intitulado “Segurança da pesquisa fundamental”, o risco é concreto e pesquisadores que esconderem laços com governos estrangeiros devem ser investigados e punidos por má conduta. “Há casos comprovados que justificam as preocupações e a necessidade de agir”, informa o relatório, que aponta as maneiras mais comuns por meio das quais governos estrangeiros podem exercer influência nos rumos de pesquisas feitas nos Estados Unidos: coagindo ou oferecendo recompensas para que um pesquisador adote comportamentos irregulares, omitindo de instituições financiadoras conflitos de interesse ou roubando propriedade intelectual.
Uma investigação realizada no ano passado pelos Institutos Nacionais de Saúde (NIH), agência que apoia a pesquisa biomédica nos Estados Unidos, identificou 180 cientistas estrangeiros que trabalham em instituições do país, na maioria chineses e também de países como Rússia e Irã, que omitiram receber apoio de governos e instituições de fora com os quais mantêm parcerias – o vínculo não foi declarado nos pedidos de financiamento, mas apareceu nos artigos científicos resultantes das pesquisas apoiadas. Foram encontrados indícios de que alguns desses cientistas estavam realizando sua pesquisa conjuntamente em dois laboratórios diferentes – um nos Estados Unidos, outro em seu país de origem – sem que isso fosse sabido. “Dirigentes das universidades nos disseram que ficaram surpresos e chocados, pois não faziam ideia de que seus empregados passavam meses atuando em outra instituição”, disse à revista Science Michael Lauer, um dos responsáveis pela investigação dos NIH. “Encontramos um pesquisador que recebeu US$ 5 milhões de uma universidade chinesa para investir em uma startup e não informou o vínculo para ninguém, nem para nós nem para a universidade norte-americana que o empregava.”
Uma investigação do FBI evidenciou também violação do sigilo no processo de revisão por pares. O conteúdo de projetos de pesquisa em avaliação foi compartilhado irregularmente com colegas do exterior por um cientista asiático do M.D. Cancer Center, em Houston. Esse caso e outro semelhante na Universidade Emory, em Atlanta, tornaram-se públicos e resultaram na demissão de cinco pesquisadores estrangeiros.
O relatório encomendado pela NSF sugere a pesquisadores e universidades norte-americanos que, antes de se engajarem em uma colaboração, avaliem com cuidado as possíveis consequências negativas para a segurança do país ou para a competitividade da economia, preocupando-se em conhecer todos os parceiros que participam do projeto e em estabelecer regras claras sobre a disseminação de resultados.
O painel, contudo, condena frontalmente uma ideia que vem ganhando corpo nos Estados Unidos, a de impor obstáculos adicionais a colaborações e ao intercâmbio de informações científicas em nome da segurança nacional. Isso porque, segundo os autores, os benefícios da atração dos melhores talentos estrangeiros e das parcerias internacionais são a chave do sucesso do sistema de pesquisa e inovação do país. O NSF solicitou respostas específicas para esse tema: existiriam áreas da pesquisa fundamental que deveriam ser mais controladas? Se há, que tipo de controle deveria ser criado? De acordo com as conclusões do relatório, não é viável nem desejável impor restrições além das que foram estabelecidas por uma lei de 1985, segundo a qual existe um tipo de pesquisa de caráter sensível para a segurança, em geral na área de defesa, que deve ser protegido por sigilo, enquanto todo o resto deve ser aberto e compartilhado.
Essa diretriz há anos é alvo de críticas, uma vez que o compartilhamento livre do conhecimento produzido em instituições norte-americanas é visto como um incentivo para o avanço como potência científica global da rival China, que não oferece contrapartidas. A estratégia chinesa de repatriar cientistas que se formaram e se radicaram nos Estados Unidos ampliou ainda mais a desconfiança, levando agências públicas de apoio à pesquisa a examinar o comportamento de pesquisadores estrangeiros e a identificar desvios, como a omissão de vínculos e a quebra de sigilo em processos de revisão. “Quando esse tipo de má conduta estratégica não é combatido, valores científicos essenciais são prejudicados, tais como abertura e transparência, integridade e confiança, justiça e igualdade de condições para todos, confidencialidade da revisão por pares e um ambiente acolhedor para estudantes e colegas, independentemente de suas origens e etnias”, escreveu Alan Leschner, presidente interino da Associação Americana para o Avanço da Ciência (AAAS), em editorial publicado na revista Science. “Como resultado, o clima para colaborações científicas pode se tornar muito mais restritivo.”
Em 2010, o então presidente Barack Obama baixou uma ordem criando uma nova categoria de informação, “não sigilosa, mas controlada”, que, de acordo com o relatório, criou confusão no ambiente acadêmico. Projetos de lei em tramitação no Congresso norte-americano propõem ampliar as restrições. Nos próximos meses, devem começar a funcionar dois órgãos consultivos, um baseado na Casa Branca e outro nas Academias Nacionais de Ciências, Engenharia e Medicina, criados para discutir como gerenciar as interações de pesquisa com governos estrangeiros. A NSF encomendou o estudo para nortear suas políticas e ajudar a balizar o debate. “Estamos totalmente comprometidos em trabalhar com nossos parceiros para encontrar um equilíbrio entre expandir a comunidade científica global e definir políticas para proteger a pesquisa nos Estados Unidos”, explicou a astrofísica France Córdova, diretora da agência.
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