A fase inicial do isolamento foi a mais difícil para mim. Trabalho com melhoramento genético de milho e sua adaptação às mudanças climáticas no Centro de Pesquisa em Genômica Aplicada a Mudanças Climáticas (GCCRC), uma parceria entre a Embrapa e a Unicamp [Universidade Estadual de Campinas]. Os laboratórios estão localizados no campus da Unicamp e o GCCRC é um dos Centros de Pesquisa em Engenharia financiados pela FAPESP. Foi um choque quando a universidade anunciou em março a paralisação das atividades. A primeira coisa que fiz foi passar no supermercado e comprar um monte de coisas. Não sabia se tudo ia fechar e minha reação inicial foi garantir um estoque de comida. Me lembrei do período em que morei nos Estados Unidos, fazendo pós-doutorado na Universidade de Delaware, e da reação dramática dos norte-americanos quando tem alerta de furacão. Mas a pandemia já me preocupava muito antes disso. Eu tirei férias em fevereiro e tinha acabado de voltar de uma viagem à Turquia – meu marido, que é professor de física na Universidade Federal do Maranhão, nasceu na Turquia. Na volta, estivemos em Milão, que em seguida se revelou o epicentro da epidemia na Itália. Ficamos assustados e tentamos sair de casa o mínimo possível, com medo de ter pego a doença, mas nenhum de nós teve sintomas.
No começo do isolamento, eu não conseguia trabalhar direito. Ficava vendo as notícias e conversando com colegas sobre a pandemia. Eu tenho uma funcionária, mas mandei-a para casa para diminuir o risco de exposição. Aos poucos, fui criando uma nova rotina. Como a Universidade Federal do Maranhão suspendeu as aulas, meu marido, que mora em São Luís, ficou em Campinas conosco e assumiu muitas tarefas da casa. Temos uma filha de 4 anos. Mesmo com o pai cuidando, ela gosta do colo da mãe – então tenho feito muitas reuniões de trabalho com ela ao meu lado. Coloquei uma mesinha perto da minha e ela me acompanha. Como é filha única, não tem com quem brincar. Tenho de reservar tempo para as atividades escolares dela. Dois dias por semana, a escola faz reuniões virtuais e ela vê os amiguinhos e a professora pelo computador. Ela gosta bastante. Como a escola é particular, vejo muitos pais pressionando a escola para oferecer atividades para as crianças e os professores têm que se virar. Sou contra. Vejo como é difícil para as professoras enviar vídeos e programar tarefas on-line para crianças pequenas.
Noto que o número de reuniões on-line de que participo aumentou nas últimas semanas. São duas ou três por dia. Pensei que teria tempo livre para escrever artigos, mas isso não está acontecendo. Dá para fazer muita coisa trabalhando remotamente. Temos um equipamento novo no GCCRC e um aluno precisava usá-lo para avaliar a fotossíntese de plantas em sua pesquisa de doutorado. Como sou responsável pelo equipamento, tive de fazer o treinamento on-line. Não é a mesma coisa, mas a pesquisa que ele está fazendo não podia esperar.
Também há boas surpresas. Comecei a participar de um happy hour on-line do meu antigo laboratório nos Estados Unidos, em que discutimos ciência. Como as pessoas não podem se encontrar, meu antigo orientador achou que seria uma boa ideia fazermos o happy hour e quem não está mais no laboratório também pode participar. Tem sido bem divertido. Aproveitamos para descontrair.
Mas continuo tendo atividades presenciais e, dia sim dia não, vou ao laboratório. Trabalho em uma plataforma para desenvolver plantas tolerantes à seca e ao calor, utilizando modificações genéticas e inoculação de microrganismos. Nosso grupo é grande e sou responsável por uma parte do processo que vai da transformação genética de plantas à avaliação delas em uma casa de vegetação e no campo. Como as atividades com as plantas não podem parar, eu, uma aluna de pós-doc e um aluno de doutorado nos revezamos nos cuidados das plantas e dos experimentos. É bom porque consigo sair de casa e espairecer um pouco. Nosso laboratório tem mais de 20 pessoas, mas só duas podem visitá-lo a cada dia. Quem precisa ir, tem que marcar o horário. Todos usam máscaras e adotam medidas de higiene, como o uso de álcool em gel. Só estamos permitindo a visita de pesquisadores ou alunos que tenham carro ou morem muito perto. Quem precisa de transporte público a gente pede para não ir.
Uma coisa que aprendi nos últimos dois meses foi concentrar no final de semana a maioria das tarefas da casa. Fazemos a faxina no sábado e cozinhamos para a semana inteira no domingo. No dia da faxina, todo mundo ajuda, até a minha filha. Ela organiza o quarto e os brinquedos. Meu marido lava os banheiros. Eu passo pano, varro, tiro pó. Consigo programar o cardápio para cozinhar no domingo depois de ir ao supermercado e receber frutas e verduras entregues em casa. No início, tentei cozinhar todo dia, mas não dá certo. É muito estresse ter que cozinhar tendo muitas outras coisas para fazer. De vez em quando pedimos marmita. Descobri um fornecedor de comida congelada supersaudável e recorro a ele em emergências.
Nas últimas duas semanas, comecei a fazer atividade física e tem sido ótimo para aliviar o estresse e me distanciar um pouco das notícias da TV. Tenho uma irmã que é professora de educação física e ela gravou vídeos com aulas para mim. Faço ginástica em casa. É possível dar uma corridinha sem sair do lugar e fazer aulas funcionais – em meia hora, dá para fazer um trabalho aeróbico e de força ao mesmo tempo, pulando e saltando. Outra atividade é subir escadas. É fácil para mim, pois moro em um prédio de 14 andares.
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