O Instituto de Economia (IE) é conhecido pela produção de um pensamento crítico da teoria econômica ortodoxa, que teve como ponto de partida as reflexões sobre o desenvolvimento latino-americano feitas nos anos 1950 e 1960 pela Comissão Econômica para a América Latina e Caribe (Cepal) e se debruçou sobre particularidades do capitalismo brasileiro, ao propor um diagnóstico e um receituário diferentes dos que prevalecem nos países centrais. Recorrendo a um conjunto de autores clássicos como John Maynard Keynes, Karl Marx ou Joseph Schumpeter, os economistas da Unicamp formaram o que se convencionou chamar de Escola de Campinas, que, em seus primórdios, ajudou a compreender, por exemplo, as origens da industrialização brasileira ou a formação do mercado de trabalho no país. Mais tarde, seus pesquisadores ampliaram a diversidade de temas e se aprofundaram em linhas de pesquisa como inovação tecnológica, economia agrícola e desenvolvimento regional e urbano.
Os economistas da Unicamp sempre tiveram a ambição de influenciar o debate econômico do país e pode-se dizer que tiveram sucesso. O conjunto de professores do IE, hoje na casa dos 65 docentes, tem sido flutuante, pois é comum que quadros sejam cedidos para postos em governos nas esferas municipal, estadual e federal. Fundadores como João Manuel Cardoso de Mello e Luiz Gonzaga de Mello Belluzzo ajudaram a formular o Plano Cruzado, programa de controle da inflação que estabeleceu o congelamento de preços e uma reforma monetária, levado a cabo no governo de José Sarney, em 1986.
Já o economista Paulo Renato Souza foi ministro da Educação durante os oito anos do governo de Fernando Henrique Cardoso, e Luciano Coutinho, secretário-executivo do primeiro Ministério da Ciência e Tecnologia (no governo Sarney) e presidente do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) por nove anos, nos governos do Partido dos Trabalhadores (PT). As eleições presidenciais de 2010 foram disputadas, no segundo turno, por dois economistas ligados, ainda que por curtos períodos, ao IE: José Serra, candidato do PSDB, que foi professor do instituto, e Dilma Rousseff, do PT, ex-aluna de mestrado e doutorado.
O economista Otaviano Canuto, que fez o doutorado e foi professor do IE entre 1990 e 2003 e atualmente é diretor do Banco Mundial, avalia que a habilidade dos pesquisadores da Unicamp de situar o pensamento econômico no tempo e no lugar históricos criou um ambiente intelectual vigoroso, atraindo profissionais com orientações diversas. “O IE tem economistas que, assim como eu, reconhecem a atualidade da teoria econômica convencional”, afirma. Segundo Canuto, a análise dos economistas de Campinas foi fundamental na época da ditadura por criticar o modo simplista como a teoria econômica era aplicada no Brasil. “Hoje, o pensamento econômico evoluiu e não creio que ainda caiba o esforço em distinguir entre ‘nós e eles’. Mas o espírito crítico do instituto segue como um requisito importante para o avanço no conhecimento.”
A Escola de Campinas teve início em 1968, com a criação do Departamento de Economia e Planejamento Econômico (Depe). Em plena ditadura militar, o reitor Zeferino Vaz fez uma escolha ousada: criou um departamento bastante crítico às políticas econômicas vigentes e ao próprio modelo econômico. Na concepção de Zeferino, a universidade tinha a prerrogativa de trilhar caminhos diferentes, sem obrigação de seguir o mainstream. A aposta foi bem-sucedida: ao longo de sua trajetória, a Escola de Campinas construiu contribuições importantes para pensar a economia brasileira e propor caminhos para o desenvolvimento do país. O Depe ofereceu cursos até dar início à graduação em economia, em 1970, e integrava a estrutura do Departamento de Planejamento Econômico e Social, embrião do atual Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH), do qual se desmembrou, em 1984, formando o IE. Em comum, os fundadores haviam participado de um curso intensivo de quatro meses sobre planejamento e desenvolvimento econômico organizado em São Paulo, em 1965, pela Cepal. Entre os professores estavam os economistas Wilson Cano, Ferdinando Figueiredo e Lucas Gamboa. E, no rol dos alunos, Cardoso de Mello, Belluzzo, Carlos Eduardo do Nascimento Gonçalves e Osmar Marchese.
Uma figura-chave foi o filósofo Fausto Castilho, incumbido pelo reitor Zeferino Vaz de criar a área de humanidades na Unicamp. “Zeferino queria um instituto de ciências humanas que integrasse as ciências sociais, a filosofia e a economia, mas não tinha ideias específicas sobre o que fazer e delegou a tarefa a Castilho”, conta Belluzzo. Castilho participara do curso da Cepal e decidiu chamar o grupo para criar o Depe. Em 1969, Cardoso de Mello e Belluzzo obtiveram autorização da Unicamp para trabalhar como assessores da Secretaria de Planejamento do Estado de São Paulo, comandada pelo empresário Dilson Funaro. “Com a nossa ajuda, o Dilson aproximou o Zeferino Vaz do governador Abreu Sodré, que deu impulso na construção do campus da Unicamp e na contratação de professores”, lembra Belluzzo.
Um marco na Escola de Campinas foi a criação do mestrado em 1974 – o doutorado viria três anos depois –, reforçado pela chegada de economistas retornados do Chile, tangidos pelo golpe militar que derrubou o presidente Salvador Allende, como Carlos Alonso, Liana Aureliano e José Carlos Braga.
Maria da Conceição Tavares, Antônio Barros de Castro e Carlos Lessa também voltaram do Chile, onde haviam trabalhado na Cepal. Luciano Coutinho voltou de um doutorado na Universidade Cornell, nos Estados Unidos. “O mestrado e o doutorado eram cursos inovadores, que abrangiam os fundamentos quantitativos da ciência econômica e buscavam resgatar grandes clássicos da economia política”, diz Coutinho, um dos organizadores da pós-graduação em economia nos anos 1970.
Para Mariano Laplane, ex-diretor do IE e atual presidente do Centro de Gestão e Estudos Estratégicos (CGEE), a proposta dos cursos de graduação e pós- -graduação da Unicamp atraiu jovens estudantes e pesquisadores em economia. “Logo se espalhou que havia em Campinas abordagens e leituras novas do que estava acontecendo no país e no mundo”, conta o pesquisador, nascido na Argentina, que ouviu falar da Unicamp pela primeira vez em 1982, quando cursava o mestrado na Universidade da Califórnia, Estados Unidos. Decidiu fazer os créditos do curso de doutorado em Campinas e acabou se radicando no Brasil.
Nos primeiros tempos, a produção dos economistas da Unicamp buscava compreender as origens do capitalismo brasileiro, com obras como os clássicos O capitalismo tardio, tese de doutorado de Cardoso de Mello, e Raízes da concentração industrial em São Paulo, de Wilson Cano, ambas publicadas em 1975. “Queríamos entender o capitalismo no Brasil, último país independente a extinguir a escravidão, e discutir instituições para promover desenvolvimento socioeconômico com relativa autonomia tecnológica e financeira”, diz Fernando Nogueira da Costa, professor do IE, que chegou a Campinas em 1975 como aluno de mestrado. Sua dissertação, orientada por Wilson Cano e defendida em 1978, é um exemplo do esforço nessa direção: explicou por que o estado de Minas Gerais tinha sido sede das maiores instituições bancárias privadas do Brasil.
Nos anos 1970, teve início o ativo engajamento político de um grupo de economistas da Unicamp, que passou a assessorar o presidente do partido de oposição à ditadura, o Movimento Democrático Brasileiro (MDB), liderado por Ulysses Guimarães. O grupo não era homogêneo, mas se reuniu em torno de um objetivo compartilhado. “Em comum, queríamos superar a ditadura e apresentar propostas para sair dela”, recorda-se Belluzzo, que participava das reuniões com Ulysses ao lado de Coutinho e Cardoso de Mello.
Separação
Nos anos 1980, a economia desmembrou-se do IFCH. Não foi uma separação amigável. Professores como Sergio Silva e Jorge Miglioli permaneceram no IFCH. “Havia uma crise e concluímos que a separação seria uma saída melhor para a institucionalização do curso”, diz Belluzzo, que, contudo, lamenta o abandono da ideia de manter juntos os cursos de humanidades. “Foi uma pena, embora o IE mantenha um diálogo com outros campos do conhecimento bem maior do que outras escolas de economia.”
Nessa fase, o número de professores passou de cerca de 40 para uma centena – boa parte dos novos docentes havia sido formada no instituto, que hoje tem dois programas de pós-graduação, em economia e em desenvolvimento econômico. O IE se manteve como referência em economia heterodoxa – denominador comum em torno do qual orbitam diferentes correntes, como a estruturalista, mais alinhada à tradição da Cepal, a marxista, a pós-keynesiana ou a neo-schumpeteriana. “Se não tivéssemos nos desmembrado do IFCH, talvez a identidade heterodoxa fosse menos expressiva. Em outras unidades da Unicamp existe uma multiplicidade de abordagens maior do que aqui”, diz André Biancarelli, atual vice-diretor do instituto. “Hoje, não há um pensamento propriamente uniforme, mas se mantém viva uma tradição crítica, que parte da ideia de que nem sempre as políticas adotadas por economias centrais são adequadas para o Brasil.”
No início dos anos 1990, a saída de Mario Possas, diretor do IE entre 1989 e 1993, resultou de uma dessas discordâncias. Mestre e doutor pela Unicamp, ele se transferiu para a Universidade Federal do Rio de Janeiro queixando-se do que considerava endogenia no instituto. “Terminei meu mandato de diretor com dificuldade, porque havia resistência a iniciativas como a criação de mecanismos de cobrança da produção científica dos pesquisadores ou a contratação de pesquisadores com formações diversas”, lembra Possas, que vê nessa crise um reflexo do insucesso do Plano Cruzado. “O instituto fechou-se em uma postura defensiva política e ideológica. Isso é ruim porque, na ciência, é preciso publicar resultados e se expor ao questionamento alheio o tempo todo”, diz o pesquisador, especialista em teoria econômica, cuja análise combina abordagens pós-keynesiana e neo-schumpeteriana. Entre os professores que deram continuidade a essa agenda de pesquisa em teoria econômica estão David Dequech e Antonio Carlos Macedo e Silva.
A consolidação do IE foi marcada pela diversificação de temas de pesquisa, a exemplo dos estudos do Núcleo de Economia Agrícola e Ambiental (Nea), do Centro de Estudos Sindicais e Economia do Trabalho (Cesit) ou das pesquisas do Núcleo de Economia Industrial e da Tecnologia (Neit). “Foi a evolução natural do projeto do instituto, com o aprofundamento em temas que buscavam compreender o mundo real”, afirma Luciano Coutinho, que nos anos 1980 ajudou a criar o Neit, que se notabilizou por estudos como o da competitividade da indústria brasileira. “Esse amadurecimento demonstra que o instituto não era um centro onde existiam mantras e ausência de contraditório ou de debate. Havia uma constante busca de ideias, liberdade de pensar e muita criatividade, tanto no plano da pesquisa como da teoria”, diz. Coutinho também ressalta a contribuição do Centro de Estudos de Relações Econômicas Internacionais (Ceri). “O centro sempre esteve conectado a grandes pensadores de linha heterodoxa e recebeu vários deles na Unicamp, como Joan Robinson, Hyman Minsky, Jan Kregel e Christopher Freeman”, diz o professor, referindo-se a notáveis economistas pós-keynesianos e neo-schumpeterianos.
Outro exemplo é o Nea, referência em pesquisas aplicadas em temas como segurança alimentar, governança da terra, entre outras. “Usamos bastante a estatística e a matemática para fortalecer as nossas análises, mas, em comum com as origens do instituto, avançamos por caminhos críticos à economia ortodoxa”, informa José Maria da Silveira, coordenador do núcleo e professor do instituto, que trabalha com temas como biotecnologia e propriedade intelectual. O Nea reuniu um time de pesquisadores com competências complementares, como Rodolfo Hoffmann, cujo trabalho é conhecido pelo rigor estatístico com que aborda a questão da desigualdade de renda, Antonio Marcio Buainain, que estuda pobreza rural e economia agrícola, ou José Graziano da Silva, atual diretor-geral da Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO). “Estamos conseguindo atrair jovens pesquisadores para atualizar nossas linhas de pesquisa à medida que a primeira geração de pesquisadores do núcleo se aposenta”, diz Silveira.
Na avaliação de Mariano Laplane, não há como negar que, sem a Unicamp, o espaço para a pesquisa em economia heterodoxa no Brasil seria muito menor. André Biancarelli observa que o IE hoje reparte o protagonismo acadêmico no campo heterodoxo da economia com outros centros, mas segue como a referência principal. “Formamos doutores que hoje trabalham em universidades do país inteiro”, explica.
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