Imprimir PDF Republicar

Sérgio Mascarenhas

Sérgio Mascarenhas: A física do mundo presente

MIGUEL BOYAYANO físico Sérgio Mascarenhas, 79 anos feitos em 2 de maio passado, recebeu em 4 de junho o Prêmio Conrado Wessel de Ciência Geral, hoje uma das mais significativas honrarias concedidas no país em ciência e cultura. Nos dias seguintes, longe de acomodar-se sobre mais esse louro e curtir o reconhecimento merecido à sua fecunda contribuição científica à física e outras áreas, ele estava marcando encontros com Ruth Rocha, outra laureada deste ano da Fundação Conrado Wessel (FCW), na área de literatura, com Ricardo Brentani, o premiado em medicina, e os demais cientistas que dividiram com ele o palco da Sala São Paulo na elegante noite da premiação. Tinha uma instigante proposta de trabalho para cada um, e uma outra para todos: realizar em São Paulo um conjunto de conferências sob os auspícios da FCW, à imagem e semelhança das Nobel Conferences que se seguem à distribuição do Nobel, o mais prestigioso e invejável prêmio científico e literário do mundo.

A entrega à atividade intelectual incessante, incansável, pragmática em larga medida, junto com uma imaginação fervilhante, um borbulhar de idéias sem fim, é a cara do professor Sérgio Mascarenhas, cuja biografia é, sem sombra de dúvida, uma das mais ricas e multifacetadas na comunidade científica brasileira. Assim, se entre suas contribuições para o conhecimento estão as descobertas dos Bioeletretos e de novos métodos de dosimetria e datação arqueológica, no plano da montagem e organização da infra-estrutura institucional do conhecimento há que se destacar a criação da área de pesquisa em física da matéria condensada no campus de São Carlos da Universidade de São Paulo (USP), ainda no final dos anos 1950, a criação da Embrapa Instrumentação Agropecuária, no final da década de 60, na mesma cidade, e a criação da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), no começo dos anos 70 – entre várias outras iniciativas a que ele faz referência nas páginas a seguir.

Sérgio Mascarenhas hoje é professor aposentado da USP, ao mesmo tempo  que dirige o Instituto de Estudos Avançados dessa universidade – em São Carlos, claro, a cidade que esse carioca de Copacabana adotou, determinado a dar substância a um campo da física a que não se atribuía muita importância no Brasil em meados do século passado, e que hoje é fundamento de algo que está na aparência e na essência do mundo contemporâneo: os computadores, a informática, a tecnologia da informação, as telecomunicações. Um pouco dos desdobramentos desse campo do conhecimento ao longo de meio século emerge das palavras do pesquisador brasileiro que trabalhou com respeitados colegas de outros países, vários deles Prêmio Nobel, em suas andanças pelas universidades de Princeton, Harvard e Londres, entre outras.

Por esses dias, enquanto cuida de um novo portal de divulgação científica, Mascarenhas finaliza seu mais recente invento: um aparelho para medir de forma não-invasiva a pressão intracraniana. Uma doença inesperada o desafiou, e ele respondeu assim, em seu próprio campo, criativamente. A prosa de Sérgio Mascarenhas, personalidade fascinante e ser humano apaixonante, o reflete fielmente: é fecunda, generosa, está sempre a abrir novos campos, à maneira das mil e uma noites, ou de babuchkas invertidas, ou de telas modernas de computador que permitem o compartilhamento de múltiplas janelas numa mesma hierarquia. Em suas próprias palavras, é cheia de fractalismos – nada de entediante pensamento linear com ele, melhor pensar numa conversa inteiramente radial, da qual a entrevista que se segue é uma amostra.

Vamos começar por suas contribuições ao conhecimento. Se não estou enganada, no começo da carreira sua especialidade era dielétricos, em especial o Efeito Termodielétrico, que tomou o nome de Efeito Costa Ribeiro. Em uma de suas experiências foi verificado o aparecimento de cargas elétricas durante a sublimação de um sólido, primeira de suas várias descobertas. Eu queria saber que peso isso tem para a física hoje.
Esse efeito termodielétrico – não se chamava ainda efeito Costa Ribeiro – se refere ao aparecimento de cargas elétricas durante mudanças de fase. Costa Ribeiro tinha verificado isso durante a fusão de um sólido, e eu pensava que esse era um efeito mais universal. Daí fui procurá-lo em outras mudanças de fase e o encontrei também na sublimação de certos materiais. Depois eu o encontrei em materiais biológicos. Assim, houve uma generalização do efeito Termodielétrico, e quando os meus trabalhos ficaram mais conhecidos,  passei a chamá-lo efeito Costa Ribeiro, em homenagem a esse meu querido professor que, aliás, faria 100 anos neste ano. O [César] Lattes, muito generoso, me disse que esse era o único efeito da física descoberto inteiramente no Brasil. Veja como era mesmo uma pessoa generosa: ele também fizera a descoberta de um grande efeito na área de partículas elementares, com os mésons pi. Mas como teve que sair do Brasil para isso, foi para a Inglaterra e depois para os Estados Unidos, reconheceu assim um grande mérito em Costa Ribeiro, sozinho no Rio, num ambiente muito menos favorável, ter feito essa descoberta de um efeito experimental. Veja, uma coisa é fazer a descoberta teórica no gabinete, e outra coisa é ver que a natureza está falando com você. Qual é a linguagem com que a natureza fala? São as interações físicas. Depois, tem que revestir aquilo com a linguagem matemática para a descoberta poder, então, voar pelos espaços teóricos, pelo espaço de novos efeitos. É fundamental, num país como o Brasil, se apossar do conhecimento pela criação do conhecimento experimental, como Oswaldo Cruz, Carlos Chagas e outros fizeram. Mas não desprezo o conhecimento teórico, que é super importante para organizar o que descobrimos. Podemos entender isso estabelecendo uma linha entre Galileu e Newton. Galileu destruiu uma cultura de 2.500 anos com um experimento. E Newton veio e deu àquilo uma grande vestimenta teórica, que mais adiante se consolidou até mesmo numa filosofia, a filosofia kantiana. Então, parte-se do empírico-experimental, depois se veste aquilo com o arcabouço teórico, mais abstrato, e depois vem a consolidação num modelo de mundo, num modelo filosófico. Isso aconteceu várias vezes na história da ciência. Aconteceu com os gregos, com Arquimedes, Pitágoras etc., tudo consolidado depois na filosofia aristotélica, e mais adiante recuperado por Santo Agostinho e por Santo Tomás.

Permita-me interromper esse descortinar filosófico para lhe perguntar o que, exatamente, caracteriza o efeito Costa Ribeiro?
Sua marca característica é que é um efeito tremendamente interdisciplinar, porque você pega uma coisa do calor, da termodinâmica e do estado sólido e transporta para um efeito elétrico. Vou dar um exemplo prático: você tem as nuvens; as nuvens têm água; a água congela. Se durante esse congelamento ocorrer a presença do efeito Costa Ribeiro, teremos aqueles efeitos maravilhosos de tempestades elétricas. Fui procurar o mesmo efeito em substâncias biológicas, como o DNA, proteínas…

E encontrou?
Encontrei em todas elas e, a meu ver, foi essa uma das contribuições maiores que dei: a criação do conceito de bioeletretos. Por que eletretos? Porque na mudança de fase o efeito Costa Ribeiro acabou criando um material que ficou eletricamente carregado. Na realidade, o significado da vida como nós encontramos na Terra está ligado àquelas estruturas das forças físicas mais importantes e às forças químicas, que vêm da interação dos elétrons, das cargas elétricas, interações também quânticas. Depois há as interações gravitacionais, que são importantes. Numa árvore, por exemplo, a subida da linfa pode atingir 40, 50 metros, e como ela sobe se a gravidade está puxando para baixo? São efeitos muito interessantes ligados à força de superfície e também a forças gravitacionais. Mas, veja bem, o efeito Costa Ribeiro é uma coisa, e o conceito de eletreto, embora relacionado, é outra coisa. Temos que tomar cuidado.

Quem introduziu o conceito de eletreto?
Um físico japonês, bem antes de trabalharmos nisso. Costa Ribeiro e Bernardo Gross redescobriram esse nicho, e eu, como estudante deles, continuei. No caso do efeito Costa Ribeiro tínhamos efeitos elétricos em transição de fase, por exemplo, a eletricidade atmosférica, o aparecimento de cargas elétricas em semicondutores, em cristais, ou na sublimação. Quanto aos eletretos, isso foi o que, no fundo, induziu Costa Ribeiro a descobrir o efeito dele, dado que ele se interessou muito por materiais que ficavam carregados eletricamente quando eram fundidos. Como disse, os eletretos foram descobertos por um japonês, usando cera de carnaúba, e seu grupo chegou a fazer membranas eletrizadas que serviram para fazer microfones.

Isso se dá mais ou menos em 1950?
Entre 1943 e 1950, época em que Costa Ribeiro, Gross e outro grande professor, hoje mais ou menos olvidado, que é Armando Dias Tavares, estavam todos fazendo física experimental no Rio, na Faculdade Nacional de Filosofia, na antiga Universidade do Brasil, hoje Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Lá também eram professores Lattes, [José] Leite Lopes, [Jaime] Tiomno… Eu veria adiante que, ficando no Rio, não ia conseguir estruturar as minhas idéias, os meus sonhos, porque lá era terra dos raios cósmicos, das partículas elementares… Mas eu via, com uma clareza que até hoje não entendo, que o futuro da sociedade estava nos semicondutores do estado sólido. Aquilo que deu o transistor, e depois a explosão dos computadores.

Isso determinou sua vinda para São Carlos e a criação do primeiro grupo de pesquisas em física do estado sólido.
Sim, em 1956 iniciei o grupo ainda dentro da Engenharia da USP, que tinha sido criada um ano antes, porque não havia Instituto de Física. Cheguei com 26 ou 27 anos, com a Yvonne [P. Mascarenhas], que era mais nova ainda. Enfrentamos esse desafio de vir do nosso Rio de Janeiro tão amado porque víamos a possibilidade de abrir um novo caminho para a física no Brasil, que seria a física da matéria condensada, como é chamada hoje. E realmente fizemos o Primeiro Congresso de Física da Matéria Condensada aqui em São Carlos. Pensávamos que ela era portadora de futuro, e isso não era muito aceito na época porque os físicos a consideravam coisa de engenheiro.

Essa era uma visão vigente só aqui no Brasil ou internacionalmente?
Aqui. Internacionalmente isso deu o Nobel de Física em 1956 para três cientistas do Bell Labs, os inventores do transistor: Walter Brattain, John Bardeen e William Shockley. Digamos que aqui havia uma falta de visão, de perspectiva da grande inovação que estava ocorrendo numa área da física que não era tão respeitável e tradicional como a física de partículas, dos grandes aceleradores etc. Eu achava que via, cheirava, um caminho maior para o Brasil, e mais viável, mais fácil… E realmente, alguns anos depois, a física do estado sólido passou a representar 60%, 70% de todas as contribuições brasileiras na área. E hoje ela é ainda maior do que isso se considerarmos a interdisciplinaridade com biofísica, física dos materiais, com as engenharias, a biotecnologia, a nanotecnologia etc. Lembro que Bardeen, a quem conheci pessoalmente, depois partilhou  outro Nobel pelas pesquisas da supercondutividade, e ele brincava dizendo que ganhou dois Nobel que somados não davam um porque os dividiu com outros cientistas! Mas a descoberta do transistor foi uma coisa que mudou a humanidade. Porque levou ao computador, e o computador levou a uma metalinguagem que não existia, a linguagem realmente globalizada dos bits, à teoria da informação. A teoria da informação levou a uma visão de mundo muito mais ampla, a uma Weltanschaung. Parece que você não gostou muito das minhas fractalizações, mas…

Quem disse que eu não gostei?
Bom, então, vou passar por [Jacques] Lacan, que adoro. E se você prefere  Freud, lembro que Lacan disse para a platéia de uma das suas famosas aulas: “Vocês podem ser lacanianos, mas eu sou freudiano”. Procurei estudar Lacan e vejo que hoje, se alguém é esperto e tem visão lateral, pode entrar na rede ignorante, às seis horas da tarde, e no outro dia ser PhD pelo Google.

E onde entra Lacan?
Você conhece a teoria dos três estágios, em que o Lacan dividiu a evolução humana sob o ponto de vista psíquico: temos ali o imaginário, o real e o simbólico. E desde antes, desde o feto na barriga da mãe, dando pontapé, chupando o dedo, fazendo a circuitaria na neocórtex, tudo é preparação para a coisa fundamental na biologia, que é a sobrevivência. Então, sobrevivência é construção de conhecimento, e isso é a base da estrutura da vida, a negentropia, a transformação de ruído em sinal. Vamos assim do imaginário para o real e mais tarde para o simbólico, que é realmente o que caracteriza o Homo sapiens sapiens. Na fala o bebê ascende ao simbólico, e aí completou a estrutura psíquica de humano. Mas acho que é possível estender Lacan para a nova linguagem da internet, dos bits, da globalização do simbólico numa metalinguagem que ele não conheceu porque morreu antes. E vejo esse campo do simbólico crescendo e se unificando pela articulação com  a tecnologia da informação. Esse negócio de “penso, logo existo” é o maior erro de Descartes (segundo o grande Antonio Damásio). Eu existo, logo penso, aí vamos bem. Mas o que quero destacar é que ante a metalinguagem da rede, da globalização, o grande problema é que não temos ainda a cultura preparada para o que vivemos hoje. Permanecemos na cultura de 500 anos atrás.

Por que, em seu olhar, o computador e a rede de computadores ampliam essa noção do simbólico lacaniano?
Veja, o que quero destacar é que a tecnologia sempre vem na frente da cultura. É difícil harmonizar a cultura com o que a tecnologia anuncia, e que agora é: estamos voando para as esferas extraplanetárias. O homem, então, tem que mudar porque ele não vai ficar só aqui na Terra. Ele vai ter que ir para o Espaço, não tem dúvida.

Mas não lhe parece que o nosso destino está vinculado exclusivamente à Terra?
De jeito nenhum. A vida deve ter vindo, nos princípios, de fora da Terra. Essa é a visão do Carl Sagan, por exemplo.

Vamos voltar à época de sua vinda para São Carlos. Naquele momento ocorreu sua descoberta de um novo fenômeno: a variação da condutividade térmica de um dielétrico líquido sob a ação de um campo elétrico. Falemos sobre isso.
Foi uma coisa interessante, porque Costa Ribeiro e Gross pensavam no efeito inverso do efeito Costa Ribeiro: se eu puser um campo elétrico posso gerar uma mudança de fase? Uma fusão, por exemplo? Tentaram e constataram algum efeito. Se aplicava um campo elétrico numa fase sólida ou líquida e ela fundia mais rapidamente com o campo elétrico. Mas não acreditei naquilo e disse: “Espera aí, precisamos primeiro ver se o campo elétrico não afeta a condutividade térmica do líquido, porque aí ele joga mais calor no sólido, e funde não por causa do campo elétrico, mas por causa da condutividade térmica induzida”. Aí fui trabalhar no líquido e vi que a minha idéia era correta: quando apliquei campo elétrico ao líquido, mudou a condutividade térmica do líquido, ele virou uma passagem mais fácil para calor.

Na verdade, o campo elétrico dá uma facilitada no aumento da condutividade térmica do líquido.
Isso! Mas a condutividade térmica é um fenômeno complexo, há vários tipos. Há uma mais sutil, que é a da vibração dos átomos e moléculas. Assim como a luz tem fótons, um sólido ou líquido pode ter fônons, que são vibrações coletivas dos átomos, e eu acreditei que, lá no fundo, o campo elétrico poderia afetar esses fônons. E aí encontrei esse negócio e aconteceu uma coisa linda na minha vida, que me deu uma autoconfiança tremenda. Primeiro, eu estava na velha metodologia do Sócrates, “duvida que dá certo”, estava com Einstein,  “o importante na vida é não parar de questionar” e então… ali me via ampliando o que meus professores propunham.

Que tipo de efeito prático isso teve?
Duas contribuições e bem práticas, porque num transformador ali no poste sempre tem líquido dielétrico lá dentro, e tem também um campo elétrico. Muito importante num transformador é se livrar do calor gerado ali para ele não aquecer demais, e com o campo elétrico ajuda-se a sair o calor. Isso foi publicado em russo: “Efeito descoberto por Mascarenhas”. Aí quando eu vi o artigo no livro russo, e nem entendi, me deu aquela emoção… E esse efeito me deu uma outra coisa maravilhosa… Teve um Prêmio Nobel chamado Lars Onsager, de Yale, um cara maravilhoso, de uma criatividade tremenda, considerado um monstro sagrado, que gostou muito da interpretação que eu dei ao trabalho. Ele tinha uma visão realmente ampla, interdisciplinar, e fez umas equações, um modelo que diz o seguinte: tudo o que acontece na vida comum são estados de equilíbrio. E esses estados não levam a muita coisa porque não se tem excitações, flutuações fora do equilíbrio. Ele começou a ver que importante na física era também o que saía do equilíbrio. Isso vale para muito mais conceitos e situações, claro, mas Onsager conseguiu relacionar quantitativamente, pela primeira vez, efeitos físicos fora do equilíbrio. Daí, eu apliquei as equações dele para entender quantitativamente aquele efeito que eu descrevera, e publiquei numa revista famosa naquele tempo, Il Nuovo Cimento. As contas que fiz com a equação do Onsager bateram com a parte experimental. E quando Onsager viu o meu trabalho dando base real às equações dele, gostou muito. Quando apresentei o trabalho na Europa, ele foi de uma imensa gentileza. E eu, de repente, me vi sentado à mesa num hotel, na Suíça, explicando as equações de Onsager para Onsager! Nossa Senhora! Só mesmo brasileiro e carioca! Ele calmo, quietinho, não ficou melindrado. Acabei ficando grande amigo dele.

Vocês chegaram a trabalhar juntos?
Sim, tenho a honra de ter publicado um trabalho com Onsager, um dos únicos trabalhos dele nessa área de transições de fase com aparecimento de campos elétricos. Me orgulho muito disso, porque ele era muito bom e muito generoso. Há cientistas assim e há outros muito arrogantes. Eu sou meio tragicômico, mas não sou arrogante.

Por que tragicômico, professor?
Porque me divirto comigo mesmo, entende? Porque não acredito em gente que se olha de manhã no espelho e não sabe que é meio burro e que comete erros. Gosto dos ingleses, desse traço de gozarem de si mesmos… É um perigo se levar muito a sério. Tenho memórias muito emocionantes do Onsager. Lembro-me, por exemplo, depois que ele se aposentou de Yale e foi para a Universidade de Miami, de uma vez em que foi me buscar no aeroporto e me levou para a casa dele. E no jardim pegou uma laranja e descascou para mim. Fico emocionado até hoje com essa cena.

Qual era a diferença de idade entre vocês?
Pelo menos 20 anos, ele já era Prêmio Nobel quando o conheci.

Num resumo de seus trabalhos temos a informação de que sua teoria da eletrotermocondutividade foi desenvolvida usando a termodinâmica dos processos irreversíveis.
Cuja base é exatamente a grande contribuição estruturada teoricamente pelas equações de Onsager.

Um terceiro efeito estudado em sua produção foi o do aparecimento de enormes tensões elétricas de 50 quilovolts ou mais durante a formação de gelo seco.
Na verdade, 100 quilovolts… eu estava na rota da intuição da transição de fase, em 1962, por aí. Esse foi um efeito descoberto por nós em São Carlos e que se transformou numa bela demonstração experimental no ensino da física: o gerador eletrostático de CO2. Ganhou destaque internacional no American Journal of Physics.

E suas pesquisas na área então nova de efeitos de radiações sobre materiais?
Nessa época, me compenetrei de que deveria fazer um pouco de trabalho nessa área que estava nascendo, a dos efeitos de radiação em sólidos, em cristais. Você irradia um cristal com raios X ou nêutrons, e ele fica colorido. São os chamados centros de cor. Agora vejo que isso já era nanotecnologia. O raio X dá uma pancada no átomo, desloca-o, e o lugar onde ele estava fica vazio, mas ele não está mais compensando as cargas elétricas de onde saiu. Então há a captura de elétrons ou buracos-de-elêtrons (holes em inglês) que funcionam como se fosse um átomo virtual com níveis de excitação que podem absorver a luz. E, portanto, fica colorido. Tínhamos um monte de idéias com isso, por exemplo, tentar fazer memórias ópticas. Aí fomos eu e Yvonne para Pittsburgh, trabalhar com o grupo de Roman Smoluchovski. Lá tinha uma nuvem de gente espetacular, muitos deles ganharam Prêmio Nobel mais tarde. Então fiquei num ambiente onde esse pessoal todo estava de olho no futuro, cheirando o futuro. Aliás, o pai de Smoluchovski tinha inventado, um pouco antes de Einstein, um efeito importantíssimo na física, o Movimento Browniano. A teoria mesmo foi de Einstein, mas ele tinha uma grande admiração por Smoluchovski que descreveu o efeito antes dele. Quando Smoluchovski filho foi para os Estados Unidos, Einstein o recebeu lá em Princeton com uma pergunta: “What do you want to do?” Eu me lembro do Roman Smoluchovski imitando Einstein a torcer o cabelo e fumar. Ele respondeu que queria fazer física atômica. E Einstein: “Ah, então não é comigo, é com Wigner”. Esse é um outro monstro sagrado, outros dos húngaros que ganharam Prêmio Nobel. Não trabalhei diretamente com Wigner, mas quando Smoluchovski foi para Princeton e me chamou, encontrei quem? Wigner, que era o chefe do grupo. Conversava, discutia minhas idéias com ele… esses caras grandes são tão construtivos, não? Só os pequenos precisam empurrar os outros para baixo para pensar que subiram. É o movimento relativo dos medíocres.

Mas falávamos dos centros de cor.
Sim. Cientificamente terminei dando uma dentro… Quando voltei para o Brasil vi que era possível competir com os gringos com a tecnologia que eu tinha aqui. Era fácil, era um tubo de raio X. A Yvonne pegava o tubo com que ela fazia refração de moléculas e cristais e irradiava os meus cristaizinhos. O Brasil é o país dos materiais, é cheio de cristais, aí eu os irradiava, fazia as amostras aqui mesmo. E na minha cabeça estava aquela idéia das memórias ópticas com centros de cor. Uma idéia ótima que não pude realizar, e é bom falar do que não deu certo também, para ficarmos um pouco menos arrogantes e as novas gerações entenderem como as coisas são. Voltei com um entusiasmo tremendo e com dinheiro. Porque tive sucesso lá da Fundação Fullbright quando propus que, em vez de  umas bolsinhas isoladas, me dessem  auxílio para um projeto inteiro, na verdade, um programa de três anos. Eu podia trazer estudantes americanos junto com os orientadores, mandar brasileiros para lá, tudo lindo!

Mas o que não deu certo, então?
Cismei de criar a pós-graduação em São Carlos com esse programa da Fullbright, e isso deu certo. O programa foi estendido por mais dois anos. Trouxe um monte de gente do Rio, o CNPq começou a me ajudar, depois, em 1962 foi criada a FAPESP… e a física do estado sólido crescendo aqui em São Carlos. O negócio subiu feito foguete, e de repente São Carlos ficou sendo o centro em que todos os jovens do Rio, de Belo Horizonte, Curitiba, Recife, Goiânia etc., queriam fazer a nova física do estado sólido. E mais peruanos, argentinos… Em 1967 descobri que podia fazer tudo aqui: irradiar cristais, criar os cristais, fazer crescimento como se fazia com silício nos Bell Labs. Comecei a ir e voltar dos Estados Unidos, criei uma relação internacional, fui para a Alemanha, para um monte de lugares, ficamos bastante conhecidos, começamos, eu e os alunos, a publicar nas melhores revistas da área… Enfim, São Carlos saía daquele caipirismo inicial e ia ganhando uma cultura científica de padrão internacional, a ponto de terem vindo americanos do Naval Research Laboratory fazer o doutorado comigo aqui. Alguns se tornaram importantes na ciência americana, como Herbert Rabin, chefe de pesquisas espaciais da marinha americana. Vi que poderíamos fazer memórias ópticas. O que é a coisa fundamental para uma memória? É poder escrever, ler e apagar. Já podia fazer essas três coisas com um cristalzinho, em nível atômico, uma memória muito maior do que a do silício. Vi que podíamos competir e os americanos resolveram financiar. Juntei meu grupo todo, entre 10 e 15 pessoas, Roberto Lobo, Milton Ferreira, Yvonne etc. e propus que nos concentrássemos nisso. E foi aí que aconteceu um desastre: como eu já era membro do CNPq a essa altura, resolvi consultar o Conselho a respeito dos recursos que os americanos estavam oferecendo para fazer a memória óptica. Estávamos em regime militar, eu estava sendo acusado de comunista, peguei até uma úlcera, tive depois tuberculose, alguns professores de minha equipe estavam sendo perseguidos, havia um grande medo de aqueles loucos de repente acabarem com tudo, aí apresentei o projeto. O presidente do CNPq era o general Mascarenhas, figura até legal, muito ligado ao Geisel. O projeto passou no CNPq e foi para o Conselho de Segurança Nacional. E aí não passou. Foi-me dito que o CNPq, de qualquer jeito, deveria financiar, mas nunca financiou.

E a memória óptica baseada nessa impressão da cor aqui nunca foi desenvolvida?
Foi desenvolvida fora e hoje é o máximo. Anos depois de meu pedido, a RCA, em Princeton, fez a primeira. Eu tenho tudo isso documentado. Informamos à marinha americana que não podíamos aceitar.

Foi uma perda para o Brasil?
Mas nem há dúvida.

Perdemos esse bonde naquele momento.
E outros. Eu mesmo perdi outros bondes. Mas não perdi um de que me orgulho muito: ter criado o Programa Nacional de Centros Emergentes no CNPq. Foi aí que levei Sérgio Rezende para Recife, que hoje é um dos melhores centros de física. Também não me arrependo de ter criado a Embrapa de instrumentação de alta tecnologia, aí surgiu esse negócio todo em agropecuária que explodiu em menos de 25 anos. Não se faz nada em um ano ou dois, não há milagre. Há que ter continuidade, força para agüentar os desastres, as descontinuidades brasileiras. Jorge Sábato, um maravilhoso engenheiro de materiais argentino, irmão de Ernesto Sábato [autor de O escritor e seus fantasmas, entre muitos outros livros], criou um conceito, o Triângulo de Sábato: você só consegue deslanchar um mecanismo virtuoso para o desenvolvimento de um país se tiver empresa, fonte de conhecimento e governo interagindo.Hoje eu introduzo  o Tetraedro: governos, empresas, universidades e institutos de pesquisa e, muito importante: as ONGs, o Terceiro Setor, sem o que não há sustentabilidade  ambiental, social e até de uma ética global, como podemos ver pelos efeitos antrópicos devastadores. Mas volto ao programa dos Centros Emergentes. Além de Sérgio Rezende em Recife, levei um pessoal para Curitiba, que deu certíssimo, para Goiânia, Mato Grosso, Rio de Janeiro… Vi que o negócio era “florestar” o Brasil com gente boa. Foi aí que apareceu em São Carlos Ernesto Pereira Lopes, empresário e político, uma pessoa espetacular. Junto com um outro deputado, Lauro Monteiro da Cruz, propunham criar uma universidade federal em São Paulo. Aí fui a ele e disse que deveríamos criar uma universidade nova, com visão de futuro. Minha idéia era fazer uma universidade federal em São Carlos e criar uma nova engenharia na América Latina, a  de materiais. Aí Reis Veloso, Pereira Lopes, Lauro Cruz me bancaram, toda a cidade me bancou, porque, sabe?, consegui me juntar à comunidade.

E criaram em 1969 a UFSCar.
Sim, fui o primeiro reitor, pró-tempore, da universidade. Se não fosse Pereira Lopes nunca eu teria conseguido isso. Nem sem Veloso. Ele me dizia que eu queria botá-lo na cadeia, porque queria que me arrumasse dinheiro por fora das regras do MEC. Ele dizia “eu não posso”, eu dizia, “Ô, Veloso, ou você quebra a casca do ovo ou vai continuar com essas porcarias dessas universidades iguais”. Então eu trouxe a engenharia dos materiais, trouxe o [José Galizia] Tundisi, quando ninguém falava ainda em meio-ambiente, em ecologia. Eu entendia que para fazer uma universidade nova fundamental era fazê-la pequena e de alta qualidade. Vários estudos nos Estados Unidos mostraram que universidades com mais de 5 mil alunos começam a degringolar.

Foi possível conciliar a reitoria da UFSCar com o trabalho na USP?
Nunca saí da USP. Trabalhava sem ganhar nada na UFSCar, porque eu tinha que ter moral para dizer que não estava atrás da posição, mas atrás de uma idéia. De uma visão de futuro. De tecnologia educacional, afinal, eu fui aluno do Anísio Teixeira. Por isso eu trouxe o criador do Basic, da famosa linguagem Basic, dos Estados Unidos para falar aqui, trouxe gente da Califórnia, da Inglaterra, da França.

Eu tenho uma dúvida: como foi o seu trabalho com laser em São Carlos?
Trabalhei em laser com Sérgio Porto na Bell, tenho trabalhos publicados nisso, mas quem fez esse primeiro laser foi Robert Lee Zimmerman, um americano que eu trouxe do MIT, tremendamente criativo e completamente exótico. Ele tinha um aviãozinho, veio voando dos Estados Unidos para cá, ia ver os festivais do Quarup, dos índios brasileiros. São muitos casos…

Como foi seu caminho até a física?
Sob o ponto de vista familiar, sociológico, eu tenho a oferecer minha própria experiência. O meu pai era cego, minha mãe era secretária, de formação professora primária e a minha família foi desestruturada, separada, quando eu tinha 10 anos. Fui para um colégio interno, fui reprovado no terceiro ano de ginásio, no primeiro científico, matava aula, estava jogando a minha vida fora. E superficialmente. Então encontrei uma família na escola em que eu estava. Eram três meninos e três meninas, com outra educação, liam poesia de Drummond, ouviam música clássica, iam aos domingos ouvir o concerto da juventude, um dos rapazes era atleta, enfim, era um pessoal sério que virou a minha família. E aquele cara medíocre, reprovado, aquele camarada virou um individuo que descobriu um… O que eu descobri? Acho que a beleza do grupo, da família, através realmente do amor, da união entre as pessoas. Eu mudei. Completamente. E agora na minha velhice, com quase 80 anos, comecei a perceber que todos os computadores e todas as máquinas não bastam para uma verdadeira educação. A imensa violência na escola, com professoras que saem chorando das salas de aula, é culpa de uma sociedade desestruturada, violenta, onde se encontra o marido alcoólatra desempregado, a mulher que tem quatro filhos de quatro pais diferentes na periferia. Como as crianças na escola não reproduziriam essa violência social de que estamos embebidos? Há algum jeito? Não posso esperar que melhorem a família, isso é coisa para daqui a 200 anos. Posso melhorar essa criança agora? Posso. Desde que tenha uma pedagogia, uma metodologia pedagógica que entusiasme, que permita, como aconteceu comigo, acender a chama.

São muitas as vertentes por onde corre sua vida.
Sim, mas componho mais ou menos assim o meu cenário: primeiro, ciência básica e aplicada, e aí me encaminhei para áreas interdisciplinares. Primeiro trabalhei em ciência básica mesmo, fundamental, depois eu fui para a parte de aplicações, e aí fui, por exemplo, para a física médica, em que me envolvi com o pessoal da medicina de Ribeirão Preto, com a Escola de Medicina de Harvard, e com grupos na Itália. Toda a parte de, por exemplo, imagens tomográficas, ou de cirurgia criogênica está nesse âmbito, em São Carlos, depois em Ribeirão Preto e também com o Hospital do Câncer em São Paulo. Quando me aposentei, Adib Jatene perguntou se eu não queria orientar um grupo de bioengenharia aplicada no Instituto Dante Pazzanesi. Aceitei. Ia lá e orientava uns dez engenheiros e físicos, uma beleza. Consegui fazer varias coisas lá, mas um dia disse ao Adib que todo dinheiro que entrava no instituto ia para gaze, comida do doente, e havia que ter uma fundação para dirigir recursos para pesquisa. Então acabei criando a Fundação Adib Jatene lá. Fui o primeiro presidente da fundação, fiquei uns dois anos, depois vim criar a Embrapa em São Carlos. Já estava com uma visão de ciência aplicada mais numa área de empresas e pensei que para realmente ajudar o desenvolvimento brasileiro precisava trabalhar num negócio em que o país é rei absoluto: agronegócio tropical, onde a Embrapa abrira fronteiras (e porteiras…). Mas aí eu comecei a ver que precisava trabalhar com moléculas no mundo microscópico, e não apenas no mundo dos sistemas orgânicos, complexos, não em física médica, mas em biofísica molecular. Bom, aí eu fui para Trieste, convidado pelo Salam, outro Prêmio Nobel, e passei a ser diretor da biofísica e da física médica lá em Trieste, lugar belíssimo. Passei 12 anos indo lá, organizando cursos para o mundo subdesenvolvido inteiro, ajudando Salam a criar a Third World Academy of Science, da qual sou membro também. Foi uma época realmente estupenda da minha vida. Resultado: continuei trabalhando em física médica, biofísica molecular, a idéia de bioeletretos, me perguntando sobre a origem da memória, que moléculas estão envolvidas na memória etc.

Essa passagem para a física médica foi por causa do convite de Adib Jatene?
Não, vinha de muito antes. Quando tive tuberculose, fui para a Medicina de Ribeirão me tratar. Daí me vieram idéias.

Algo aplicado a ossos?
Eu consegui fazer consolidação de fraturas ósseas com campos elétricos, aí fui convidado para o Departamento de Ortopedia do Children’s Hospital de Harvard. Isso porque eles viram que eu conseguia consolidar algumas fraturas na metade do tempo usual, por exemplo, fraturas da chamada pseudo-artrose, em que a criança nasce com o pezinho todo mole, só cartilagem. Publiquei uns artigos e orientei três teses em Ribeirão… Quando comecei a pensar nas moléculas e no negócio da memória, a introduzir a idéia dos bioeletretos, me chamaram para grandes conferências internacionais dessa área. Eram cinco, com meia dúzia de Prêmios Nobel, inclusive o Onsager. Aí eu consegui introduzir essa idéia do bioeletreto como uma idéia fundamental na Biologia. E hoje eu estou trabalhando nisso também com um pessoal da Unicamp que está fazendo o modelo teórico dessas minhas idéias. Publicamos um trabalho, ano passado, sobre sistemas biomoleculares fora do equilibrio… Aí entram fenômenos quânticos interessantíssimos. Trabalhei então com o grupo do professor Roberto Luzzi, da física da unicamp, fizemos vários trabalhos nessa área de biofísica molecular. Antes, havia criado em São Carlos um grupo de biofísica molecular, pós-graduação, convidei para trabalhar comigo uma porção de jovens, porque se Newton estava apoiado em ombros de gigantes, eu estou apoiado no pé da juventude. E fico oscilando entre a biologia molecular e física médica, física na agricultura, pecuária, dosimetria de radiações, instrumentação, tecnologia educacional, difusão científica, datação arqueológica, ciência e arte, política científica, uma verdadeira bagunça interdisciplinar… Agora eu fiquei doente, pela terceira ou quarta vez, tive uma doença que parecia Parkinson, mas um grande neurorradiologista e pesquisador da USP de Ribeirão Preto, Antonio Carlos Santos, me disse que na verdade era hidrocefalia de pressão normal, uma doença mais rara e difícil de diagnosticar.

E isso trouxe um novo campo de pesquisa?
Li uns 200 trabalhos sobre esse negócio e resolvi operar em Ribeirão Preto. Operei. Parece que ligaram uma chave para o outro lado. Parou o negócio de andar torto, tontura só um pouquinho, mas saí da depressão que tive, porque mudaram a circuitaria neuronal. Fiz uma cirurgia em que puseram uma válvula e uma cânula de 6 centímetros em minha cabeça para jogar o excesso de líquido na cavidade peritonial. Mas esse sistema é precário. Pode entupir de repente. E aí tenho que correr para a cirurgia, porque se não vou ficar mais demente ou entrar em óbito. Como eu precisava me vingar dessa doença, tratei de conhecer a coisa melhor, fazer pesquisa. E estou há um ano e meio trabalhando nesse negócio. Tive cinco idéias diferentes para medir a pressão intracraniana sem procedimento invasivo no cérebro. Três já estavam patenteadas, uma para a Nasa, outra para IBM e outra para uma Universidade da Lituânia com uma universidade americana lá. Bom, mas ainda sobraram duas, entende? E eu mandando ver. Aí comecei a pensar numa maneira brasileira, cheia de simplicidade, para fazer a medida. Daí me veio a idéia de que se há um aparelho para medir a deformação de uma viga chamado strain gage, (sensor de deformação) seria possível um aparelho para medir a pressão intracraniana por via da deformação que o excesso de líquido produz no crânio. Aí fui na engenharia, aqui de São Carlos, que é de altíssimo nível, preparei um teste com osso de boi, um medidor, para testar se ele iria ver ou não quando eu deformasse o osso com um peso e se eu poderia ler no instrumento a deformação que fosse equivalente à pressão interna craniana, produzida por líquidos, ou seja, sangue e líquido céfalo-raquidiano.

De quanto deve ser essa pressão?
De 10 a 15 milímetros de mercúrio é normal. Se passa de 15, meu caso, já é patológico. De 20 para cima é perigoso, e pode até fazer a pessoa entrar em coma perto dos 30. O fato é que monitorar isso é importantíssimo. Peguei três crânios na Universidade Federal para estudar. Só que crânio é um problema terrível para estudar, ele é cheio de buracos. Daí tive a idéia de pegar um balãozinho de borracha dos meus netos, botei dentro do crânio, soprei. Isso vai pressionar o osso, o osso vai deformar, e eu vou medir com o quê? Com o tal chip. Peguei o meu aparelho de pressão arterial, desmontei o bicho, então já tinha a bombinha e o aparelhinho de medida. Só que agora ele está sendo usado para medir a pressão no crânio. Enchi, botei o sensor no mesmo lugar onde fizeram um buraco na minha cabeça. A pressão provocada pela bexiga simulou a pressão intracraniana, aí eu verifiquei que poderia medir isso de uma maneira super- simples. Desmontei o aparelho de pressão arterial, usei o aparelho que estava lá na Engenharia Civil. O gozado é que nesse mesmo dia estavam medindo uma viga do metrô de São Paulo com a mesmo aparelho. Estavam fazendo um laudo técnico. Eu morri de rir! Buraco no metrô em São Paulo e buraco na minha cabeça! A ciência é mesmo universal e a natureza “não sabe” que existe física, biologia, engenharia, somente os pobres cientistas unidisciplinares, os currículos e capítulos de livros didáticos…

Republicar