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carta da editora | 358

A graça dos escaravelhos

Esqueça por um momento a copaíba, a andiroba e o açaí. Pense em microrganismos. Quando falamos em biodiversidade brasileira, bactérias e fungos não costumam ser as primeiras imagens que vêm à mente. Nem insetos e ácaros. Mas é dessas formas de vida que têm saído algumas soluções para aumentar a resiliência da agricultura aos efeitos das mudanças climáticas.

O Brasil acompanhou de perto, no último mês, a rodada anual de negociações sobre o enfrentamento do aquecimento global, ocorrida em Belém. Consensos são difíceis de se alcançar em qualquer grupo, quanto mais em um conjunto tão díspar quanto as Partes que compõem a COP. Mesmo quando a construção de um consenso é bem-sucedida, como o Acordo de Paris, há 10 anos, resta a luta não menos árdua para colocar as resoluções em prática. E para manter acesa alguma esperança.

A atividade agropecuária, importante emissora de gases de efeito estufa, é também vítima dessas alterações do planeta. Estimativas apresentadas pelo diretor do Escritório de Mudanças Climáticas, Biodiversidade e Ambiente da FAO (agência da ONU para a alimentação e a agricultura), Kaveh Zahedi, apontam que aproximadamente um quarto dos prejuízos econômicos provocados pelos desastres climáticos foi absorvido por esse setor.

Medidas para enfrentar os impactos do aquecimento global na agricultura incluem o desenvolvimento de sementes adaptadas a um clima mais quente e seco, alteração do período de plantio, novas estratégias de preparo de solo, entre outras. Segundo o engenheiro agrícola Eduardo Assad, da FGV, “o modelo de produção nacional precisa rapidamente se descolar dos ensinamentos da agropecuária da revolução verde, baseada no uso de insumos e defensivos químicos, que esgotam rapidamente o solo, e migrar para o uso de técnicas mais equilibradas”.

Um exemplo são os insumos de origem biológica. Explorando uma fronteira científica e tecnológica da pesquisa brasileira, os bioinsumos trazem impactos significativos. Apresentando um risco bem menor de contaminar água e alimentos, essa categoria inclui biofertilizantes, bioestimulantes, condicionadores do solo, agentes de controle biológico, como a vespinha usada contra a broca-da-cana, e inoculantes. Nesse último grupo estão fixadores biológicos de nitrogênio, que, por si sós, representam uma economia anual de R$ 55 bilhões desde 1981, segundo a Embrapa.

Os bioinsumos foram regulamentados por lei em 2024, com normas específicas, diferenciando-os dos agrotóxicos e fertilizantes químicos. A soja, a principal cultura brasileira, é a que mais usa insumos de origem biológica no país, seguida pelo milho, que ocupa o segundo lugar em área cultivada.

Especialista na comunicação química de insetos aplicada ao combate a pragas agrícolas, o entomologista pernambucano Walter Leal não simpatiza com essa classe de invertebrados – exceção feita aos besouros e escaravelhos. Professor na Universidade da Califórnia em Davis, nos Estados Unidos, Leal trabalha com colegas brasileiros identificando feromônios de espécies como o bicho-furão da cana e os psilídeos transmissores do greening, que afeta as plantações de laranja. Desafios científicos o motivam: “Se fosse tudo certinho, não era pesquisa, não tinha graça”.

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