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BOAS PRÁTICAS

A gravidade do plágio

Casos em universidades norte-americanas suscitam debate sobre o rigor na punição a quem copia

Charlotte Hysen/Governor's Press Office/Flickr

Dois episódios recentes em universidades norte-americanas atualizaram o debate sobre o plágio acadêmico e o rigor que deve ser aplicado a esse tipo de má conduta. No dia 2 de janeiro, a cientista política Claudine Gay renunciou ao cargo de reitora da Universidade Harvard depois que o jornal The New York Post e o site de jornalismo político conservador Washington Free Beacon apontaram a existência de mais de 40 trechos de textos escritos por outras pessoas em artigos acadêmicos e na tese de doutorado defendida pela pesquisadora nos anos 1990, sem que as fontes fossem mencionadas. Em sua defesa, Gay afirmou que os erros não foram intencionais e que os trechos similares se referiam à descrição da literatura científica e não às conclusões e à contribuição intelectual de seus estudos.

Gay, primeira afro-americana a comandar a universidade, já vinha sendo pressionada a renunciar, mas por outro motivo. Ela foi duramente criticada por seu desempenho em um depoimento no Congresso dos Estados Unidos no início de dezembro. Isso porque não condenou abertamente episódios de antissemitismo no campus de Harvard após o início da guerra entre Israel e o Hamas (a reitora da Universidade da Pensilvânia, Elizabeth Magill, que prestou depoimento no Congresso sobre o tema no mesmo dia, foi igualmente criticada e renunciou ao cargo em seguida).

Uma das vozes da comunidade judaica que mais se empenharam na saída da reitora foi Bill Ackman, bilionário e filantropo que fez fortuna com uma empresa de investimentos e está no rol de grandes doadores de Harvard. Ackman tornou-se um personagem central de um segundo episódio rumoroso de plágio. Logo após a renúncia da reitora, o site Business Insider publicou uma reportagem mostrando que a mulher do empresário, a arquiteta e ex-professora do Massachusetts Institute of Technology (MIT) Neri Oxman, também plagiara parágrafos de sua tese de doutorado sobre design computacional defendida no MIT em 2010. Os trechos copiados eram de artigos científicos, documentos técnicos e textos da biblioteca virtual Wikipedia.

Ackman reagiu à notícia com uma ameaça de retaliação. Anunciou que iria submeter a produção científica de todos os pesquisadores do MIT, a começar pela reitora Sally Kornbluth, à análise de ferramentas antiplágio a fim de “poupar as organizações noticiosas das dificuldades de fazer análises de plágio”. Ele também não gostou do depoimento de Kornbluth no Congresso sobre antissemitismo e pressionava por sua renúncia.

Neri Oxman reconheceu que não creditou de maneira correta referências em quatro parágrafos de sua tese e pediu desculpas pela falha, mas assinalou que o problema envolve poucos parágrafos em um trabalho de mais de 300 páginas. O ponto mais constrangedor da acusação é que ela teria copiado cerca de 100 palavras de um artigo publicado em 2000 da revista Physics World sobre benefícios da tecnologia em esportes olímpicos. Ocorre que esse mesmo paper também foi plagiado pelo especialista em medicina esportiva australiano Paul McCrory, que já teve mais de uma dezena de trabalhos retratados por plágio.

É praticamente certo que, sem o pano de fundo das alegações de antissemitismo, as acusações contra as duas pesquisadoras não seriam feitas nesse momento. Os episódios, porém, tiveram força para ressuscitar o debate sobre a gravidade de diferentes tipos de plágio e o grau de punição que cada um deles deveria receber. Um tipo de má conduta bastante frequente, o plágio é definido no Código de Boas Práticas da FAPESP como “a utilização de ideias ou formulações verbais, orais ou escritas de outrem sem dar-lhe por elas, expressa e claramente, o devido crédito, de modo a gerar razoavelmente a percepção de que sejam ideias ou formulações de autoria própria”.

Embora o plágio seja considerado uma má conduta grave, a extensão dos trechos copiados e o contexto em que o desvio ético é praticado em geral são levados em conta na hora de aplicar sanções. Em 2016, o Committee on Publication Ethics (Cope), fórum de editores de revistas científicas sobre ética na pesquisa, respondeu a uma consulta sobre plágio do editor de um periódico científico. Ele pedia orientação sobre o que fazer com artigos com pequenos trechos ou sequências curtas de frases copiados de outros papers. O Cope recomendou uma análise caso a caso, levando em conta as características do texto reciclado, uma vez que a duplicação nas seções de resultados e de conclusões seria mais grave do que a similaridade de textos na descrição de métodos – que pode ser comum a diferentes trabalhos científicos. Segundo o Cope, o editor deveria pedir explicações ao autor caso falte atribuição de autoria em trechos do artigo e tomar atitudes mais drásticas caso as ideias defendidas pelo autor pertencerem a outras pessoas (ver Pesquisa FAPESP nº 243).

Tanto Gay quanto Oxman admitiram as violações éticas e tomaram medidas para corrigi-las. Que punições deveriam receber? “No dia em que surgiram as acusações de plágio contra Gay, a conversa nos corredores da universidade era do tipo: ‘Bem, acho que somos todos plagiadores’”, disse à Nature Alvin Tillery, cientista político da Universidade Northwestern em Evanston, Illinois, que foi colega da reitora quando ambos faziam o doutorado. Já Naomi Oreskes, historiadora da ciência em Harvard, afirmou que a renúncia da reitora era necessária para preservar a confiança na ciência e que sua liderança ficou enfraquecida com as acusações. “Todos cometemos erros ocasionais, mas quando se demonstrou que havia mais do que alguns problemas com a pesquisa dela, penso que foi essencial que a reitora Gay renunciasse”, afirmou à Nature.

O caso de Neri Oxman também comporta diferentes avaliações. “Não entendo por que ela fez isso, pois qualquer pessoa que conheça os rudimentos da topologia algébrica poderia formular uma sentença de modo original”, disse Rick Norwood, professor de matemática da East Tennessee State University, que ajudou a escrever um dos verbetes da Wikipedia reproduzidos sem crédito por Oxman. Nick Brown, analista de dados da Universidade Linnaeus, na Suécia, participou da investigação do plágio em série cometido pelo especialista em medicina esportiva Paul McCrory, e considera o caso de Oxman menos grave do que o australiano, já que, no caso dela, apenas algumas frases foram copiadas. “É claro que, em um mundo ideal, a quantidade aceitável de texto reciclado sem atribuição deveria ser zero. Mas parece ser tão comum que, se nos propusermos a retratar um doutorado sempre que acontecesse, não terminaria nunca”, afirma. Na opinião dele, casos menores não devem receber punições muito severas. “A devida correção e 15 minutos de constrangimento provavelmente seriam as consequências mais apropriadas, independentemente da identidade do perpetrador”, disse ao site Retraction Watch.

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