Num cenário de transição entre um mundo dominado por chips e computadores para outro em que reinarão os genes e o DNA, a Associação Brasileira de Jornalismo Científico (ABJC), que congrega jornalistas da área de todos os estados brasileiros, realizou, em Florianópolis, entre os dias 2 e 5 de maio, o6º Congresso Brasileiro de Jornalismo Científico . Com o tema geral O jornalismo científico diante da ética na Ciência e na imprensa , o evento teve como objetivo a troca de experiências profissionais e a apresentação de trabalhos de jornalismo e divulgação científica, em diversos minicursos, mesas-redondas, conferências e painéis.
A modernidade, a separação entre ciência e ética e fundamentação do conhecimento foram temas debatidos pelos professores de jornalismo da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Eduardo Meditsch e Orlando Tambosi. Para Meditsch, o jornalismo é uma forma de conhecimento diferente da ciência, porque é voltado para um público abrangente e revela o fato em si mesmo. “Os cientistas, por sua vez, dirigem sua produção para a comunidade científica e abstraem aspectos de diferentes fatos”, afirmou. “No entanto, o jornalismo também deve ser visto como uma forma de conhecimento, porque oferece um ângulo a mais para a compreensão da realidade.” E é exatamente por isso que essa atividade, tal qual a do cientista, deve ser regida pela ética. Dois outros professores de jornalismo da UFSC, Francisco Karam e Nilson Lage, defenderam a idéia de que cada profissão tem que ser gerida por um código de ética diferenciado, pois cada uma desenvolve um trabalho diferente.
O código de ética do jornalismo, no entanto, é ineficaz, segundo avaliação de jornalista José Hamilton Ribeiro, presidente da ABJC. “Com ou sem código de ética a imprensa vive da mesma maneira”, declarou. “Cada empresa de comunicação tem seu próprio código. Cada uma desenvolve seu produto de acordo com seus interesses e critérios de censura.” O professor Karam, da UFSC, acrescentou que é preciso que os objetivos da mídia sejam objeto de discussão nos meios de comunicação. Segundo o professor, existem centenas de processos contra jornalistas por publicarem informações erradas, mas não há um fórum dentro da categoria para debater isso. O jornalista Sérgio Murilo de Andrade, secretário-geral da Federação Nacional dos Jornalistas Profissionais (Fenaj), disse que o código de ética é bom, mas é lido por poucos jornalistas e ensinado em poucas escolas.
Cobertura especializada
Outro ponto debatido no Congresso foi a qualificação dos jornalistas. O presidente da ABJC e André Singer, editor da revista Superinteressante , concordaram que o jornalismo caminha para a especialização e que os profissionais terão que conhecer mais as áreas que pretendem seguir. Para Ribeiro, o jornalismo científico e a ciência feitos no Brasil estão, em geral, abaixo das expectativas. Ele disse que, para melhorar o jornalismo, “só fazendo jornalismo”, ou seja, o profissional deve trabalhar muito, errar até acertar. “A ciência pode avançar com investimentos e mudança de postura dos pesquisadores”, explicou. “Hoje, os cientistas brasileiros não são comprometidos com a sociedade e não se vêem na obrigação de divulgar seus trabalhos. Já os jornalistas, penso que eles devem estudar e trabalhar mais.”
A apresentadora da TV Cultura de São Paulo e professora de telejornalismo, Mônica Teixeira, seguiu o mesmo caminho de Ribeiro e criticou o jornalismo brasileiro. “Há uma cultura no país que quer ver coisas ruins e a imprensa mostra isso”, disse. “Com o jornalismo científico não é diferente. Um exemplo é o caso do projeto genoma humano, que é mostrado apenas como descobertas de genes que causam doenças, quando na verdade é muito mais que isto. Mas a cura das doenças e a imortalidade são o que as pessoas querem saber e por isso o projeto é apresentado dessa maneira.”
André Singer foi mais ameno e falou sobre a atuação da revista Superinteressante , da qual é o editor. “A Superinteressante não é uma revista científica, mas uma publicação que trata de ciência e tecnologia e ajuda na criação de uma cultura científica no Brasil”, explicou. “Na revista, que está entre as dez mais lidas do país, buscamos mostrar a beleza e o fascínio da ciência, para prender a atenção do leitor. Infelizmente esse aspecto nem sempre é bem visto pelos pesquisadores, que não gostam de ver seus trabalhos ‘simplificados’.”
Complexo de inferioridade
A brasileira Andrea Kauffmann não é jornalista, mas também trabalha com divulgação científica. Ela é editora sênior da Nature e uma das responsáveis pela escolha dos artigos de cientistas do mundo todo que terão o privilégio de serem publicados nas páginas da prestigiosa revista inglesa. Em sua palestra, Andrea disse que a Nature é a revista mais rigorosa na escolha dos artigos científicos e por isso a publicação de um artigo em suas páginas traz prestígio e reconhecimento para o autor. Ela explicou que os critérios para publicação são científicos e não jornalísticos e que todos os editores da revista são cientistas, inclusive ela, que é bióloga.
Quanto ao fato de pesquisadores brasileiros publicarem tão pouco na Nature, Andrea acredita que isso se deve a um certo complexo de inferioridade deles. “Complexo que não deveria existir”, garantiu. “Competência o pesquisador brasileiro tem; o que ele não tem é a infra-estrutura, recursos. Talvez por isso ache que seu trabalho é de pior qualidade. Não é. Para publicar, tem de enviar os artigos. E os brasileiros têm condições de fazer isso.”
O painel de encerramento do Congresso apresentou os projetos de divulgação científica de duas fundações de amparo à pesquisa, a de São Paulo, Fapesp, e a de Minas Gerais, Fapemig. Mariluce Moura, gerente de comunicação da Fapesp, apresentou o case de divulgação na imprensa do seqüenciamento do genoma da Xylella fastidiosa , pesquisa desenvolvida por cerca de 200 cientistas financiados pela Fundação e um marco da ciência brasileira.
Liliane Nogueira, da Fapemig, mostrou o projeto Minas Faz Ciência, cujo carro-chefe são programas de dois minutos veiculados pela TV Educativa de Minas Gerais. O encerramento do Congresso com as fundações serviu para mostrar que já existe uma produção científica de qualidade e de resultados no Brasil, assim como a consciência da importância da divulgação desse tipo de trabalho, tanto por parte dos pesquisadores como dos jornalistas.
Republicar