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História

A modernidade fantasma

Fotógrafo da Madeira-Mamoré é a novidade do relançamento de livro sobre a "ferrovia da morte"

Longe de ser um livro narrativo sobre o drama da construção da ferrovia Madeira-Mamoré, tema da atual minissérie da TV Globo, o Trem-fantasma, estudo de Francisco Foot Hardman, é um belo e poético (mesmo na sua linguagem, em geral, pouco “acadêmica”) exemplo do esforço de sua geração intelectual em mudar os rumos do fazer história dentro das universidades. Antes de ser um livro de história, é sobretudo um estudo literário sobre o imaginário nacional e mundial sobre a força do progresso diante da natureza.

Um grupo de pesquisadores resolveu recuperar o “apagamento de rastros” efetivado pela cultura brasileira em eventos importantes, como a funesta ferrovia que, entre 1907 e 1912, mobilizou 20 mil trabalhadores de diversos países e custou a vida, inutilmente, de 6 mil dentre eles. O que se pretendia era a ligação entre a Amazônia e uma região da Bolívia, rica em látex. Era o desejo de construir um acesso ao oceano Atlântico e competir com o canal do Panamá.

Plena de contratos comerciais duvidosos que resultou num fracasso estrondoso, a Madeira-Mamoré foi convenientemente esquecida pelas elites, apesar do tamanho da saga. Hardman, professor de teoria e história literária da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), viu nela o exemplo perfeito da nova historiografia que ele e seus colegas desejavam implementar. Com sucesso. O livro inicia-se com uma análise sobre a ligação entre progresso e espetáculo, refletida, em especial, nas ferrovias, com seus trens soltando vapor e civilizando o mundo, levando a modernidade para todos os recantos. Não sem razão, o primeiro filme dos Lumiére mostrava a chegada de um trem. Era ele, ao lado dos navios, o responsável por espalhar pelo globo a chance do consumo de mercadorias.

O cenário ideal dessa nova mentalidade, diz Hardman, foram as exposições universais, inclusive as brasileiras, prova inconteste da reunião entre progresso e espetáculo para as massas. Nelas também se dizimavam, com elegância, as culturas “menos avançadas”, que deveriam ser renovadas pela modernidade. Nesse modelo, o pesquisador afirma que o mesmo princípio de “vertigem fantasmagórica” afetava o homem nas cidades e nas selvas, o meio natural a ser domado.A atualidade do estudo repousa sobretudo na permanência do modelo de ocupação predatória do país, cujo resultado é uma unidade imaginária da nação, vista pelo pesquisador como uma comédia ideológica restrita a uma minoria da população. Revisado, o livro, dos anos 1980, traz um capítulo novo (em verdade, um artigo de 1988) sobre o fotógrafo Dana Merrill, responsável pelas fotos dramáticas da ferrovia.

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