Físicos brasileiros e norte-americanos desenvolveram uma versão extremamente reduzida de uma fonte de luz responsável por, simultaneamente, converter um tipo de radiação em outras duas frequências (cores) do espectro eletromagnético. Construído em um chip fotônico de silício, que usa a luz em vez de elétrons para processar informação, esse oscilador paramétrico óptico, nome técnico do componente, mede 0,14 milímetro. Centenas de vezes menor que seus similares comerciais, o ínfimo oscilador é capaz de transformar um feixe de radiação no comprimento de onda do infravermelho próximo, que não é observável a olho nu, em luz visível e de frequências usadas na área de telecomunicações.
O domínio dessa conversão é importante para a produção de luz em comprimentos de onda muito específicos, destinado a determinadas finalidades, como aplicações industriais, pesquisas em computação quântica e estudo das interações da matéria com radiações eletromagnéticas de diferentes frequências. Chamada de espectroscopia, esta última área permite, por exemplo, analisar a cor emitida por materiais e, assim, inferir os elementos que o compõem e a forma como estão arranjados estruturalmente. É uma técnica que permite divisar desde a composição da atmosfera até os contaminantes diluídos em um copo de água.
Por suas reduzidas dimensões, o oscilador desenvolvido em parceria entre o Instituto de Física da Universidade de São Paulo (IF-USP) e as universidades Columbia e Cornell, ambas no estado de Nova York, Estados Unidos, pode ser a base para a criação de aparelhos menores, que seriam integrados a equipamentos de informática, segundo seus criadores. “Nosso dispositivo pode ser instalado dentro de uma placa de computador ou integrar um sistema híbrido, envolvendo eletrônica e fotônica”, afirma o físico Marcelo Martinelli, do IF-USP, um dos autores do trabalho, cujos resultados foram divulgados em março em artigo no periódico científico Optica.
No Brasil, o estudo conta com financiamento da FAPESP, do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes). “O artigo é o primeiro resultado importante de nossas pesquisas com chips de silício”, comenta outro autor do trabalho, o físico Paulo Nussenzveig, também do IF-USP.
A transformação de um feixe de luz em outros dois tipos de radiação eletromagnética ocorre usualmente em aparelhos de laser relativamente grandes. Esses aparelhos normalmente estão instalados em laboratórios de pesquisa, que se utilizam dos osciladores paramétricos ópticos para gerar luz em diferentes faixas do espectro eletromagnético. Esses osciladores costumam medir entre 20 e 5 centímetros, ou seja, são entre 350 e 1.400 vezes maiores do que o novo dispositivo. O conjunto integrado do oscilador em um chip desenvolvido por brasileiros e norte-americanos funciona como um microrressonador ou uma cavidade óptica – um circuito fechado, composto por uma fibra óptica integrada que, de acordo com sua disposição geométrica e outros parâmetros, pode amplificar e converter o sinal original do laser em outras frequências. O chip foi produzido nos Estados Unidos, mas o experimento foi realizado no Brasil.
“Projetamos microrressonadores na forma de um anel em que a luz circula por guias feitas de nitreto de silício [Si3N4] acopladas em um substrato de óxido de silício [SiO2]”, explica o físico Renato Domeneguetti, primeiro autor do artigo, que desenvolveu a pesquisa como parte de seu doutorado, defendido em 2018 no IF-USP. “Nosso dispositivo pode ser de interesse para aplicações nas áreas de comunicação e de computação quântica. Hoje existem empresas e diversos grupos de pesquisa acadêmicos trabalhando em aparelhos semelhantes.” É possível, por exemplo, que as partículas de luz constituintes dos dois feixes distintos de radiação eletromagnética gerados pelo chip fotônico apresentem algum tipo de correlação quântica, uma propriedade que, em tese, pode ser explorada para codificar e recuperar informação.
Segundo Martinelli, a união da micro-eletrônica com a fotônica no interior de um mesmo chip poderia reduzir a perda de energia e fazer com que a placa de um computador não aquecesse. Atualmente, o funcionamento dos computadores e da indústria de informática está baseado na exploração das propriedades dos elétrons (daí o termo microeletrônica). No mundo da fotônica, a luz é a responsável por processar a informação, como nos cabos de fibra óptica. Embora gaste menos energia do que a eletrônica, a fotônica ainda é uma área cara e o controle mais refinado das propriedades da luz permanece um desafio.
Projeto
Explorando informação quântica com átomos, cristais e chips (nº 15/18834-0); Modalidade Projeto Temático; Pesquisador responsável Marcelo Martinelli (USP); Investimento R$ 3.366.437,68.
Artigo científico
DOMENEGUETTI, R. R. et al. Parametric sideband generation in CMOS-compatible oscillators from visible to telecom wavelengths. Optica. v. 8, n. 3. mar. 2021.