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A pesquisa que vai ao mercado

Fapesp cria Nuplitec para apoiar inventos e licenciamentos

00A FAPESP está implantando o Núcleo de Patenteamento e Licenciamento de Tecnologia (Nuplitec) para a proteção da propriedade intelectual dos inventos resultantes de projetos por ela financiados e, sobretudo, para o seu respectivo licenciamento. “A patente é a forma mais definitiva de proteção da propriedade intelectual, mas, em si, ela é um item de despesa. O que importa é o licenciamento e o direito de uso”, enfatiza José Fernando Perez, diretor científico da Fundação.

O Nuplitec vai conferir ao patenteamento o caráter de um negócio, buscando ativamente o mercado para o invento. “A patente e o licenciamento serão processos simultâneos”, explica Perez. O Núcleo será mobilizado tão logo o pesquisador e o assessor da Fundação responsável pelo acompanhamento do projeto considerem que o invento é original e tem potencial de mercado. A Fapesp distribuirá aos pesquisadores um roteiro de avaliação do projeto, com o objetivo de apoiar a decisão dos interessados de patentear um invento. O questionário inclui perguntas relativas à viabilidade técnica, maturidade do projeto, potencial de mercado, necessidade de protótipo, custos e controle do uso da patente.

Para confirmar a originalidade de seu projeto, os pesquisadores poderão consultar o Derwent, do Institut for Scientific Information, (dii.derwent.com) um dos maiores bancos de patentes do mundo, disponível desde dezembro para as universidades e instituições de pesquisas paulistas. Esse banco de dados também estará acessível às empresas que participam dos programas Inovação Tecnológica em Pequenas Empresas (PIPE) e Parceria para Inovação Tecnológica (PITE). As informações sobre patentes já registradas podem ainda ser obtidas no banco de dados do Escritório de Patentes e Marcas dos Estados Unidos (USPTO), da IBM ou nos arquivos do Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI), que reúnem mais de 20 milhões de documentos sobre patentes concedidas desde 1920, ainda não disponíveis em meio eletrônico.

Os quesitos originalidade e potencial de mercado serão confirmados pela Coordenação de Tecnologia, responsável pelo gerenciamento do Nuplitec, e assessores ad hoc . “Se os pareceres forem favoráveis, o Núcleo auxiliará os inventores a redigir o relatório e fará o depósito de patente no Brasil, por meio do INPI e/ou uma patente provisória no exterior, para assegurar o registro”, diz Edgar Dutra Zanotto, coordenador-adjunto da diretoria científica da Fundação. A FAPESP está formalizando convênio com o INPI para facilitar o registro de patentes.

Quando houver necessidade de construção de um protótipo do invento, o Nuplitec poderá buscar apoio de centros de pesquisa especializados, afirma Zanotto. Esse parceiro técnico será responsável pela confecção do produto, observando a possibilidade de produção em escala, custo e disponibilidade do material a ser utilizado e a possibilidade real de controle do uso da patente. O próximo passo é buscar, junto com o pesquisador, as empresas interessadas na aquisição ou licenciamento do invento.

Se dentro de um prazo de 12 meses a nova tecnologia for negociada com sucesso, o Nuplitec contratará escritório especializado para dar forma final à patente e depositá-la definitivamente no Brasil e/ou nos países onde houver potencial de mercado. Neste caso, a Fapesp ficará com a titularidade da patente, compartilhando proporcionalmente os rendimentos líquidos do invento com o pesquisador e a universidade ou instituição de pesquisa, na forma prevista na Lei de Patentes. “A FAPESP assume o risco e compartilha os benefícios”, resume Perez. “Temos escala para justificar o custo da operação.”

Esgotado o período de um ano, se o invento não despertar o interesse do mercado, o Nuplitec se retira da negociação para o licenciamento e os inventores devem continuar o processo de patenteamento por conta própria. A Fapesp seguirá à frente do projeto apenas em casos excepcionais, de tecnologias muito inovadoras e promissoras. “Só vamos bancar o que tiver mercado”, sublinha Zanotto. O Nuplitec terá uma estrutura enxuta. Além da Coordenação de Tecnologia, farão parte do Núcleo um profissional com experiência em marketing e comércio de tecnologia, um analista de patentes, responsável pela redação para o depósito inicial, e dois estagiários, estudantes de Direito que se especializarão em propriedade industrial e contratos de licenciamento.

O Núcleo crescerá junto com a demanda, estimada em mais de uma centena de patentes por ano, no Estado de São Paulo. “O sucesso do projeto será medido por dois indicadores: o da cultura de proteção da propriedade intelectual e o do retorno do licenciamento”, afirma Perez. Ele aposta na capacidade da Fapesp de mobilizar pesquisadores e no seu potencial de avaliação dos projetos. “Já começamos a avaliar proposta de patente e licenciamento de um projeto e nos surpreendemos com a qualidade de análise feita pelos assessores da Fundação. Há detalhes técnicos e de consistência do invento que demonstram a nossa capacidade de avaliação”, adianta.

O processo de implantação do Núcleo está apenas se iniciando. Os formulários encaminhados pela Fundação aos pesquisadores e assessores estão sendo alterados para incluir questões que pretendem levar os interessados a observar a originalidade e o potencial de mercado do seu invento. “Estaremos alerta para realizar essa prospecção de inventos”, diz o diretor-científico da Fapesp. Perez espera que, além da cultura de proteção de inventos, o Nuplitec estimule o desenvolvimento de competências na área de propriedade intelectual, gerando, por exemplo, a implementação de cursos de pós-graduação de Direito nesta área.

Ele adianta, ainda, que a FAPESP não pretende restringir a atuação do Núcleo aos projetos desenvolvidos por universidades ou instituições de pesquisa. Também poderão contar com o apoio do Nuplitec os projetos de inovação tecnológica desenvolvidos por pequenas empresas e os projetos elaborados em parceria entre empresas, universidades e institutos de pesquisas. “Neste caso, a titularidade do invento será das empresas e da FAPESP”, ressalva Perez.

A idéia de estimular a patente e o licenciamento de inventos surgiu no workshop Propriedade Intelectual e Patentes , promovido pela Fapesp, em dezembro do ano passado. No encontro, cinco especialistas do Brasil, Estados Unidos e Israel relataram as estratégias de diferentes instituições de pesquisas, analisaram as dificuldades da proteção à propriedade intelectual no Brasil e indicaram os melhores caminhos para que as instituições assumissem uma posição de defesa dos trabalhos de seus pesquisadores. Concluíram que, sem uma política clara e eficaz de proteção à propriedade intelectual, será praticamente impossível para as instituições avançarem nos acordos de licenciamento com as empresas. Desse debate, nasceu o projeto do Nuplitec, que foi aprovado pelo Conselho Superior da Fundação, no dia 10 de maio deste ano.

Em defesa da tecnologia nacional
O registro de patentes é uma forma indireta de avaliar o potencial de inovação tecnológica de um país. No Brasil, mais de uma centena de escritórios de advocacia são especializados no registro de patentes. Isso sem falar nos departamentos específicos mantidos pelas grandes universidades, como USP e Unicamp, pelos institutos de pesquisa e fomento, como o Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT) e o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), ou por fundações e empresas, como a Fundação Instituto Oswaldo Cruz (Fiocruz) e a Petrobras. Ainda assim, o número de depósitos anuais de patentes no INPI variou entre 11.000 e 17.000, na última década.

O número de patentes expedidas, no mesmo período, oscilou de 2.500 a 4.000, sendo que 80% eram de titularidade estrangeira. A situação é mais grave quando se constata que a participação brasileira correspondeu a 0,05% do total de patentes concedidas pelo USPTO, nos Estados Unidos, entre 1980 e 1998. Esse percentual foi similar ao obtido por países como a Irlanda e o México, e inferior ao da África do Sul, Israel e Coréia, que têm estágio de desenvolvimento científico comparável ao do Brasil. “Estamos atrasados”, constata Perez. “A Fapesp, através do Nuplitec, quer criar uma cultura que valorize a proteção da propriedade intelectual e investir no retorno que resultará de seu licenciamento.”

É bem verdade que, nos países desenvolvidos, as empresas são as principais responsáveis pela geração de patentes. Nos Estados Unidos, por exemplo, cerca de 3% das patentes são depositadas por universidades ou instituições de pesquisa. No Brasil, essa proporção é muito menor. E pior: pesquisadores e instituições inúmeras vezes perdem a oportunidade de buscar mercado para inventos com potencial de aplicação industrial, abrindo mão de direitos que poderiam resultar num expressivo retorno econômico.

A dificuldade dos pesquisadores brasileiros se deve, em grande parte, a problemas operacionais, tais como a falta de informação, descuido, inexistência ou despreparo dos escritórios especializados em patentes nas universidade e institutos de pesquisa e ao alto custo do depósito de patentes internacionais.

Para superar essa dificuldade algumas instituições adotaram medidas para a proteção dos inventos gerados nas atividades de pesquisa. A Fiocruz, do Rio de Janeiro, foi das primeiras a adotar, na década de 80, uma regulamentação interna de proteção à propriedade intelectual dos inventos. “Os pesquisadores publicavam tudo e a instituição não tinha qualquer controle sobre proteção intelectual. E a novidade é o requisito básico de qualquer invento”, conta Maria Celeste Emerick, coordenadora de Gestão Tecnológica da Fiocruz.

Essa iniciativa foi o primeiro passo para a criação de uma nova cultura de proteção entre os seus pesquisadores. “Começamos a fazer palestras, falar sobre patentes e suas vantagens e colocamos à disposição de nossos técnicos o Banco de Patentes do INPI.” Hoje, a busca de informações é uma rotina para os pesquisadores. “Aprendemos a fazer patentes. Mesmo que a instituição contrate um escritório especializado para o seu registro, é preciso que o pesquisador esteja atento e informado e saiba redigir o documento de patentes”, diz Maria Celeste.Há dez anos, a Fiocruz criou um escritório para o registro de patentes, ao mesmo tempo em que descobriu a importância de estar atenta ao comportamento e à organização do mercado, para poder avaliar corretamente a potencialidade comercial dos seus inventos.

A Fiocruz tem, hoje, 15 patentes concedidas no exterior, em três países diferentes, nenhuma delas ainda licenciadas. No Brasil, das 12 patentes concedidas, já estão licenciadas o ZIGZAIDS, um jogo educativo sobre Aids, dirigido a adolescentes; uma vela à base de plantas que afasta o mosquito Aedes aegypti ; um kit com antígeno contra a doença de Chagas; e um bioinseticida cujo desenvolvimento exigiu da empresa investimentos de US$ 1 milhão, e que já está sendo reescalonado para o mercado.

Mas foi prospectando o mercado para uma sonda nasofaringe que a Fiocruz constatou outro problema: a sua dificuldade em construir protótipos. “Tínhamos vários interessados no licenciamento da sonda, mas a borracha usada no protótipo era cara porque só é produzida na Malásia. Percebemos que estávamos apenas no meio do caminho e que era preciso investir também no desenvolvimento do produto, pensando em grande escala.”

A solução foi buscar apoio do Centro Federal de Educação Tecnológica (Cefet) para desenvolver o protótipo com viabilidade comercial. O primeiro projeto a ser desenvolvido pelo novo parceiro será o protótipo de uma cadeira anti-refluxo. O Cefet será responsável pelo estudo de viabilidade econômica do projeto e análise dos custos do material e demais aspectos de mercado. Só depois desses resultados, será possível partir para a identificação das empresas eventualmente interessadas no produto. “Os investimentos no desenvolvimento do produto são quase iguais ou maiores que os investimentos em pesquisa”, constata Maria Celeste. “E esse é, hoje, o nosso maior gargalo.”

Do lado das grandes empresas, a situação é diferente. A Petrobras, por exemplo, com um faturamento anual de US$ 20 bilhões, é a campeã de registros de patentes. A empresa coleciona um total de 643 patentes concedidas no Brasil e 1.498 no exterior em pelo menos dez países. A Petrobras tem a titularidade das patentes. “Somos o maior gerador de tecnologia no país”, garante Marta Metello Jacob, consultora técnica do Setor de Comercialização de Tecnologia e Propriedade Industrial.

O Setor de Comercialização de Tecnologia funciona há 30 anos e a empresa já tem bem desenvolvida uma cultura de proteção aos seus esforços de inovação tecnológica. O desenvolvimento das pesquisas pode ser acompanhado pelo Setor por meio da Intranet. “Padronizamos os procedimentos para o envio do relatório do que a invenção representa em termos de melhoria de custo ou tempo de trabalho”, detalha a consultora. Esses relatórios servem de base para a fundamentação do documento de depósito da patente que é elaborado pelo Setor de Comercialização, também responsável pela confirmação da originalidade do projeto. “Trabalhamos com 80% de certeza”, ela diz.

São depositadas patentes de inovações tecnológicas que já estão em operação nos diversos centros de operações da empresa. “Fazemos isso para evitar que outras empresas usem a nossa tecnologia sem pagar ou desenvolvam projetos semelhantes e nos impeçam de continuar usando o nosso”, explica Marta Metello Jacob.Mais que isso, o depósito de patentes no exterior tem o objetivo de divulgar a imagem da Petrobras e do Brasilno exterior. “Faz mais efeito do que pagar uma página inteira de anúncio no The New York Time “, ela afirma. “Funciona como uma espécie de marketing da empresa e do Brasil no exterior.”

INPI: em busca do tempo perdido

José Graça Aranha, que há menos de um ano ocupa o cargo de presidente do Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI), tem pela frente um grande desafio: recuperar a credibilidade e reorganizar os serviços de atendimento aos usuários do órgão. “O INPI estava nas páginas policiais, sem rumo, sem uma missão ou política definidas”, ele afirma.

Quando ele assumiu o cargo, em junho do ano passado, 40 mil processos de registro de patente e 240 mil pedidos de registro de marcas se acumulavam nas estantes. “A desmotivação dos funcionários contribuía para o atraso”, diz. Mas ele atribui a morosidade do Instituto a problemas gerenciais e administrativos e à “forma como era vista a questão das patentes”. Ele conta, por exemplo, que determinados processos considerados “sensíveis” eram esquecidos. Outros tantos dependiam de parecer do Serviço Nacional de Informações (SNI), já extinto. “Encontramos processo de 1985, sem solução.”

Inspirado em modelos organizacionais adotados pelos mais de 30 institutos de propriedade intelectual de diversos países, que ele conheceu enquanto trabalhou na Organização Mundial da Propriedade Industrial, em Genebra, na Suíça, Graça Aranha reviu práticas, métodos e sistema de classificação do INPI brasileiros de tal forma a torná-los compatíveis com aqueles adotados no exterior. “E os processos começaram a se mover.” Hoje, o número de processos de patentes atrasados caiu para menos de 30 mil e os de pedido de registro de marcas para algo em torno de 170 mil. A meta é acelerar o exame dos processos, reduzindo o período de tramitação dos processos dos atuais e intermináveis dez anos para quatro anos, seguindo o padrão da grande maioria dos institutos estrangeiros.

Há, no entanto, outros problemas a serem resolvidos como, por exemplo, o da falta de pessoal. Desde 1995, pelo menos 30% dos funcionários do órgão se aposentaram e o Instituto implantou, a partir de 1997, política de terceirização de mão-de-obra, por meio da qual o INPI emprega 295 pessoas. Os funcionários fixos somam, hoje, 560. A terceirização, no entanto, está sendo contestada pelo Ministério Público. “Temos que buscar uma saída definitiva para esse problema.” O modelo por ele desejado é transformar o INPI numa agência executiva, com independência financeira e um plano de cargos e salários próprios, conforme previsto no artigo 239 da Lei nº 9279, sobre a Propriedade Industrial.

Responsabilidade
Ele credita à ineficiência histórica do INPI uma parte da responsabilidade pela falta de uma cultura de proteção à propriedade intelectual no país. “Os pesquisadores preferem publicar os inventos para aferir produtividade a patenteá-los”, constata. Esse mesmo descuido pode ser observado no desinteresse das empresas em registrar marcas. “Do total de empresas registradas nas Juntas Comerciais, apenas 15% procuram o registro do INPI.”

Registra, ainda, que o banco de dados da entidade, que reúne cerca de 20 milhões de documentos de patentes, desde 1920, tem média muito baixa de consulta, algo em torno de mil por ano. Esses dados não estão disponíveis em meio eletrônico, mas espalhados por uma área de 5 mil metros quadrados, o que certamente desestimula a consulta. “O INPI de Cuba, país que não tem qualquer capacidade de investimento, também acumula 20 milhões de documentos de patentes, não informatizados, e recebe o dobro de consultas,” ele compara. Ressalva que o Instituto cubano é mais enxuto e organizado que o brasileiro: as pastas com documento ocupam área muito menor, de 600 metros quadrados.

Apesar das dificuldades dos pesquisadores, Graça Aranha aposta na imensa capacidade de inovação tecnológica do país. E exemplifica: em 1997, os países em desenvolvimento registraram 6 mil pedidos de patentes, sendo que metade era tecnologia gerada no Brasil. Admite que a posição relativa do país no mundo desenvolvido é diferente. No ranking das patentes concedidas nos Estados Unidos em 1996, o Brasil é líder da quarta divisão, ao lado de Porto Rico, Gana e Zimbábue. “E por não se tratar de um campeonato de futebol, o líder da quarta divisão não é promovido, automaticamente, para a terceira,” ironiza. O INPI, ele diz, tem que colaborar para mudar esse quadro. “Precisamos recuperar o tempo perdido.”

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