A histeria está nas fundações da psicanálise. O olhar e a escuta sensíveis de Freud às personagens histéricas – e não apenas a seus sintomas e discursos – o levaram aos poucos a descortinar o inconsciente, mais adiante a perceber a resistência das pacientes ao tratamento, e em seguida lhe deram poderosas indicações sobre a eficácia do fluxo das associações livres, que abriu o caminho para a análise de sonhos – ato inaugural e pedra de toque da psicanálise. Mas há uma impressão mais ou menos generalizada de que a histeria pouco teria sobrevivido a Fräulein Anna O., paciente de Breuer, e às pacientes de Freud, Frau Emmy von N., Miss Lucy R., Kataharina e Fräulein Elisabeth von R., todas elas mulheres de cujas histórias tomamos conhecimento no relato de fino labor literário dos Casos clínicos, que integram os Estudos sobre a histeria, publicados em maio de 1895, cerca de dois anos depois da Comunicação preliminar, o primeiro relato científico de Freud e Breuer sobre o tema. A histérica, exibindo simbolicamente em seu corpo as marcas de uma pesada repressão sexual da qual mal se dava conta, aparentemente era uma personagem do século 19 que se desfaria ao tempo em que a psicanálise avançava pelo século seguinte. O caminho do século 20 por entre guerras de todo tipo, morte das grandes utopias e notáveis avanços técnico-científicos, que mudariam profundamente a sociedade e a sociabilidade humanas, parecia levar a outros males da mente e do espírito, mais adequados aos pavores desse tempo, como a síndrome do pânico, a bulimia e a anorexia.
Ora, o que a bela reportagem de capa desta edição de Pesquisa FAPESP informa é algo totalmente diferente: não, a histeria não morreu, apenas encontra-se hoje encoberta por diagnósticos incorretos de epilepsia. Como relata o editor de ciência, Carlos Fioravanti, a partir da página 42, com base em pesquisas do Hospital das Clínicas de São Paulo e de outros centros médicos especializados em Goiás, Paraná e Rio Grande do Sul, além de São Paulo, um em cada quatro casos diagnosticados como epilepsia no Brasil é, na verdade, histeria. E mais: apesar de seu nome, que remete à palavra útero, a histeria não é um distúrbio psíquico que acomete apenas as mulheres, mas afeta homens também. Vale realmente a pena conferir.
Mas esta edição joga luz sobre outros elementos ocultos. Expõe outras zonas de sombra. Em geral, imaginamos todos que estamos tranqüilos e na maior paz quando depois de um dia agitado, trabalhoso, podemos enfim relaxar na cama entre lençóis aconchegantes, cobertas cheirosas, travesseiro macio, e esperar o sono chegar. É um doce engano: um batalhão inacreditável de minúsculos parentes de aranhas e carrapatos, de aparência tão feia que se pudéssemos ver justificariam os mais terríveis pesadelos, aninha-se ali mesmo na cama, junto ao nosso corpo. Falo dos ácaros, o terror contemporâneo dos alérgicos de todo o mundo, claro, porque são um eficientíssimo disparador de crises de rinite, asma, conjuntivite e outros males. A reportagem do editor assistente de ciência, Ricardo Zorzetto, conta a partir da página 52 como esses bichinhos encontraram nas casas e particularmente nos quartos seus paraísos particulares. Mas não há razões reais para desespero: a reportagem também explica como se livrar dos monstruosos aracnídeos.
Mais luz, ou melhor, refração da luz. Um novo pigmento branco, cujo desenvolvimento Pesquisa FAPESP acompanhou desde os primeiros passos, há oito anos, dentro de alguns meses deverá estar presente na formulação de tintas pelo mundo afora. O Biphor – é esse o seu nome – resulta de uma parceria entre a Unicamp e a Bunge, e é produzido a partir de nanopartículas de fosfato de alumínio, conforme relata o editor de tecnologia, Marcos de Oliveira. Esse pigmento vai competir com a matéria-prima atual das tintas brancas, o dióxido de titânio.
Para encerrar completando um círculo, o que é movimento sempre sedutor, vale a pena ler o conto deste mês, de Ana Elisa Ribeiro, na página 96, que conta um pouco mais sobre mulheres. As que escrevem e as que lêem, sabe onde aprenderam isso? “Na implicância da alma com o mundo, na resistência belíssima dos textos que produziam”.
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