eduardo cesarO livro Executivos negros: Racismo e diversidade no mundo empresarial é uma adaptação da tese de doutorado de Pedro Jaime defendida em 2011 na Universidade de São Paulo e na Université Lumière Lyon 2, na França, simultaneamente. Como diz o título, trata da questão racial nas empresas, bem como da complexa prática da diversidade no universo corporativo, temática ainda pouco explorada na literatura acadêmica.
Ao longo do tempo, estatísticas oficiais e publicações que trazem como referência a questão da mobilidade têm dado conta de quão reduzida é a presença dos negros no grupo de dirigentes e gerentes das organizações brasileiras. Trata-se de uma disfunção que ocorre, inclusive, no serviço público, o qual, em face dos critérios de ingresso presumidamente democráticos, exerce forte atração sobre parcela significativa da população negra em busca de emprego.
O estudo do antropólogo compara duas gerações de executivos negros em São Paulo. Um dos propósitos do autor consiste em identificar as mudanças que aconteceram na construção das trajetórias desses profissionais entre o final do século XX (a partir da década de 1970) e o início do século XXI. Outro propósito refere-se a discutir as formas com que tais mudanças se relacionam com as transformações no contexto societal – termo utilizado para dar conta da existência das dinâmicas que se desenvolvem em um quadro amplo da sociedade.
A primeira geração de executivos negros estudada pelo autor ocupou cargos de gerência e direção e ingressou no mercado de trabalho no final dos anos 1970, quando a ditadura militar reprimia os movimentos sociais. O racismo era considerado uma simples contravenção penal, o que contribuía para aumentar as possibilidades de sua manifestação no cotidiano das pessoas. Trata-se de um contexto desfavorável à própria afirmação de si mesmos como negros e também à construção de suas trajetórias como executivos.
Esses profissionais tinham em torno de 50 anos e certa tendência à negação da existência e dos efeitos do racismo, inclusive sobre eles mesmos, embora já tivessem vivenciado várias situações dessas. Percebiam-se solitários, sem pares raciais para compartilhar experiências comuns. Utilizavam estratégias defensivas para se proteger do preconceito e da discriminação no ambiente de trabalho e evitavam conflitos, tendendo a contornar situações explícitas de racismo.
A segunda geração de executivos negros ingressou no mercado de trabalho no início do século XXI. O Estado assumia novas posturas frente à questão racial, acenando para a necessidade de criação de políticas de governo para ajudar no combate ao racismo, ao mesmo tempo que cresciam as pressões para o atendimento de antigas demandas do movimento negro. As empresas se viram obrigadas a se adaptar ao novo contexto. Algumas passaram a promover a gestão da diversidade para valorizar a inserção de negros em seus quadros.
A pesquisa mostra, então, que esses jovens negros, com 20 e poucos anos, haviam entrado no mercado corporativo no contexto de políticas de diversidade, adotadas por empresas em resposta a pressões dos movimentos sociais negros. Eles participavam de programas de trainee para jovens afrodescendentes e eram preparados para assumir cargos gerenciais nas empresas, ou seja, eram “executivos em construção”, como diz o autor.
Diferentemente dos executivos da primeira geração, que constroem isoladamente suas trajetórias, os da segunda geração o fazem a partir de uma ação coletiva e desenvolvem uma percepção positiva da sua identidade negra. Embora as situações de constrangimento racial não cessem completamente, a própria postura adotada é fruto de uma afirmação mais positiva da identidade. Sobra pouco espaço para piadas, humilhações e similares.
Para concluir, reafirmamos que, como toda pesquisa, essa oferece respostas importantes para o tema que o autor se propôs a discutir, e também deixa sem respostas questões sobre as quais outros pesquisadores vão se debruçar. Uma dessas questões, que me ocorre enquanto pesquisador da temática e cidadão negro, tem a ver com os riscos de dissolução dessas políticas, as quais ainda não cumpriram os objetivos para que foram criadas.
Ivo de Santana é doutor em sociologia pela Ufba e pesquisador no Programa Multidisciplinar de Pesquisa em Relações Étnico-raciais e Estudos Africanos (Ufba).
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