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Carta do Editor | 79

A santa (cientificamente) explicada

Desde a origem, Pesquisa FAPESP é, por definição, uma revista de divulgação científica escrita em linguagem rigorosamente jornalística. Ou seja, é da natureza intrínseca de seu projeto editorial o esforço pela tradução de resultados de pesquisa e conceitos científicos para uma linguagem comum, inteligível a qualquer leitor bem formado, independentemente de sua área de formação. Por isso mesmo, artigos científicos com muita freqüência servem de base às reportagens que a revista publica, mas tradicionalmente não aparecem, tal como foram escritos, nas páginas da revista. Desta vez, contudo, abrimos uma exceção. E não apenas estamos publicando um artigo científico do professor Edgard Dutra Zanotto, da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) como ele é o belo objeto da capa desta edição.

Como se verá, temos razões de sobra para quebrar a regra. Primeiro, o paper que contrapõe, às tentações de qualquer interpretação mística, uma explicação científica rigorosa para o fenômeno do aparecimento de manchas em vidro que evocam imagens sacras, é de uma completa oportunidade, quando a mídia procura dissecar sob os mais diferentes ângulos a história da santa do vidro de Ferraz de Vasconcelos. Só para refrescar a memória dos leitores: desde julho, uma mancha encontrada na vidraça de uma casa simples na pequena cidade da Grande São Paulo, a lembrar uma esguia madona, e resistente a todo produto de limpeza utilizado por Ana Maria de Jesus Rosa, a dona da casa, atrai diariamente uma multidão de fiéis e curiosos à rua Antônio Bernardino Corrêa.

Em segundo lugar, neste momento em que está em curso o trabalho de uma comissão de especialistas, incluindo físicos e químicos, formada pelo bispo de Mogi das Cruzes, dom Paulo Mascarenhas Roxo para elaborar um parecer oficial sobre o fenômeno, adiantar para seus leitores a visão de um desses especialistas é, sem dúvida, uma decisão que tem tudo a ver com o propósito de Pesquisa FAPESP de mostrar como a ciência está imbricada na nossa vida concreta e cotidiana. E, ressalte-se, neste caso, o especialista, PhD em tecnologia de vidros, é simplesmente uma das maiores autoridades brasileiras nesse campo. Com essa bagagem, aliás, Zanotto publicou, em 1998 e 1999, dois artigos no American Journal of Physics, o primeiro deles comentado na Science, desmontando o mito de que as igrejas medievais como Notre Dame, por terem vitrais mais espessos na base do que no topo, constituem a prova da viscosidade do vidro. Que o vidro é um líquido viscoso, ele não discutiu, mas demonstrou que para escoar a ponto de atingir a espessura observada nos templos, o material levaria milhões e milhões de anos. A partir da análise da composição de 350 vitrais medievais, ele concluiu que as diferenças de espessura em questão, na verdade, decorrem apenas de defeitos de fabricação do vidro.

Finalmente, quebramos nesta edição a regra de não publicarmos artigos científicos porque, neste caso em que se trata da contraposição implícita de um visão de mundo a outra, de uma linguagem a outra muito diversa, julgamos enriquecedor para o debate e para os leitores a preservação da lógica interna do discurso científico – que aqui, aliás, alcançou uma extraordinária clareza.

Esta edição traz muitas outras novidades. Alguns exemplos: os fatores que aumentam e os que reduzem os riscos de infarto entre os brasileiros, a tecnologia nacional para cápsulas radioativas que tratam o câncer de próstata, ou a discussão sobre ética na ciência suscitada pela publicação do livro sobre o pai da bomba H, Edward Teller, e a autobiografia do russo Andrei Sakharov. E, para finalizar, estamos inaugurando um novo espaço publicitário na revista: os classificados Pesquisa FAPESP, onde pesquisadores, instituições e empresas podem oferecer seus serviços diretamente para o público certo.

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